Valor Econômico
A depender do que for efetivamente
implementado por Trump, o nível da taxa de juros de curto prazo definido hoje
poderá estar totalmente fora do esquadro da realidade econômica
O vai e vem do governo dos Estados Unidos
quanto à imposição de tarifas sobre as importações, com ameaças, decisões e
recuos, continua a mexer com o mercado de câmbio. O dólar perdeu valor face às
demais moedas nos últimos dias com dúvidas sobre a dimensão das tarifas que
Donald Trump pretende impor aos produtos estrangeiros. Essa tem sido a causa
dos ganhos recentes do real. A expectativa de que um “tarifaço” norte-americano
não seja de fato implementado fez a taxa de câmbio cair de R$ 6,07 por dólar em
20 de janeiro (dia da posse) a R$ 5,79 no fechamento de ontem.
Em um mesmo dia, 3 de fevereiro, o dólar atingiu R$ 5,90 antes de recuar para R$ 5,81 no fechamento, com o anúncio de postergação por 30 dias da taxação dos produtos importados do México e do Canadá pelos EUA.
O comportamento do câmbio no Brasil nos
últimos dias tem tomado a direção contrária da acentuada desvalorização do real
ocorrida a partir do quatro trimestre do ano passado até os primeiros dias da
posse de Trump e ajuda a esclarecer alguns “dogmas” alimentados pelo mercado
financeiro, seus analistas e simpatizantes, que atribuíram aos problemas
fiscais do país toda a culpa pela acentuada perda de valor da moeda nacional,
cujo auge chegou a R$ 6,29 em 18 de dezembro de 2024.
Primeiro, é preciso pontuar que o desajuste
nas contas públicas brasileiras vem de longa data. Se isso explicasse a
desvalorização do real, o valor do dólar já teria chegado ao nível dos píncaros
por aqui há anos. Segundo, a taxa de câmbio entre moedas é definida por fatores
de ordem externa e não internos, a menos que um país em desenvolvimento esteja
mergulhado em dívida pública emitida no exterior, denominada em moeda
estrangeira. Não é o caso do Brasil hoje.
Note-se, para efeito de confirmar a
afirmação, que do total da dívida pública bruta do governo geral equivalente a
76,1% do PIB conforme contabilizada pelo Banco Central em fim de dezembro de
2024, apenas 10,2% do PIB estava inscrita como dívida externa e, ainda assim,
mais da metade (5,8% do PIB) correspondia a títulos da dívida pública
denominados e liquidados em reais, em poder de não residentes. Ou seja, é
dívida doméstica e não externa. Não se sabe o motivo pelo qual o BC classifica
esses títulos como dívida externa!
Terceiro, ainda que se considere a hipótese
de os desajustes ficais domésticos causarem frisson no câmbio, todos hão de
concordar que nada aconteceu de extraordinário nas contas públicas e no total
da dívida pública entre setembro e dezembro de 2024 que justificasse a
desvalorização do real naquele período, assim como nenhuma novidade fiscal
ocorreu nos últimos 15 dias que explique a valorização da moeda nacional face
ao dólar. A volatilidade da taxa de câmbio tem origem externa e é motivada
atualmente por dois fatores, substancialmente.
Um deles é o impacto das iniciativas
econômicas prometidas por Trump na economia mundial, com efeito no mercado
cambial brasileiro. Outro, é o comportamento das taxas de juros de curto prazo
impostas pelo Fed - o banco central dos EUA -, que mexem com a rentabilidade
dos títulos do Tesouro norte-americano. Em dezembro, o Fed interrompeu o
movimento de queda dos juros e manteve em janeiro as taxas de curto prazo na
faixa de 4,25% a 4,5%.
No entanto, a relação entre causa e efeito no
que diz respeito aos fatores que influenciam o comportamento da política
monetária tem sido afetada pela falta de coerência e de segurança das medidas
esdrúxulas anunciadas por Trump, sem mencionar as dúvidas relacionadas às
consequências de algo que ainda não se efetivou.
Não se sabe qual o nível recomendado dos
juros de curto prazo em um cenário de insegurança extrema e volatilidade
Não há parâmetros de avaliação para aquilo
que não se conhece, e os bancos centrais têm operado, em geral, no escuro, sem
saber ao certo qual o nível recomendado da taxa de juros de curto prazo em um
cenário de extrema insegurança e volatilidade. O Fed resolveu dar um tempo para
ter uma ideia das perspectivas futuras.
“O comitê (FOMC, Comitê Federal do Mercado
Aberto) quer ver quais políticas são legalmente estabelecidas; nós não sabemos
o que vai acontecer com as tarifas, com a imigração, com a política fiscal e
com a política regulatória”, disse o presidente do Fed, Jerome Powell, em
coletiva em 29 de janeiro. Sem conhecer que medidas serão implementadas, não é
possível ter “uma avaliação plausível sobre quais seriam as implicações para a
economia”, arrematou ele.
As dúvidas do Fed repercutem na condução da
política monetária de outros países. Mas não apenas isso. Pelo fato de
comprometerem a ancoragem das expectativas do meio financeiro, crucial para o
funcionamento do regime de meta de inflação, as incertezas sobre as atitudes de
Trump acabam por afetar a eficácia do modus operandi adotado generalizadamente
como forma de conduzir a política monetária a partir dos anos 90.
No Brasil, o BC tem dificuldade de ancorar as
expectativas quanto ao futuro da inflação porque não se consegue prever, no
momento, os rumos do dólar e, portanto, suas consequências nos preços internos.
Também não se sabe para que nível de taxa de juros o Fed apontará nos curto e
médio prazos. Isso afeta o câmbio pelo efeito indireto do movimento do capital
estrangeiro especulativo, entre entradas e saídas.
Cautela tem sido a palavra mais recomendável
para a atuação dos BCs. A depender do que vier a ser efetivamente implementado
por Trump, o nível da taxa de juros de curto prazo definido hoje poderá estar
totalmente fora do esquadro da realidade econômica, para mais ou para menos, em
dois, três ou quatro meses.
Por fim, vale dizer que causa estranheza os
comentários de operadores financeiros, segundo os quais ninguém fala mais do
Brasil no exterior. Uma visão provinciana, sem dúvida, e desinformada, porque
não considera a imensa repercussão positiva do filme “Ainda estou aqui” e o
prestígio que isso representa para o país, sem mencionar outras áreas de
destaque.
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