Folha de S. Paulo
Decisão da Meta atravessa nossos votos de
amor e paz para 2025
Mal tivemos tempo de digerir os votos de amor e paz para 2025 e já somos atravessados por mudanças coletivas que nos presenteiam com um cavalo de Troia. Sob a justificativa de priorizar a liberdade de expressão, Zuckerberg anunciou que a Meta encerrará programas de checagem de fatos e reduzirá filtros para conteúdos sobre identidade de gênero, xenofobia e misoginia. Embora a decisão tenha sido tomada nos EUA, ela reverbera globalmente entre os mais de 6 bilhões de usuários de Instagram e Facebook. O resultado? Uma liberdade que embala discurso de ódio e polarização.
Vivemos a era da "ditadura da
liberdade". Percebo na clínica e na sociedade um aumento de pessoas
angustiadas, solitárias e perdidas. Somos, segundo a OMS, a população mais
ansiosa do mundo e a mais deprimida da América Latina. Nesse contexto, a vivência do desamparo
estrutural apontado por Freud se dá de forma aguda. Mas, em vez de encararmos
nossas faltas, buscamos o colo das "grandes mães digitais" —grupos
que pensam como nós, oferecem soluções simplistas e apontam o outro como causa
de todo mal. Direcionamos nosso mal-estar à civilização, achando que estamos
nos defendendo, mas estamos definhando coletivamente.
No radicalismo e nas fake news –compartilhadas 70% mais que as verdadeiras– encontramos validação imediata, que nos
protege da angústia e incerteza. Essa lógica reforça um mundo dividido entre o
absolutamente bom e o absolutamente mau, como descreveu Melanie Klein na posição esquizoparanoide. Julgamos,
punimos e banalizamos diagnósticos, sustentados pela crença de que "o
inferno são os outros", como dizia Sartre. Nunca falamos tanto em mães
narcisistas, parceiros tóxicos e chefes obsessivos. Livres para emitir opiniões
ao mundo, eliminamos ambivalências e criamos guerras pessoais que parecem nossa
única defesa. Será?
"Faça amor, não faça guerra", lema dos anos 60, soa
utópico hoje. Mas talvez lutar por uma "democracia do afeto" seja
revolucionário. Antes de vilanizar o namorado, a amiga ou a mãe, se dê o tempo
para um diálogo construtivo. Em vez de julgar e punir pelo "eu não faria
assim", já tentou compartilhar como se sente, o que é importante para
você, e ouvir o outro com abertura genuína? Se discursos de ódio nascem do
desejo de pertencimento, o amor precisa despertar em nós o desejo de
compreender.
A alteridade é parte constitutiva da
experiência humana assim como a falta. Precisamos voltar a desenvolver formas
mais saudáveis de lidar com elas. Como diz Winnicott, é no espaço potencial —entre o eu e o outro— que
florescem a criatividade e a verdadeira liberdade. Esse é o lugar do diálogo,
onde menos certezas e mais dúvidas, menos ódio e mais curiosidade podem abrir
caminho para uma convivência mais humana.
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