segunda-feira, 30 de junho de 2025

Atualidade e desdobramentos possíveis da demagogia política - Paulo Fábio Dantas Neto*

Reclamar da política é sempre uma opção para políticos em dificuldades eleitorais. Impõe-se quando, numa democracia, outra opção lhes falta, seja por uma situação objetiva que os limita, seja por uma atitude subjetiva que os orienta, estrategicamente. Quando as condições objetivas e subjetivas atuam na mesma direção, reclamar da política converte-se em pregação queixosa de algum tipo de antipolítica. Dito de outro modo: se a barriga estiver cheia, o apetite político glutão pode ser adiado, embora sempre se mantenha latente e a postos, como diretriz de conduta. De barriga vazia, a fome e a vontade de comer criam uma sinergia tal que voltar a comer vira programa de ação imediato, apesar de circunstâncias adversas. Um passo imprudente adiante pode fazer o ator político passar da queixa eloquente ao ato inconsequente. Estágio avançado em que, na maionese da demagogia, prosperam tentações golpistas.

Jair Bolsonaro, em cena e nos bastidores, de 2018 a 2022, é um caso exemplar do trajeto acima esboçado, como está ficando cada dia mais patente na nova fase, mais objetiva, do julgamento do STF. Mas a demagogia não tem fronteiras. Pode ser usada por diferentes atores políticos que, a cada conjuntura, estejam por cima ou por baixo, na gangorra do poder de uma democracia. O gesto extremo do demagogo pode não ser tentativa de golpe, mas nem por isso suas consequências são irrelevantes.

Veja-se, por exemplo, o caso dos atuais dirigentes do Congresso Nacional. Adotam discursos até improváveis para demagogos, como, por exemplo, o da austeridade fiscal. É uma fábula de atacado que serve de fórmula política funcional para ocultar, conjunturalmente com êxito, uma demagogia de varejo. Mas não sustentavelmente. A evidência da demagogia, que eleitores vão aos poucos aprendendo a descobrir sob espessas camadas de discursos ocos, é o descompasso entre causa e efeito; desafio e resposta. Importa pouco, aqui, o universo social que mora no endereço a que a fórmula de pura retórica se destina. Decisões e atuação cotidiana da maioria dos parlamentares contribuem objetivamente para o desajuste fiscal. Isso acaba por desmentir a veracidade do discurso da austeridade. É comum, quase um consenso, análises de especialistas na observação da cena política apontarem isso.

Mas, a partir dessas evidências, boa parte das análises aponta o Congresso como a Geni explicativa de inúmeras situações, talvez de todas as mazelas políticas do país, que não são poucas nem filhas de um mesmo tronco causal. Essa simplificação analítica é cacoete às vezes inconsciente, traço de “cultura” que traduz um senso comum oposto ao senso racional dos operadores da política. Estes se acham em sintonia com outro senso comum, a visão da política como espaço impróprio para cultivo de valores e próprio apenas ao puro interesse. Nessa segunda modalidade de senso comum prospera a demagogia que grassa no Congresso. Na primeira (do discurso moralista que enviesa análises) mora uma demagogia equivalente à originária. A pretensão saneadora e caçadora de bodes expiatórios pode produzir resultados ainda mais corrosivos e destrutivos dos tecidos da política e da sociedade do que os do chamado patrimonialismo como uma gramatica ordinária resiliente da política brasileira. Desconhecer e desafiar sensos comuns é erro primário em política, assim como ater-se a eles.

É nessa geleia de simplificações rasteiras que o governo federal e, notadamente, o presidente, ministros de seu governo e importantes lideranças do seu partido mergulham cada dia mais afoitamente. Constroem, assim, uma plataforma eleitoral reativa às vicissitudes que pesquisas recentes apontam. Um moralismo do bem (que defende a democracia e os pobres, quando defende o presidente contra golpistas de extrema-direita e contra a elite econômica) escolhe o Congresso como seu alvo, papel que já coube antes ao BC e cabe sempre à “imprensa elitista”, por mais que ela os ajude na crítica ao Congresso. Trata-se de desaviso surpreendente, por partir de quem foi alvo recente dessa gramática antipolítica.

O Congresso direitista, o presidente esquerdista e seus críticos reciprocamente demolidores constituem fontes inesgotáveis de crônicas sobre a demagogia política, atestados de sua incidência endêmica, na atualidade. Comentarei a seguir duas situações recentes de conflito, que me parecem exemplares.

A demagogia e o nó do INSS e da Previdência Social

Sem dúvida, não é pouca a sangria de recursos públicos pelo funcionamento administrativo, politicamente orientado, da Previdência Social. Mas é maior ainda o bate-cabeça sobre como estancar a sangria. Bate-cabeça que só aumenta se incorremos, pela enésima vez, na ilusão de que "alguém" precisa lançar mão de um bisturi e tomar uma providência para sanear a previdência. Por essa linha de raciocínio redentor, agora seria a vez de Lula, como antes teria sido a de Itamar, a de FHC, a do próprio Lula (duas vezes), a de Dilma, Temer, Bolsonaro. É viés analítico tradicional nomear pessoas ou partidos para tentar elucidar um hábito da prática política cuja dimensão a própria análise qualifica de sistêmica.

O cientista político Sergio Abranches – no momento de maior felicidade, a meu ver, de uma entrevista recente sua (Canal Meio, mesa com Luiza Silvestrini, Flavia Tavares e Pedro Doria) - mencionou dois métodos de gestão política da previdência social, anteriores à atual lei de 1991, que se poderia supor como marco zero de um processo que teria nos trazido à atual situação. Podemos considerar sedimentos culturais do agir de nossas elites políticas, tanto o do PTB, de antes de 64 quanto o do PFL na transição democrática. Os dois partidos ocuparam postos de decisão no setor, nos respectivos períodos.

Talvez ficassem mais claras algumas distinções entre ambos os métodos se, no lugar de PTB e PFL, os termos usados fossem clientelismo abraçado ao corporativismo, no primeiro caso, e clientelismo em relação tensa com o universalismo de procedimentos, no segundo. Estou recorrendo a gramáticas-tipo da “Gramática política do Brasil”, livro de Edson Nunes, publicado em 1997. Quase 30 anos depois da publicação, esse livro talvez seja ainda um bom patamar analítico a partir do qual podemos entender o que mudou de lá pra cá e o que pode mudar hoje (e notem que uso o verbo poder e não o verbo dever).

Compartilho a impressão de que houve mudanças importantes nesses trinta anos e que elas multiplicaram e profissionalizaram maus hábitos. Embora não esteja tão claro se esses maus hábitos são o traço sistêmico principal do processo em curso ou se são dele um fenômeno colateral. Avaliar isso é relevante porque o ponto faz toda a diferença quando prestamos atenção na experiência recente com o voluntarismo moralista da Lava-Jato e na tentação que parece cercar distintas famílias políticas de repetir essa gramática para "resolver", no bico, o problema do INSS. Uma retórica que acessa o fantasma de cometimento de um haraquiri político que pode, em 2026, nos devolver ao clima eleitoral de 2018.

Pondo esses temores entre parênteses, volto ao assunto principal. Como disse, compartilho a percepção diagnóstica (no meu caso, só intuitiva) de que houve mudanças relevantes. Mas tenho dificuldades em compartilhar - com Sergio Abranches e com outros estudiosos de valor, como ele - um tratamento dessa questão à base da premissa de que governabilidade e compartilhamento acentuado de poder decisório não combinam e que uma razão burocrática insulada (e abrigada no Executivo) é melhor garantia de governabilidade do que o jogo político em que o Legislativo seja um "player" de destaque.

Sigo persuadido pela imagem de Nunes de que a "fertilização cruzada" de gramáticas é um caminho empiricamente testado no Brasil como capaz de gerar sub-ótimos. Por ele, o clientelismo e suas conexões com a corrupção podem ser contidos, permitindo implementação gradativa, incremental, de uma gramática de impessoalidade no tratamento de políticas públicas por instituições políticas, agentes econômicos e organização social. Nesse enquadramento analítico, clientelismo deixa de ser patologia inseminada pela classe política para ser marca de origem, neurose antiga com a qual é preciso conviver, evitando sua incidência psicótica. Até porque, diferentemente da corrupção, ele tem, bem ou mal, um lado inclusivo. Que seria de comunidades invisíveis do Brasil diverso se dependessem da racionalidade abrangente de elites tecno-burocráticas, especialmente se aliadas e alinhadas ao poder central?

Acredito que a observação histórica feita por Abranches seria melhor explorada se o cenário que ele descreveu, nomeando o PFL do início do atual período democrático, fosse descrito como um traço sistêmico em que os limites do clientelismo eram dados por uma elite política moderada, ciente (como ele mesmo admite) da força de um contraponto crescente, naquele momento de avanço da gramática do universalismo de procedimentos. Considero que aquela situação não é um passado a ser superado por uma pretensão de instalar o universalismo e a impessoalidade entre nós como obra solitária da razão.

Comparativamente, aquela situação é preferível à da democracia limitada, de antes de 64, em que o corporativismo ecoado da Era Vargas naturalizava a consideração da previdência social como patrimônio do PTB; e o insulamento burocrático demarcava e ampliava seu espaço até pontificar, durante o regime autoritário, sobre as demais gramáticas que buscavam substituir o clientelismo. Este, por sua vez, era o recurso do Congresso para resistir a essa avassaladora blitz da razão modernizante (corporativa e/ou insuladora) contra o governo político. Uma luta sem quartel entre tradição e progresso, cuja vítima certa era a impessoalidade republicana, posto que não poucas vezes o clientelismo expulso pela porta entrava pela janela, abraçado, a depender de cada conjuntura, a sindicalistas e/ou a burocratas estatais.

Aquele lusco-fusco do alvorecer da nossa democracia atual - em que o universalismo passou a ser escalado para contracenar com o clientelismo da nossa tradição, podendo limitá-lo, sem pretender revogá-lo - é um elo perdido que precisa ser recuperado. Além de preferível ao passado que lhe antecedeu, é muitas vezes melhor que o futuro consumado, que hoje vivemos como presente. Sucateamento da elite política, por processo intrínseco (caráter meramente predatório dos lobbies contemporâneos que condicionam a ação dos nossos parlamentares) e extrínseco, ditado pelos ímpetos faxineiros que ameaçam o sistema político com uma frequência similar à dos ciclos eleitorais.

Talvez exagere se considerar plenamente atual o argumento de Edson Nunes. Mas penso que ele ainda é bússola útil para moderar apetites voluntaristas e os racionalistas que não raro aparecerem combinados com os primeiros. Volto a um tema frequentemente visitado nesta coluna: o da conveniência de ser prudente antes de mexer no nosso hardware institucional. Está ruim com ele, mas, sem ele, o que será?

A proeminência crescente do Poder Legislativo é uma distorção da Carta de 88 ou sua realização um pouco mais completa do que era possível em tempos de presidencialismo forte? Os maus hábitos que ali grassam até que ponto são sistêmicos num sentido que transcende o sistema político ou resultam de falhas normatizadoras do sistema político? Até que ponto elas existem e não são corrigíveis por via eleitoral? A correção depende da lucidez e protagonismo de elites extra políticas, ou pode ser obra confiada ao tempo e à dinâmica da representação política e eleitoral, pela interlocução e interação democráticas contínuas entre governantes e governados? Se o problema é mais de interação política (no sentido de politcs), correções de polity auxiliam, mas não são a chave mestra de um melhoramento.

Se bem que a febre moralizante não dependa de comissões de inquérito parlamentares para se estabelecer, é bom que a sorte nos proteja dessa CPMI do INSS e dos demônios saneadores que ela pode liberar para muito além do seu objeto de investigação. E que nos ilumine o espírito conservador que trabalhou contra e abortou a Revisão Constitucional de 1993, remetendo o emendamento para o mundo ordinário da política e das relações entre Executivo e Legislativo, nos anos seguintes. O sub-ótimo durou e agora, que parece ter esgotado sua eficácia, é preciso encontrar um novo sub-ótimo. Nada parecido será encontrado por um ânimo de pretensões constituintes que tente retrair, ou driblar, o Legislativo ordinário que aí está. Constituição já temos e é o que mais nos vale. É preciso evitar o vespeiro que é a aventura de pô-la em xeque, mesmo que com boas intenções. Em tempo de nevoeiro, o menos é mais.

O IOF como argumento de confronto e de instrumentalização eleitoral do Executivo e do Legislativo

O senador Jacques Wagner, líder do governo no Senado, concedeu, neste sábado, uma entrevista ao Grupo Metrópole em que relata fatos de bastidores que antecederam à grande derrota do governo ocorrida no Congresso (Câmara e Senado): a anulação legislativa, por 383 votos contra 98, do decreto presidencial que instituía novas regras na cobrança do IOF, as quais, como se sabe, desagradaram muito a segmentos empresariais, a uma parte do jornalismo especializado e à grande maioria do Congresso.

O relato de Wagner não tem nada que ponha em dúvida sua veracidade, ou seja, dizer que parecia haver um acordo que afinal não vingou no Congresso não agride os fatos. Sustenta-se neles ou, pelo menos, no que deles veio a público. Houve tentativa de acordo, que fracassou, por algum motivo que o próprio Wagner diz não saber qual é. Ele deve ter sua interpretação, mas resolveu não dizer por algum motivo que também não sabemos qual foi. Provavelmente omitiu um juízo para não piorar mais ainda as coisas.

Ficam livres as interpretações. A primeira é de que já havia uma decisão prévia de partidos da base governista de levar as coisas até onde elas foram. Por essa conjectura – que se ampara num histórico de luta interna no governo - a grande e longa reunião de entendimento entre o governo, sua base parlamentar e as lideranças do Congresso, ocorrida no início de junho, na casa do presidente da Câmara, foi mera encenação. Essa primeira hipótese permite uma bifurcação: somente uma parte dos presentes sabia que era encenação, ou todos sabiam e, por motivos distintos entre si, participaram dela?

Uma segunda conjectura é a de pura e simples traição, uma espécie de falha moral que se tornou coletiva após o acordo fechado. Se tivesse alguma sustentação em fatos, essa hipótese, amparada na elasticidade do placar da votação, revelaria uma situação muito preocupante, pois demonstraria inconfiabilidade difusa nas relações internas à base.

Outra conjectura possível é a de que o acordo não chegou a ser suficientemente costurado e pode ter falhado por algum detalhe não negociado, ou por algum ponto negociado não ter sido contemplado na nova redação dada ao decreto presidencial pelo ministro Haddad. Essa insuficiência ou incompletude do diálogo pode ter levado a que boa parte da base não se sentisse contemplada pela nova redação. Isso pediria nova reunião da base, antes de um entendimento com a oposição. Se tal conjectura se sustentasse (com base num histórico de diálogo precário) não ficaria claro por que não teria ocorrido nova reunião, se por resistência do núcleo do governo (que consideraria ter chegado ao seu limite) ou se por açodamento de aliados já desejosos de passar imediatamente a conversas objetivas com a oposição.

Uma quarta hipótese é que pode ter havido a intenção geral, suposta por Wagner, de se fazer o acordo, mas que ao se sondar a oposição, o governo, ou parte da base (ou todo mundo) entendeu que não seria possível qualquer acordo geral o que retiraria o sentido de uma reunião com a oposição. A partir daí o consenso inicial teria sido desfeito e a força de gravidade da oposição prevaleceu sobre a do governo.

E resta ainda, é claro, a versão mais simples e objetiva de que o desfecho resultou de uma estratégia dos dois chefes do Legislativo, que estariam interessados, antes de tudo, em surrar o governo, contando para isso com a adesão do plenário, um fenômeno de comando vertical sobre deputados e senadores por cima das lideranças de bancada, instâncias partidárias, ministros de governo e demais atores.

O mais importante não é saber o que terá causado o desfecho, até porque pode ter havido uma combinação de vários desses fatores e de outras hipóteses, além das levantadas aqui. O mais importante é saber se há e o que há a fazer, diante da situação instalada. Haverá disposição, unilateral ou de ambas as partes, de tentar fazer com que a confrontação se dilua e não se repita adiante, ao menos nesse grau, e com que se reconstrua diálogo melhor do governo com sua base e/ou do Executivo com o Legislativo? Esse parece ser, em parte, o sentido das declarações minimizadoras do fato prestadas pelo próprio líder do governo no Senado, logo após a votação ocorrida naquela casa também. Declarações às quais não faltou também a imputação implícita da responsabilidade pelo desacordo ao presidente da Câmara.

Uma questão subjacente (e talvez condicionante) àquela aqui admitida como problema político principal é a das estratégias particulares dos atores. A qual, ou quais, desses atores interessa estancar a sangria ou mantê-la? O status quo é nefasto, horrível mesmo, mas nem por isso deixa de ser ambíguo.

Governo, presidente e a esquerda-raiz podem continuar transitando entre a imagem de incompetentes / agentes de uma escorcha tributária e a de vítimas/defensores dos pobres contra a gula das elites; o comando do Legislativo e a oposição podem seguir oscilando entre as imagens de detentores efetivos do poder / guardiães do contribuinte e as de usurpadores de poder / cupins patrimonialistas da República; os componentes instáveis da base governista podem navegar entre todos esses estereótipos, positivos e negativos, que podem ser colados no presidente e seu governo e nos chefes do Congresso e da oposição, enquanto políticos. Estereótipos cujo efeito corrosivo afeta o Executivo e o Legislativo, enquanto poderes da República, podendo converter uma competição política sem limites em crise institucional.

Fala-se no STF entrar em campo como bombeiro. É preocupante que precise cumprir esse papel mais uma vez. Mas menos mal do que ser chamado a se perfilar a algum dos "lados". Esse perfilamento foi tentado, sem maiores esperanças, desde a semana passada, pela liderança do Congresso, que pediu ao STF que anulasse o decreto presidencial, por desrespeitar a prerrogativa constitucional do Legislativo de autorizar alterações na ordem tributária. Agora o PSOL faz o mesmo, pedindo a anulação do decreto legislativo por ter ele usurpado o que seria uma prerrogativa constitucional do Presidente.

Nessa cacofonia, os argumentos jurídicos tornam-se biombos para deslanchar táticas de guerra política. O comado do Legislativo pede ao STF que interfira e diante da previsível não-interferência imediata sente-se liberado para defender-se de uma suposta aliança dos outros dois poderes contra si. E libera a direita parlamentar, amplamente majoritária, para surrar o governo. A esquerda lulista usa a natureza jus esperneante do pequeno e bravo PSO e faz um gesto antagonicamente simétrico para, talvez com um pouco mais de esperança, comprometer a Corte com um corretivo ao rolo compressor "das elites". Se o corretivo não vier, sente-se à vontade para associar ao discurso da justiça tributária que o judiciário terá ignorado a denúncia de que se arma um golpe sistêmico contra Lula, semelhante ao que teria vitimado Dilma. Perde um pouco mais a condição de governar, mas tenta afiar o seu discurso eleitoral.

Vamos ver se o STF consegue agir com a própria cabeça nesse pântano demagógico, contra o qual ele próprio já mostrou, por vezes, não estar imune. Pode ser bom sinal o sorteado ministro Gilmar Mendes pedir ao presidente Barroso que redistribua para Alexandre Moraes o recurso do PSOL. Rituais à parte (que devem ser respeitados), de um ângulo estritamente político, melhor que fiquem mesmo com Moraes as duas demandas de continuação da guerra, enquanto bombeiros tentam acionar a diplomacia.

É um desafio grande tentar com que prevaleça, pela persuasão, o primado da Lei, quando dois lados guerreiam em defesa de supostos direitos de governar por decreto. E quando entre esses dois lados há uma nuvem móvel de políticos pragmáticos (perdoem aqui o silogismo) que se manterão em movimento errático enquanto não encontrarem um caminho próprio para disputarem ambos os poderes políticos. Por enquanto parecem ter achado uma rota promissora para alcançarem o poder legislativo, onde já são majoritários, sem mais os antigos limites de um “baixo clero”. O outro poder ainda está entregue à busca de soluções carismáticas que escasseiam enquanto as remanescentes parecem estar ficando impotentes.

Talvez o esgotamento dos carismas de plantão seja a única sinalização positiva dessa conjuntura em que a demagogia pontifica. O país precisa de um ceticismo benigno, para descansar um pouco da pressão sufocante de carismas em luta. Sobre ceticismos e carismas, benignos ou malignos, tratarei em outro artigo. Por ora adianto, como link, uma reflexão: os diferenciais entre benignidades e malignidades não são virtudes morais, nem ideologias. São as possibilidades de agregação ou de desagregação políticas.

*Cientista político e professor da UFBA.

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