Folha de S. Paulo
Se deputados e senadores querem continuar a
definir os rumos do Orçamento, é preciso discutir a responsabilização do
Legislativo
O assunto da última semana foi a votação
para derrubar
o decreto que regulamentava a alíquota do IOF (Imposto
sobre Operações Financeiras). Os impactos, as causas e, sobretudo, o que isso
significa para a relação entre o Executivo e o Legislativo e para os 18 meses
que o governo Lula 3
tem pela frente.
O governo precisa reduzir despesas ou aumentar a arrecadação. Não está claro se deputados e senadores não aceitarão nenhum tipo de corte de despesas ou apenas se não aceitam aqueles que atingem o setor produtivo, como o fim das desonerações da folha de pagamento.
Em todo caso, o resultado é que o Executivo
tem menos controle sobre o Orçamento da União e sobre as despesas
discricionárias —aquelas alocações financeiras que o governo pode decidir como
e onde gastar —, que estão crescentemente concentradas nas mãos dos
legisladores, dado o aumento do montante reservado para a destinação por
deputados e senadores através das emendas ao
Orçamento, sejam individuais, de bancadas ou comissões.
Em 2025, o Orçamento reserva R$ 59,5 bilhões
para serem alocados segundo a preferência dos parlamentares. Para se ter uma
ideia, as emendas individuais, no período de 2018 a 2025, passaram de R$ 8,8
bilhões para R$ 24,6 bilhões.
Quero destacar duas questões que podem ser
associadas à concentração de tantos recursos nas mãos de deputados e senadores.
A primeira, diz respeito à responsabilização fiscal. A responsabilização
—jurídica, política ou mediante a opinião pública— recai sempre sobre o
Executivo, nunca sobre o Legislativo.
A segunda é sobre o legado que a destinação
de um volume tão grande de recursos deixa para o país. Isabella Montini, aluna
de doutorado em Berkeley, e Alison Post, professora no Departamento de Ciência
Política da mesma universidade, exploram como a distribuição de emendas orçamentárias
individuais impositivas no período 2015 a 2023 se concentram em
pequenos municípios, que recebem desproporcionalmente mais fundos e projetos
per capita, especialmente para infraestrutura.
Um destaque do trabalho é que deputados e
senadores priorizam projetos mais simples e baratos nessas cidades,
contribuindo para disparidades infraestruturais no longo prazo. Enquanto a
pavimentação de ruas é abundante nas pequenas cidades, projetos mais complexos
e essenciais, como redes de esgoto e tratamento de água, acabam sendo
negligenciados.
Não se trata aqui da criminalização do uso
das emendas orçamentárias pelos legisladores, nem da defesa de um planejador
central onisciente. Mas, se deputados e senadores querem continuar a definir os
rumos da política orçamentária do país —tanto em relação ao foco do ajuste
fiscal quanto à alocação de parcela maior dos recursos discricionários,
buscando controlar fatia maior que a do próprio Executivo—, é preciso discutir
a responsabilização do Legislativo pelo legado que deixarão.
Seja o legado da redução do investimento em
políticas sociais e de mitigação da pobreza, seja o legado para a
infraestrutura, que em breve será um gargalo ao desenvolvimento do país. Quanto
maior for o controle do Legislativo sobre o Orçamento, maior deverá ser sua
responsabilidade.
*Professora na Escola de Economia de São
Paulo (FGV-EESP) e pesquisadora do Cepesp. Doutora em ciência política pelo
IESP-UERJ
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