O Globo
Lucro pode crescer nas organizações que dão
aos trabalhadores condições de equilibrar vida pessoal e profissional
Não dá mais. Temos que mudar. Os
trabalhadores de comércio e serviços são massacrados por uma carga de mais de
12 horas diárias, entre atividades nas empresas e ida e volta para casa. Quase
todos são enquadrados na escala 6x1 (trabalham seis dias e folgam um), esquema
implantado por Getúlio
Vargas em 1943, quando a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) foi
publicada.
Eles quase não têm descanso, não encontram tempo para o lazer, não conseguem estudar e mal encontram a família. O único dia de folga na semana, quase sempre, é usado para preparar o retorno e reiniciar esse “inferno”. Na prática, a escala 6x1 oficializa um esquema de trabalho análogo à escravidão. E isso em pleno século XXI, quando a tecnologia invade todos os setores da economia, especialmente com o desenvolvimento da inteligência artificial (IA).
No momento em que a IA promete revolucionar o
mundo, com consequências ainda imprevisíveis, é preciso discutir seus efeitos e
propor inovações que melhorem as condições de vida dos trabalhadores. A redução
da jornada é uma dessas exigências. A evolução da tecnologia deve trazer ganhos
em produtividade que podem ser usados em benefício dos empregados, e não apenas
para aumentar o lucro das empresas. Afinal, já está mais do que provado que o
lucro pode ser maior nas organizações que oferecem aos trabalhadores condições
de manter o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
É o que mostra um experimento recente
realizado no país numa parceria entre a 4 Day Week Brazil, comunidade sem fins
lucrativos que promove a semana de trabalho de quatro dias, e a brasileira
Reconnect Happiness at Work. Durante seis meses, cerca de 290 trabalhadores
adotaram a escala 4x3, equivalente a 32 horas de trabalho semanais. Os
resultados preliminares foram positivos, tanto no bem-estar dos funcionários
quanto na produtividade, segundo Renata Rivetti, fundadora da Reconnect.
Uma das companhias que participaram desse
projeto piloto foi a Vockan, empresa de tecnologia que implementou a escala 4x3
em 2022. Fabrício Oliveira, CEO, afirma que na Vockan a produtividade aumentou
32%, e a empresa cresceu 86% depois da medida, ampliando as operações e
passando de 60 para 132 funcionários.
É bom deixar claro que nenhum projeto piloto
colocou a escala 4x3 no chão de fábrica, na grande indústria ou no comércio
varejista de um país continental como o Brasil. Mas, mesmo que ainda existam
entraves para a adoção da 4x3 no Brasil, como pretende a Proposta da Emenda à
Constituição (PEC) da deputada Erika Hilton (PSOL-SP),
acredito que estamos prontos para a implementação da jornada 5x2 em vários
segmentos. Nós, da União Geral dos Trabalhadores (UGT) e do Sindicato dos
Comerciários de São Paulo, achamos que os setores de comércio e serviços estão
aptos a fazer experiências e colocar esse modelo em prática.
Sabemos que a redução da jornada de trabalho
desperta grandes emoções, especialmente nos trabalhadores que fazem parte dessa
máquina de moer carne que é a escala 6x1. Temos a certeza de que um esquema bem
organizado dará certo, com a participação de empresários, governo,
trabalhadores e, claro, da IA.
*Ricardo Patah, formado em administração e Direito, é presidente nacional da União Geral dos Trabalhadores
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