segunda-feira, 30 de junho de 2025

Por que os lobbies são tão fortes no Brasil? - Bruno Carazza

Valor Econômico

Uma ampliação da discussão proposta por Samuel Pessôa sobre os motivos de o Congresso brasileiro ser tão facilmente capturado por grupos de pressão

Leitura obrigatória de todos os domingos, a coluna de Samuel Pessôa na Folha de S.Paulo de ontem aborda um tema de importância fundamental: a vulnerabilidade do nosso sistema político aos lobbies e grupos de pressão.

Para o economista da FGV, a força desmesurada de pequenos grupos organizados sobre os Poderes da República distorce o nosso processo de escolhas sociais. Assim, a legislação, o orçamento público e o sistema tributário acabam favorecendo empresários de determinados setores e certas categoriais profissionais em detrimento do interesse coletivo.

O economista chega inclusive a arriscar uma série de hipóteses: i) que no Brasil o espaço para atuação dos lobbies seja maior do que em outras nações; ii) que a vulnerabilidade do nosso Legislativo talvez decorra do desenho do nosso sistema eleitoral e iii) que a forma de gestão da base do governo, pelo PT, aumenta a probabilidade de aprovação de desonerações e subsídios que atendam aos interesses empresariais e corporativistas.

Por pesquisar as relações entre “dinheiro, eleições e poder” há muitos anos, ouso aqui discordar em parte e sugerir uma ampliação ao diagnóstico proposto por Pessôa.

Quanto ao fato de o Brasil ser um dos países em que o Estado se dobra mais facilmente aos lobbies, desconheço uma comparação internacional que apresente uma métrica para esse fenômeno. Porém, se contabilizarmos os gastos tributários (entre R$ 544 e R$ 800 bilhões ao ano só no governo federal), os subsídios diretos, os créditos subsidiados via bancos oficiais (BNDES, Caixa, Banco do Brasil, etc), os subsídios cruzados da conta de energia (R$ 48,4 bilhões em 2024, segundo a Aneel), os supersalários no serviço público, entre outras benesses, qualquer observador internacional ficaria estarrecido.

E por que o Estado brasileiro cede tanto à voracidade dos lobbies?

Das duas hipóteses levantadas por Samuel Pessôa, concordo com a direção, embora tenha dúvidas quanto ao sentido apontado por ele, em ambos os casos.

Certamente o desenho do sistema eleitoral brasileiro favorece a vinculação dos políticos à sanha dos lobistas, mas não acredito que isso aconteça exclusivamente porque o nosso modelo afasta o parlamentar do eleitor. Isso certamente contribui, mas a minha hipótese é que os altos custos de se fazer campanha, mesmo em tempos de fundão e emendas bilionárias, faz com que as doações lícitas ou ilícitas de empresas sejam o fiel da balança que pode garantir ou não a reeleição de um político.

Sobre a suposição de que a gestão petista amplia a captura do Estado por grupos privados, acredito que Pessôa mistura o geral com o específico. No caso, minha visão é que o presidencialismo de coalizão brasileiro, em qualquer governo, tem um alto custo de operação que abre os flancos do Estado para a sua cooptação por interesses particulares. Lobbies se aproveitam dos impasses entre Executivo, Legislativo e Judiciário para emplacar suas reivindicações bilionárias.

Isso acontece independentemente do governante. Se o fenômeno é mais forte nas gestões petistas (será?), eu atribuiria mais ao fato de que o PT acredita na ação do Estado como indutor do desenvolvimento, e maneja os incentivos fiscais e creditícios para fomentar os setores que considera estratégicos, para a alegria dos empresários.

Há, ainda, dois outros fatores que eu acrescentaria ao diagnóstico proposto por Pessôa: um de natureza institucional e outro pessoal - pois acredito que instituições (incompletas) e lideranças (falhas) moldam o processo de (sub) desenvolvimento.

No campo institucional, nosso regime de tramitação legislativa oferece inúmeras oportunidades para a aprovação de benefícios privados sem submetê-los ao debate público ou à avaliação da sociedade. Não é coincidência que a maior parte dos privilégios setoriais surja por meio de emendas em medidas provisórias, ou em projetos cujo rito de apreciação é atropelado por pedidos de urgência e acordos de líderes que dispensam a sua discussão em comissões ou suprimem os prazos regimentais para sua apreciação. Além disso, ainda não conseguimos criar canais de participação que deem voz e ouvido, na mesma medida, a diferentes grupos interessados na matéria.

Fora essas deficiências institucionais, não podemos fechar os olhos para o comportamento de nossos líderes. No Brasil há uma banalização da promiscuidade nas interações entre políticos e empresários, julgadores e jurisdicionados, reguladores e regulados que acaba favorecendo os amigos dos reis. Isso vale tanto para ministros do Supremo Tribunal Federal que participam (e promovem!) convescotes com megaempresários aqui e no exterior (vide Esfera, Lide e Gilmarpalooza, que ocorre nesta semana), quanto para o presidente do Banco Central que se reúne com os maiores banqueiros do país em pleno feriado para tratar da operação de salvamento do banco Master.

Aqui no Brasil, a máxima da mulher de César - segundo a qual não basta ser honesta, tem que parecer honesta - nunca funcionou.

*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “O País dos Privilégios (volume 1) e “Dinheiro, Eleições e Poder”, ambos pela Companhia das Letras. 

 

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