Valor Econômico
Uma ampliação da discussão proposta por Samuel Pessôa sobre os motivos de o Congresso brasileiro ser tão facilmente capturado por grupos de pressão
Leitura obrigatória de todos os domingos, a
coluna de Samuel Pessôa na Folha de S.Paulo de ontem aborda um tema de
importância fundamental: a vulnerabilidade do nosso sistema político aos
lobbies e grupos de pressão.
Para o economista da FGV, a força desmesurada de pequenos grupos organizados sobre os Poderes da República distorce o nosso processo de escolhas sociais. Assim, a legislação, o orçamento público e o sistema tributário acabam favorecendo empresários de determinados setores e certas categoriais profissionais em detrimento do interesse coletivo.
O economista chega inclusive a arriscar uma
série de hipóteses: i) que no Brasil o espaço para atuação dos lobbies seja
maior do que em outras nações; ii) que a vulnerabilidade do nosso Legislativo
talvez decorra do desenho do nosso sistema eleitoral e iii) que a forma de
gestão da base do governo, pelo PT, aumenta a probabilidade de aprovação de
desonerações e subsídios que atendam aos interesses empresariais e
corporativistas.
Por pesquisar as relações entre “dinheiro,
eleições e poder” há muitos anos, ouso aqui discordar em parte e sugerir uma
ampliação ao diagnóstico proposto por Pessôa.
Quanto ao fato de o Brasil ser um dos países
em que o Estado se dobra mais facilmente aos lobbies, desconheço uma comparação
internacional que apresente uma métrica para esse fenômeno. Porém, se
contabilizarmos os gastos tributários (entre R$ 544 e R$ 800 bilhões ao ano só
no governo federal), os subsídios diretos, os créditos subsidiados via bancos
oficiais (BNDES, Caixa, Banco do Brasil, etc), os subsídios cruzados da conta
de energia (R$ 48,4 bilhões em 2024, segundo a Aneel), os supersalários no serviço
público, entre outras benesses, qualquer observador internacional ficaria
estarrecido.
E por que o Estado brasileiro cede tanto à
voracidade dos lobbies?
Das duas hipóteses levantadas por Samuel
Pessôa, concordo com a direção, embora tenha dúvidas quanto ao sentido apontado
por ele, em ambos os casos.
Certamente o desenho do sistema eleitoral
brasileiro favorece a vinculação dos políticos à sanha dos lobistas, mas não
acredito que isso aconteça exclusivamente porque o nosso modelo afasta o
parlamentar do eleitor. Isso certamente contribui, mas a minha hipótese é que
os altos custos de se fazer campanha, mesmo em tempos de fundão e emendas
bilionárias, faz com que as doações lícitas ou ilícitas de empresas sejam o
fiel da balança que pode garantir ou não a reeleição de um político.
Sobre a suposição de que a gestão petista
amplia a captura do Estado por grupos privados, acredito que Pessôa mistura o
geral com o específico. No caso, minha visão é que o presidencialismo de
coalizão brasileiro, em qualquer governo, tem um alto custo de operação que
abre os flancos do Estado para a sua cooptação por interesses particulares.
Lobbies se aproveitam dos impasses entre Executivo, Legislativo e Judiciário
para emplacar suas reivindicações bilionárias.
Isso acontece independentemente do
governante. Se o fenômeno é mais forte nas gestões petistas (será?), eu
atribuiria mais ao fato de que o PT acredita na ação do Estado como indutor do
desenvolvimento, e maneja os incentivos fiscais e creditícios para fomentar os
setores que considera estratégicos, para a alegria dos empresários.
Há, ainda, dois outros fatores que eu
acrescentaria ao diagnóstico proposto por Pessôa: um de natureza institucional
e outro pessoal - pois acredito que instituições (incompletas) e lideranças
(falhas) moldam o processo de (sub) desenvolvimento.
No campo institucional, nosso regime de
tramitação legislativa oferece inúmeras oportunidades para a aprovação de
benefícios privados sem submetê-los ao debate público ou à avaliação da
sociedade. Não é coincidência que a maior parte dos privilégios setoriais surja
por meio de emendas em medidas provisórias, ou em projetos cujo rito de
apreciação é atropelado por pedidos de urgência e acordos de líderes que
dispensam a sua discussão em comissões ou suprimem os prazos regimentais para
sua apreciação. Além disso, ainda não conseguimos criar canais de participação
que deem voz e ouvido, na mesma medida, a diferentes grupos interessados na
matéria.
Fora essas deficiências institucionais, não
podemos fechar os olhos para o comportamento de nossos líderes. No Brasil há
uma banalização da promiscuidade nas interações entre políticos e empresários,
julgadores e jurisdicionados, reguladores e regulados que acaba favorecendo os
amigos dos reis. Isso vale tanto para ministros do Supremo Tribunal Federal que
participam (e promovem!) convescotes com megaempresários aqui e no exterior
(vide Esfera, Lide e Gilmarpalooza, que ocorre nesta semana), quanto para o presidente
do Banco Central que se reúne com os maiores banqueiros do país em pleno
feriado para tratar da operação de salvamento do banco Master.
Aqui no Brasil, a máxima da mulher de César -
segundo a qual não basta ser honesta, tem que parecer honesta - nunca
funcionou.
*Bruno Carazza é professor
associado da Fundação Dom Cabral e autor de “O País dos Privilégios (volume 1)
e “Dinheiro, Eleições e Poder”, ambos pela Companhia das Letras.
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