quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

América de Trump, Estado fora da lei - Joel Birman

O Globo

Estados Unidos podem expulsar os imigrantes ilegais, sem documentação. Mas pela mediação de uma instância jurídica

Ao fazer o seu discurso de posse como novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump enunciou o início de uma “era de ouro” para o país, com o intuito de tornar a “América grande novamente”, se contrapondo assim à “decadência” promovida no país pela administração Biden. Além de humilhar publicamente este, presente à cerimônia, com desprezo e crueldade incomuns, Trump começou a delinear sua política contra a imigração, marcada por virulência e fúria inéditas.

Logo em seguida iniciou-se a caça implacável a imigrantes em todo o país. Os agentes do governo passaram a bater de porta em porta em busca deles em suas casas, além de persegui-los em escolas, igrejas e possíveis locais de trabalho. Ao lado disso, imigrantes evitavam falar em suas línguas de origem para não ser denunciados, presos e enviados imediatamente ao país de nascimento. Portanto uma atmosfera pestilenta de caça às bruxas foi instituída em larga escala, para expulsá-los violentamente do território americano.

É claro que os Estados Unidos podem expulsar os imigrantes ilegais, sem documentação. Mas pela mediação de uma instância jurídica, o que não está acontecendo. Ao ser pegos, os imigrantes vão diretamente para os aeroportos para ser repatriados. Além disso, viajam nos aviões de repatriação em condições indignas, são algemados nas mãos e acorrentados nos pés.

Ao lado disso, os Estados Unidos pretendem enviar parcela dos imigrantes a países “amigos”, como El Salvador e Argentina, para ser tratados como criminosos e alocados em prisões. A prisão de Guantánamo seria um outro destino possível, lá sendo aprisionados sem julgamento, como ocorreu na época da destruição das Torres Gêmeas em Nova York, quando os Estados Unidos promoveram a guerra contra o terrorismo. Implica dizer que a perseguição aos imigrantes ilegais, como criminosos, se transformou em novo capítulo da guerra contra o terror.

Por todas essas práticas assinaladas, os Estados Unidos de Trump funcionam efetivamente como “Estado fora da lei”, como enunciou Jacques Derrida na obra “Estado fora da lei” (“Rogue State”), destruindo os alicerces do Estado Democrático de Direito.

Pretender expulsar do país os estudantes estrangeiros que se manifestaram contra os ataques de Israel em Gaza, enviando como criminosos para ser aprisionados nos ditos países “amigos”, é mais um ato de Estado que se realiza “fora da lei”. Abole a liberdade de expressão e manifestação, nesse quadro de horrores de desconstrução da democracia americana, na “era de ouro” imposta por Trump.

*Joel Birman, psicanalista, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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