segunda-feira, 30 de junho de 2025

Quem responde pelo uso do dinheiro público? - Lara Mesquita*

Folha de S. Paulo

Se deputados e senadores querem continuar a definir os rumos do Orçamento, é preciso discutir a responsabilização do Legislativo

O assunto da última semana foi a votação para derrubar o decreto que regulamentava a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Os impactos, as causas e, sobretudo, o que isso significa para a relação entre o Executivo e o Legislativo e para os 18 meses que o governo Lula 3 tem pela frente.

O governo precisa reduzir despesas ou aumentar a arrecadação. Não está claro se deputados e senadores não aceitarão nenhum tipo de corte de despesas ou apenas se não aceitam aqueles que atingem o setor produtivo, como o fim das desonerações da folha de pagamento.

Em todo caso, o resultado é que o Executivo tem menos controle sobre o Orçamento da União e sobre as despesas discricionárias —aquelas alocações financeiras que o governo pode decidir como e onde gastar —, que estão crescentemente concentradas nas mãos dos legisladores, dado o aumento do montante reservado para a destinação por deputados e senadores através das emendas ao Orçamento, sejam individuais, de bancadas ou comissões.

Em 2025, o Orçamento reserva R$ 59,5 bilhões para serem alocados segundo a preferência dos parlamentares. Para se ter uma ideia, as emendas individuais, no período de 2018 a 2025, passaram de R$ 8,8 bilhões para R$ 24,6 bilhões.

Quero destacar duas questões que podem ser associadas à concentração de tantos recursos nas mãos de deputados e senadores. A primeira, diz respeito à responsabilização fiscal. A responsabilização —jurídica, política ou mediante a opinião pública— recai sempre sobre o Executivo, nunca sobre o Legislativo.

A segunda é sobre o legado que a destinação de um volume tão grande de recursos deixa para o país. Isabella Montini, aluna de doutorado em Berkeley, e Alison Post, professora no Departamento de Ciência Política da mesma universidade, exploram como a distribuição de emendas orçamentárias individuais impositivas no período 2015 a 2023 se concentram em pequenos municípios, que recebem desproporcionalmente mais fundos e projetos per capita, especialmente para infraestrutura.

Um destaque do trabalho é que deputados e senadores priorizam projetos mais simples e baratos nessas cidades, contribuindo para disparidades infraestruturais no longo prazo. Enquanto a pavimentação de ruas é abundante nas pequenas cidades, projetos mais complexos e essenciais, como redes de esgoto e tratamento de água, acabam sendo negligenciados.

Não se trata aqui da criminalização do uso das emendas orçamentárias pelos legisladores, nem da defesa de um planejador central onisciente. Mas, se deputados e senadores querem continuar a definir os rumos da política orçamentária do país —tanto em relação ao foco do ajuste fiscal quanto à alocação de parcela maior dos recursos discricionários, buscando controlar fatia maior que a do próprio Executivo—, é preciso discutir a responsabilização do Legislativo pelo legado que deixarão.

Seja o legado da redução do investimento em políticas sociais e de mitigação da pobreza, seja o legado para a infraestrutura, que em breve será um gargalo ao desenvolvimento do país. Quanto maior for o controle do Legislativo sobre o Orçamento, maior deverá ser sua responsabilidade.

*Professora na Escola de Economia de São Paulo (FGV-EESP) e pesquisadora do Cepesp. Doutora em ciência política pelo IESP-UERJ

 

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