O Estado de S. Paulo
A desordem internacional explicitada por
Trump é perigosa para o Brasil
É bem provável que o próprio Donald Trump não
compreenda o que significa a “lei da selva”, o “novo” sistema de relações
internacionais. Esse tipo de situação nada tem de novo, mas é a primeira vez
que a desordem mundial é incentivada por uma superpotência num ambiente de
arsenais nucleares em clara expansão.
O fato de que os fortões estão passando a se
comportar como bem entendem apanha o Brasil num momento particularmente
delicado. Também isso nada tem de novo: o País é uma potência regional média
com escassa capacidade de projeção de poder, e perdendo influência no seu
próprio entorno.
Sua principal vulnerabilidade é o fato de que as elites políticas brasileiras nunca se preocuparam em estabelecer um projeto de país que levasse a sério questões de segurança e defesa nacionais. Preocupações estratégicas de longo prazo se restringem ao âmbito acadêmico civil e militar. Chegaram ao segmento industrial privado em raras situações (a Embraer é o destaque).
Essa ausência de um interesse social mais
amplo sobre essas questões vem do fato de o Brasil estar muito afastado de
qualquer conflito internacional relevante, seja ele geopolítico, comercial,
étnico ou religioso. Não somos ameaçados existencialmente por vizinhos
belicosos, nem estamos envolvidos diretamente em qualquer conflagração – o que
nos tornou anestesiados em relação ao que acontece lá fora.
Mas a lei da selva está aí, exigindo do
Brasil delicadíssimo equilíbrio típico de países pequenos e vulneráveis –
embora o colosso verde-amarelo disponha de tanto potencial. Somos dependentes
em grande medida de mercados na Ásia e de insumos e tecnologias sensitivas de
países ocidentais em geral e dos EUA em particular. E não sabemos o que vai
acontecer do confronto entre China e EUA.
Ocorre que geopolítica e política comercial
não se diferenciam mais. Em outras palavras, a economia está subordinada ao
primado geopolítico e, como acentuam os clássicos do realismo, isso é função
sempre de considerações de segurança nacional no relacionamento entre as
potências. Vender commodities para um e continuar amigo de outro será com Trump
um duríssimo teste de sensibilidade e habilidade diplomáticas.
O Brasil tem sido uma das vozes críticas
querendo a mudança da “velha” ordem internacional – a tal da ordem liberal, das
regras e instituições multilaterais, dentro da qual a China cresceu e passou a
contestá-la (agora com a ajuda entusiasmada de Washington). Diante do que está
acontecendo, soam proféticas as palavras do veterano embaixador Marcos
Azambuja: “Cuidado com as preces atendidas”. •
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