quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Preces atendidas - William Waack

O Estado de S. Paulo

A desordem internacional explicitada por Trump é perigosa para o Brasil

É bem provável que o próprio Donald Trump não compreenda o que significa a “lei da selva”, o “novo” sistema de relações internacionais. Esse tipo de situação nada tem de novo, mas é a primeira vez que a desordem mundial é incentivada por uma superpotência num ambiente de arsenais nucleares em clara expansão.

O fato de que os fortões estão passando a se comportar como bem entendem apanha o Brasil num momento particularmente delicado. Também isso nada tem de novo: o País é uma potência regional média com escassa capacidade de projeção de poder, e perdendo influência no seu próprio entorno.

Sua principal vulnerabilidade é o fato de que as elites políticas brasileiras nunca se preocuparam em estabelecer um projeto de país que levasse a sério questões de segurança e defesa nacionais. Preocupações estratégicas de longo prazo se restringem ao âmbito acadêmico civil e militar. Chegaram ao segmento industrial privado em raras situações (a Embraer é o destaque).

Essa ausência de um interesse social mais amplo sobre essas questões vem do fato de o Brasil estar muito afastado de qualquer conflito internacional relevante, seja ele geopolítico, comercial, étnico ou religioso. Não somos ameaçados existencialmente por vizinhos belicosos, nem estamos envolvidos diretamente em qualquer conflagração – o que nos tornou anestesiados em relação ao que acontece lá fora.

Mas a lei da selva está aí, exigindo do Brasil delicadíssimo equilíbrio típico de países pequenos e vulneráveis – embora o colosso verde-amarelo disponha de tanto potencial. Somos dependentes em grande medida de mercados na Ásia e de insumos e tecnologias sensitivas de países ocidentais em geral e dos EUA em particular. E não sabemos o que vai acontecer do confronto entre China e EUA.

Ocorre que geopolítica e política comercial não se diferenciam mais. Em outras palavras, a economia está subordinada ao primado geopolítico e, como acentuam os clássicos do realismo, isso é função sempre de considerações de segurança nacional no relacionamento entre as potências. Vender commodities para um e continuar amigo de outro será com Trump um duríssimo teste de sensibilidade e habilidade diplomáticas.

O Brasil tem sido uma das vozes críticas querendo a mudança da “velha” ordem internacional – a tal da ordem liberal, das regras e instituições multilaterais, dentro da qual a China cresceu e passou a contestá-la (agora com a ajuda entusiasmada de Washington). Diante do que está acontecendo, soam proféticas as palavras do veterano embaixador Marcos Azambuja: “Cuidado com as preces atendidas”. •

 

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