Explosão de gastos com BPC exige mudança profunda
O Globo
São positivas tentativas de disciplinar
concessão. Mas é essencial rever correção acima da inflação
O aumento sem controle dos gastos com o
Benefício de Prestação Continuada (BPC) é um exemplo perfeito de como as
melhores intenções podem agravar o desequilíbrio crônico das contas públicas. O
BPC foi criado pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) em 1993, com o
objetivo de garantir sustento a idosos com mais de 65 anos ou a pessoas com
deficiência, de famílias cuja renda mensal per capita não ultrapasse 25% do
salário mínimo (R$ 379). Hoje atende 6,7 milhões. O gasto com o benefício em
2026 será de R$ 133 bilhões, de acordo com previsão do governo. Mantidas as
atuais regras de acesso e reajuste, tal despesa chegará a R$ 1,48 trilhão em
2060 — alta superior a 1.000%, muito além da projetada para a população de
beneficiários idosos (192%) ou com deficiência (55%).
O BPC não para de emitir sinais de alarme. Só nos primeiros quatro meses deste ano, as despesas com o benefício cresceram 11,6% acima da inflação em relação a 2024. Em 31 meses, o número de beneficiários deu um salto de 33%, abrigando mais 1,6 milhão de pessoas. Mais de 25% das concessões hoje dependem de decisão judicial.
Há, nas palavras do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, uma “indústria de liminares” em torno do benefício. Para
conter a judicialização, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) formou maioria
para adotar um modelo unificado de concessão a deficientes, conhecido como
“avaliação biopsicossocial”. É uma decisão bem-vinda, que disciplinará a
concessão indiscriminada por juízes. Mas insuficiente para deter a explosão de
gastos.
Na visão do governo, a despesa com o BPC
cresce em razão do envelhecimento da população e de fatores como informalidade
ou pobreza extrema. Uma lei aprovada em dezembro limitava a concessão a
portadores de deficiência “moderada ou grave”. O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva vetou a determinação, que fecharia o foco nos mais necessitados e
ajudaria a conter a alta das despesas. Na semana passada, decreto de Lula vedou
o acúmulo do BPC com o Bolsa Família, mas afrouxou critérios de concessão,
permitindo acúmulo com outros benefícios.
A visão do governo é equivocada, por não
levar em conta a característica assistencial do BPC e seu peso no Orçamento. O
gasto com o benefício cresce de forma desmesurada por duas razões: abusos na
concessão e vinculação dos reajustes ao salário mínimo, corrigido acima da
inflação.
Há, no entender de Gabriel Barros,
economista-chefe da ARX Investimentos, um erro no desenho do BPC: o limite de
65 anos é o mesmo da aposentadoria pelo INSS, mas sem exigência de contribuição
previdenciária. A regra mais frouxa incentiva concessões e cria um desincentivo
a contribuir para receber a aposentadoria regular. O decreto de Lula agrava
esse problema. Fraudes também são endêmicas. Uma auditoria do Tribunal de
Contas da União sobre o período de 2022 a maio de 2024 estimou que chegam a R$
5 bilhões por ano. Ainda foram identificados 6,7 mil acúmulos indevidos, no
valor anual de R$ 113,5 milhões.
As medidas do governo e do CNJ não evitarão a
explosão de gastos com o BPC. Para isso, seria fundamental retomar a correção
do benefício pela inflação, de modo a manter seu poder de compra. O reajuste
acima da inflação, garantido pelo vínculo ao salário mínimo, não é compatível
com o objetivo de um benefício de natureza assistencial.
Só ação federal pode deter aliança de
milícias e garimpo ilegal na Amazônia
O Globo
Operações da PF com o Ministério Público
expõem contaminação de polícias locais pelo crime organizado
Em fevereiro de 2023, um agricultor da região
de Caracaraí, a 140 quilômetros de Boa Vista, foi algemado e torturado por
agentes do Batalhão de Operações Especiais de Roraima e da Polícia Civil do
Amazonas. De acordo com seu relato, foi interrogado sobre o roubo de 18
toneladas de cassiterita. Depois de se convencerem de que ele não tinha
qualquer relação com o roubo, os policiais o soltaram sob ameaça de morte caso
denunciasse o ocorrido. Só que o agricultor tinha um irmão policial. A história
chegou à Polícia Federal (PF) e ao Ministério Público (MP), que passaram a
investigar o caso. Concluíram que o dono da carga encomendara o interrogatório
violento aos policiais. No fim do mês passado, a PF realizou uma operação
contra o grupo e prendeu seis pessoas, entre elas dois policiais civis do
Amazonas, acusados de sequestrar o agricultor, o delegado a que estavam
subordinados e um policial militar de Roraima.
O episódio expõe a relação entre as milícias
formadas por policiais e a mineração ilegal na Amazônia.
O envolvimento começa com os “bicos” dos policiais fora do expediente, segundo
o pesquisador Rodrigo Chagas, da Universidade Federal de Roraima. Chega a ser
normal que eles tenham no garimpo uma fonte adicional de renda. “É uma
estrutura histórica. Os policiais são os operadores dos donos do garimpo,
empresários e políticos”, diz Chagas. Essa aliança respalda uma das atividades
que mais agridem o meio ambiente,
por contaminar os rios com mercúrio, usado para separar o ouro do cascalho, e
destruir a floresta.
É preocupante a progressiva “milicianização”
do garimpo que resulta, nas palavras de Aiala Colares Couto, pesquisador da
Universidade do Estado do Pará e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “do
volume de recursos da atividade ilegal que alimenta toda uma rede de corrupção
de agentes públicos”. Ações da PF e do MP têm sido frequentes na Amazônia.
Houve no mínimo dez nos últimos dois anos. O GLOBO consultou mais de 700
páginas de decisões judiciais e relatórios sobre a atuação de milícias junto a
atividades ilegais de mineração. Elas prestam serviços de segurança privada,
fazem lavagem de dinheiro, fornecem armas e munições a garimpeiros.
Levantamento do MP de Roraima constatou envolvimento de pelo menos cem
policiais militares com a mineração ilegal no estado. Um investigador afirma
que o número deve ser maior, pois os garimpeiros em áreas ilegais não costumam
denunciar extorsões de milicianos.
No sul do Pará, a PF encontrou uma milícia no controle de garimpos na reserva indígena caiapó. Cobrava taxas e fazia ameaças. Em setembro do ano passado, um delegado, um escrivão da Polícia Civil e dois sargentos da Polícia Militar foram presos. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) afirma que a mineração ilegal acelerou entre 2016 e 2022. Os povos indígenas são os mais atingidos. A situação só tende a piorar caso não haja uma ação determinada do governo federal, única esfera de poder capaz de enfrentar a contaminação das instituições locais pelo crime organizado.
Sem ajuste fiscal, inflação resiste, mesmo
com juros altos
Valor Econômico
O Relatório de Política Monetária do segundo trimestre se eximiu de projetar ao longo dos anos o comportamento com a taxa Selic em 15%
O Banco Central (BC) espera que a dose extra
de 0,25 ponto percentual nos juros possa levar a inflação para a meta de 3% ao
fim do ano que vem, mas não tem certeza, e um dos principais motivos é o
desempenho resistente da economia ao choque monetário. O Relatório de Política
Monetária do segundo trimestre se eximiu de projetar ao longo dos anos o
comportamento com a taxa de 15% vigente, e, na estimativa anterior, com a Selic
a 14,75%, o IPCA chega mais perto da meta, 3,2%, apenas no quarto trimestre de 2027.
No cenário relevante para o BC, o fim de 2026, a projeção é de 3,6%.
Apesar da maior taxa de juros real desde
2006, a expansão do crédito é ainda inacreditavelmente forte. O BC elevou sua
projeção de crescimento do saldo para o ano corrente de 7,7% para 8,5%,
inferior aos 11,5% de 2024, mas, ainda assim, um avanço real expressivo de
3,4%. Os empréstimos às pessoas físicas estão puxando as estimativas para cima:
foram revisadas de 8,5% para 10% na faixa livre (recursos que os bancos podem
emprestar segundo sua determinação). Para as pessoas jurídicas, a perspectiva é
de pequeno recuo, de 7% para 6%. Os números mostram que este ano até abril as
operações de crédito livre para os consumidores não sofreram qualquer declínio.
O crédito direcionado cresceu ao nível de
dois dígitos (13%) até abril, tanto para pessoas físicas (12,2%) como para as
jurídicas (14,8%). Haverá uma redução do ritmo, mas há impulsos como, no
primeiro caso, crédito para a nova faixa do Minha Casa Minha Vida, que
contempla renda de R$ 8 mil a R$ 12 mil, e, no das empresas, pelos empréstimos
do BNDES e do programa emergencial de acesso ao crédito (Peac).
Esse ritmo de expansão do crédito, um dos
canais principais de atuação da política monetária, parece incompatível com a
consecução da meta de 3%. A economia, em parte por isso, continua crescendo
acima de seu potencial. O BC refez seus cálculos sobre o hiato do produto, a
distância maior ou menor que ela está de seu potencial e, pela média dos
modelos utilizados, o resultado é positivo em 1,38% na média, com mediana de
1,18%, no primeiro trimestre de 2025. No horizonte relevante, o fim de 2026, o
BC estima um hiato negativo (ociosidade) de 0,8%. No entanto, há um longo
caminho até lá. Em maio, o nível de utilização da capacidade instalada da
indústria, por exemplo, subiu para 83,7%, um dos maiores da série.
Também aquecido, o mercado de trabalho
contribui para inflacionar os serviços, cujos índices estão ainda muito acima
do desejável (ao redor de 6% ao ano). O nível de emprego anda forte há algum
tempo, o que não é incompatível com a queda da inflação, em determinadas
condições. No relatório, ao detalhar a decomposição da inflação pelo modelo do
BC, o mercado de trabalho teve contribuição baixista no nível dos preços
durante 2023. Apesar da redução do desemprego, a expansão dos salários nominais
anuais caiu de 14,8% no final de 2022 para 8% ao final de 2023 (de 8,5% para
3,2% em termos reais). Ao longo de 2024 os salários voltaram a subir e
pressionar o IPCA.
Com isso, as medidas de inflação subjacente
no setor de serviços, que compõem dois terços do PIB, continuam elevadas e
incompatíveis com a meta de 3%. Além disso, aponta o relatório, a média dos
núcleos de inflação utilizados se mantém acima dos 5%, “tanto na variação
trimestral dessazonalizada e anualizada quanto na variação acumulada em doze
meses”.
Há sinais positivos de arrefecimento das
pressões inflacionárias, porém. O BC por meses a fio subestimou o IPCA em suas
projeções, com a “surpresa” inflacionária revelando-se positiva em graus
variados. Agora, o IPCA tem ficado abaixo do esperado no trimestre até maio. Os
resultados do PIB do primeiro trimestre mostraram forte queda dos componentes
mais cíclicos, que dependem do nível de atividade, para os quais projeta
evolução este ano de 1,9%, ante 4,3% registrado em 2024. Os indicadores
antecedentes sugerem perda de fôlego de alguns setores da economia. Há
estabilidade na produção industrial e recuo “na maioria dos indicadores
baseados em dados de pagamentos”, como o varejo.
Embora o rendimento médio real habitual tenha
sido de 3,2% no trimestre finalizado em abril, está desacelerando em relação
aos dois períodos anteriores. Ele se encontra 8,1% acima da média de 2019, mas
só 1,7% acima da tendência de crescimento pré-pandemia. A média do reajuste
real coletado nas convenções de trabalho do trimestre findo em maio foi de
0,4%, a metade do ocorrido nos mesmos trimestres dos últimos dois anos.
Os estímulos fiscais, parafiscais e
creditícios do governo tornam mais difícil a queda da inflação. No relatório, o
BC estima que os juros reais (descontada a inflação) tenham chegado ao pico
agora no segundo trimestre, em 9,4%. Ao fim de 2027, ainda estariam em 6,2%,
com taxa nominal próxima de 10%. O preço a pagar pela dissonância entre
política monetária e fiscal é e continuará sendo muito alto, se não houver
contenção dos gastos públicos.
Privilégios tributários expõem hipocrisia
política
Folha de S. Paulo
Benefícios motivaram ressalvas do TCE às
contas de Tarcísio e duplicaram em administrações de Lula, que agora os ataca
Isenções de impostos e outros benefícios
tributários são concedidos de tal modo que não se consegue medir o ganho social
e econômico dessa política, que carece de racionalidade e transparência. As
concessões não têm coerência com o planejamento orçamentário.
É o resumo do que diz um Tribunal de Contas
sobre o tema. Mas não se trata, no caso, de benefícios federais, ora motivo de
grande discussão. O TC em questão é o do estado de São Paulo,
que assim
fez suas ressalvas às contas do governo de Tarcísio
de Freitas (Republicanos)
e, não obstante, as aprovou.
Os problemas, de todo modo, são similares aos
das concessões da União. O governador alega que, sem suas medidas de revisão,
os valores seriam ainda maiores. O fato é que resistem.
Os subsídios tributários não
são sujeitos a revisão sistemática de custo e benefício —isso quando
se sabe qual o seu objetivo. Agravam injustiças fiscais, sociais e econômicas.
Distorcem o investimento produtivo, que, em vez de ser determinado pela
rentabilidade do empreendimento, é orientado pelo favor estatal.
Em seu terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) enfim
decidiu mostrar indignação com o tema, que trata de modo demagógico. Em seus
governos anteriores, de 2003 a 2010, as renúncias fiscais saltaram de 1,7% para
3,4% do Produto Interno Bruto (PIB) —atualmente,
são mais de 4%, segundo projeções oficiais.
Lula e Fernando
Haddad, ministro da Fazenda, querem elevar a receita com a redução desses
gastos tributários, dando sequência a tentativas que vêm desde 2015, após o
colapso orçamentário sob Dilma Rousseff (PT).
Tais políticas favorecem diversos grupos
sociais, empresas, setores econômicos e regiões defendidos por fortes lobbies.
A legislação é variada e confusa. Vários desses benefícios estão inscritos na
Constituição, ou assim entendem seus defensores —entre 15% e 38% estariam sob
guarda-chuva constitucional, tornando as mudanças mais difíceis.
A administração petista diz, por exemplo, que
seu plano não prevê enfrentar as benesses para Simples, Zona Franca de Manaus, cesta
básica e entidades sem fins lucrativos, que compõem 52% do total dos gastos
tributários.
Benefícios para aposentados de mais de 65
anos, com doenças graves e para seguros por morte ou invalidez são 8,3%.
Reduções de impostos sobre gastos de famílias com saúde somam quase 10%
É escassa a disposição real nos governos e
nos Parlamentos de enfrentar o problema politicamente espinhoso. Diante de
propostas nesse sentido, os setores diretamente afetados organizam ruidosa
resistência, como se viu na reforma tributária.
Tratar os impostos como uma batalha entre
ricos e pobres, como agora ensaia fazer o PT, dificilmente será mais que
hipocrisia. A reforma resultou de uma longa negociação entre Executivo e
Legislativo, e esse é o caminho a seguir para novos avanços.
Imigrantes em alta
Folha de S. Paulo
Número de estrangeiros volta a subir no
Brasil, em especial venezuelanos; ainda há desafios no acesso a trabalho e
estudo
Segundo dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) divulgados
na última sexta (27), a quantidade de estrangeiros e naturalizados vivendo no
Brasil aumentou 70%, entre 2010 e 2022.
No período, o
número de imigrantes passou de 592 mil para 1 milhão. Foi uma reversão da
trajetória de queda verificada desde 1960, quando esse estrato contava 1,4
milhão de pessoas.
A alta foi puxada pelos latino-americanos,
que passaram de 183 mil para 646 mil. Já o número de europeus caiu de 263 a 203
mil, enquanto o de asiáticos se manteve estável em torno dos 100 mil.
Os venezuelanos compõem o maior grupo, com
271,5 mil, sendo que 199 mil chegaram entre 2017 e 2022. Tal explosão é
resultado da crise humanitária produzida pela ditadura de Nicolás
Maduro, que dilapidou a economia e persegue dissidentes políticos.
O ordenamento brasileiro reconheceu a
gravidade da situação. Em 2019, o Comitê Nacional para os Refugiados considerou
a violação de direitos promovida pelo regime para facilitar o processo de
recepção de solicitantes de refúgio da Venezuela.
Nosso arcabouço jurídico, a propósito, é
sólido para acolher estrangeiros, como a legislação de refúgio de 1997 e a Lei
de Migração de 2017. Esta última prevê, por exemplo, a igualdade de direitos a
imigrantes e a concessão de visto humanitário.
Trata-se não apenas de respeito básico
aos direitos
humanos como de valorizar
a contribuição, cultural e econômica, que populações de outros países podem
trazer para a sociedade brasileira.
Mas tal iniciativa não vem sem desafios. Um
deles é sustentar, de forma integrada, os programas de acolhida em regiões de
entrada de imigrantes, como na fronteira com a Venezuela, em Pacaraima (RR), e
no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
Fortalecer a cooperação entre entes federados
e organizações internacionais é vital para promover recepção digna.
Outra ação fundamental é a distribuição de
imigrantes para localidades onde há maior acesso a oportunidades de trabalho e
estudo. Dos 199 mil venezuelanos que chegaram entre 2017 e 2022, cerca de 46%
vivem em cinco cidades do país: Boa Vista (RR), Manaus (AM), Curitiba (PR),
Chapecó (SC) e São Paulo (SP).
Políticas que promovam direitos dessas populações —na contramão do nacionalismo extremado em voga nos Estados Unidos com o retorno de Donald Tump à Casa Branca— servem de janela de oportunidade para o Brasil, cuja riqueza cultural advém do encontro de diferentes povos.
Lula não gosta da iniciativa privada
O Estado de S. Paulo
Determinado a ressuscitar o raivoso líder
sindical dos anos 80, Lula reclama de empresários que se queixam dos impostos e
reafirma vocação de culpar terceiros por seus erros e infortúnios
O incorrigível Lula da Silva demonstrou mais
uma vez seu desapreço pela iniciativa privada e o proverbial cacoete de
transferir para os outros a responsabilidade por seus infortúnios. Por
“outros”, leiam-se os empresários, o mercado financeiro, as elites, o Ocidente
e quem mais o demiurgo decidir que é inimigo do povo e do Brasil.
Vendo-se confrontado no debate público e no
Congresso pela ausência de uma política fiscal previsível e crível, que o
governo tenta suprir com aumento de impostos, o presidente aproveitou uma
cerimônia oficial, há alguns dias, para dizer que os empresários precisam
deixar seus “interesses individuais de lado” e pensar no equilíbrio econômico
do País, além de “cuidar” do Brasil, em vez de, ora vejam, “jogar a
responsabilidade” no Congresso ou no governo.
Dessa forma, está claro que Lula não se sente
obrigado nem mesmo a fingir que era para valer a tal “frente ampla” que ele
urdiu na campanha eleitoral de 2022. Dando uma banana para os empresários que o
apoiaram naquela eleição porque temiam uma ruptura democrática se o então
presidente Jair Bolsonaro tivesse sido reeleito, Lula determinou que quem tem
dinheiro está nas hostes inimigas, que os empresários não passam de
antagonistas do Brasil, que as elites sem “espírito cristão” não pensam no
País, no planeta e na vida, e que o governo lulopetista é o mais legítimo – se
não o único – representante do povo trabalhador. Na teoria lulocêntrica, como
se sabe, Lula está biologicamente integrado aos pobres e, portanto, toda a
ordem que emanar desse líder será, por princípio, uma determinação do povo;
logo, é uma afronta contrariar tal líder e suas ideias, e quem o faz está a
serviço das elites.
E assim chegamos ao cerne deste terceiro
mandato: Lula, cujo governo está nas cordas, está determinado a ressuscitar o
raivoso líder sindical da década de 1980, que nunca deixou de ser, mas que as
necessidades políticas o haviam obrigado a domesticar. Aquele personagem dizia
e repetia que os empresários são inimigos da “classe trabalhadora”, não
escondendo sua repulsa ao setor privado. A partir do nascimento de outro
personagem, o “Lulinha paz e amor”, que os marqueteiros petistas inventaram em
2002 para finalmente ganhar uma eleição presidencial, Lula tentou se passar por
moderado e pragmático. Na mais recente disputa, em 2022, conseguiu os votos de
eleitores de centro ao se identificar como o líder da “luta pela democracia”,
malgrado seja incapaz de condenar as ditaduras companheiras.
Não foi a primeira diatribe do gênero – e
quanto mais se aproxima o período eleitoral num contexto de desaprovação
popular, mais o presidente dobra a aposta do seu esquerdismo avesso à
iniciativa privada, em qualquer de suas expressões, e de sua busca incansável
por culpados externos. No ano passado, enquanto “inaugurava” o Comperj – o
complexo petroquímico que virou um dos símbolos mais vistosos da trevosa era
lulopetista que arruinou o País com sua gastança e sua corrupção –, Lula
produziu uma pletora de ataques, desqualificando os empresários, que em sua
definição seriam simplesmente incapazes de melhorar a vida dos brasileiros. A
julgar por seus discursos, o setor produtivo deveria ser vinculado ao Estado,
que seria um administrador mais sensível às reais necessidades do povo.
Para Lula, empresa privada boa é aquela que
abre mão do lucro em favor de projetos do Estado – e o Estado, sabemos, é Lula,
o presidente Sol. E empresário companheiro é aquele que não reclama de impostos
e acredita na iluminação lulista. São mistificações como essas que fazem dele
um dos demagogos mais perniciosos da história nacional.
Se estivesse empenhado em buscar apoio fora
da seita lulopetista para recuperar a musculatura política perdida, talvez Lula
resolvesse fazer o impensável: refletir com sua patota se a ausência do
desejável equilíbrio econômico é fruto dos “interesses” egoístas de
empresários, ou se, ao contrário, é culpa do enorme abismo que hoje separa o
Brasil das ideias e práticas do lulopetismo. Mas seria esperar demais de quem
só deseja aplauso e reconhecimento e se sente infalível em sua missão de salvar
o Brasil.
A explosão populista do BPC
O Estado de S. Paulo
Projeção de crescimento de 111% do benefício
a idosos e deficientes pobres até 2060 atesta uma política pública mal
concebida, mal administrada, sem foco e movida por interesses eleitoreiros
Há algo de muito errado quando uma política
pública de combate à pobreza prevê, no longo prazo, mais do que duplicar a
quantidade de seus dependentes. O objetivo prioritário de programas de redução
da desigualdade social é – ou deveria ser – diminuir a pobreza e estancar o
avanço da vulnerabilidade. Por isso, é frustrante a projeção de que a
distribuição do Benefício de Prestação Continuada (BPC) irá crescer 111% ao
longo de 34 anos, passando de 6,7 milhões de assistidos em 2026 para 14,1
milhões em 2060.
Mais preocupante ainda é saber que a
estimativa parte de cálculos do próprio governo, por meio do Ministério do
Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS),
responsável pela gestão do benefício. O que faz crer que ou o programa foi mal
concebido, ou é mal administrado, ou seu planejamento futuro está mal
direcionado, sendo que uma hipótese não exclui as outras. Uma coisa é certa: um
programa cujo orçamento previsto no período passa de R$ 133,4 bilhões para R$
1,5 trilhão definitivamente não é sustentável.
Criado pela Constituição de 1988 e previsto
na Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), o BPC começou a ser distribuído
em 1996, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Substituiu o Programa
Renda Mensal Vitalícia, que garantia benefício previdenciário a idosos acima de
70 anos e a pessoas vulneráveis incapacitadas de forma permanente para o
trabalho. Com o passar do tempo, o limite de idade baixou duas vezes, a
primeira no ano eleitoral de 1998, para 67 anos, por medida provisória
convertida em lei, e a segunda em 2003, o primeiro ano da gestão petista, para
65 anos, seguindo o Estatuto do Idoso.
O conceito de pessoa com deficiência com
direito ao benefício também mudou e, a partir de 2009, passou a abranger
dimensão social e subjetiva, avaliada por peritos do INSS. Independentemente de
idade, pessoas pobres com deficiência física ou mental podem requerer o BPC,
desde que atendidos critérios como o de rendimento familiar. Havia obrigação
legal de revisão na lista de beneficiários de dois em dois anos, para verificar
se estavam mantidas as condições que garantiam o direito. Decreto presidencial
diz agora que o benefício será revisto periodicamente, sem determinar prazos.
Pode-se deduzir que o principal problema em
relação ao BPC – um benefício social justificado e com fundamento – é
confundi-lo com aposentadoria vitalícia, um equívoco decerto causado pela
indexação do valor do auxílio ao salário mínimo, que também rege os benefícios
previdenciários. O direito à aposentadoria é concedido às pessoas com mais de
62 anos (mulheres) ou 65 anos (homens) que contribuíram para o Regime Geral de
Previdência Social por, ao menos, 15 anos. Há ainda aposentadoria por tempo de
contribuição (pelo menos três décadas), por invalidez e por deficiência.
Mas BPC não é aposentadoria, é um auxílio
assistencial. Para recebê-lo não é necessário ter contribuído, e aí está uma
questão crucial que exige uma análise realista por parte do governo e da
sociedade. Ora, se uma pessoa contribui para a Previdência pelo piso ao longo
de toda a vida laboral e ao se aposentar, aos 65 anos de idade, tem direito a
um salário mínimo mensal, o mesmo valor de um beneficiário do BPC da mesma
idade que nunca contribuiu, algo nessa conta não está certo.
O crescimento explosivo do BPC está, por
óbvio, ligado a incoerências como essa. Se a “aposentadoria mínima” está
garantida, mais vale atuar na informalidade, sem contribuir. Como avaliou
Daniel Duque, pesquisador do FGV Ibre, ao Estadão, a indexação do BPC ao
mínimo e critérios questionáveis do programa, como o que permite a concessão de
mais de um BPC por família, mostram que falta foco à política pública e
explicam a enorme judicialização que tem ocorrido nos pedidos do benefício.
Se frequentemente a desindexação do BPC do
salário mínimo aparece em planos de corte de gastos do governo, é por pura
racionalidade. Se insistentemente o presidente Lula se nega a autorizar a
desvinculação, é por puro populismo.
Essa culpa é, sim, do Congresso
O Estado de S. Paulo
É inacreditável que Alcolumbre tente eximir
parlamentares de responsabilidade por jabutis do setor elétrico
Acuado pelas críticas que recebeu nos últimos
dias, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), decidiu culpar a
imprensa pelos erros que os parlamentares, sob sua liderança, cometeram na
sessão conjunta do Congresso de 17 de junho. Ao derrubar vetos presidenciais e
restabelecer jabutis que haviam sido inseridos no marco das eólicas em alto-mar
(offshore), deputados e senadores preferiram agradar lobbies a defender o
consumidor brasileiro.
A cortesia com o chapéu alheio custará R$ 197
bilhões nos próximos 25 anos, dinheiro que financiará empreendimentos que
produzem energia cara e desnecessária, segundo a Frente Nacional dos
Consumidores de Energia (FNCE). A entidade reúne alguns dos principais
especialistas em energia do País e tem como base cálculos da consultoria PSR.
Estimativas do governo são ainda maiores e indicam uma conta de cerca de R$ 245
bilhões até 2050.
Alcolumbre julga estar mais bem informado do
que eles. Na avaliação do senador, os números estão “superestimados”, apontam
para cenários “alarmistas” e visam a espalhar “pânico e confusão” entre os
consumidores. “Não aceitarei que atribuam ao Congresso Nacional uma
responsabilidade que não existe. Não há aumento tarifário. Há compromisso com a
modicidade tarifária, com o equilíbrio federativo, com a inovação e com o
futuro do setor elétrico. Chega de terrorismo tarifário e distorções por quem
quer manter privilégios e lucros excessivos”, afirmou.
Não há planejamento setorial que sobreviva
aos indesejáveis pitacos que o Congresso tem dado nos últimos anos. Num sistema
integrado, como é o brasileiro, é preciso que as usinas e as linhas de
transmissão sejam definidas com base em critérios técnicos e incentivos
econômicos que considerem a demanda e a confiabilidade do suprimento ao menor
custo possível. Cabe ao governo organizar e realizar leilões para que os
empreendimentos possam competir em condições de igualdade com vistas ao
atendimento do interesse público.
Não é o que tem ocorrido. Protegidos por
subsídios bancados pelos consumidores em suas tarifas e que ampliam sua
competitividade de forma artificial, empresários usam a agenda verde como
pretexto para ampliar a lucratividade de seus negócios. Na outra ponta, quem
investe em combustíveis fósseis defende a necessidade de garantir a segurança
do sistema com energia cara e poluente.
Todos lutam por reserva de mercado, e quando
não conseguem convencer o Executivo a apoiar suas demandas, tentam sensibilizar
os parlamentares a inserir jabutis em projetos de lei que tramitam no
Legislativo – quase sempre com sucesso, como ocorreu na sessão de 17 de junho
e, ao que tudo indica, também acontecerá na próxima sessão conjunta do
Congresso.
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia
contestou o senador. “Não há como negar a realidade. Foram decisões políticas,
súbitas e contrárias a todas as expectativas da população”, disse, em nota.
Infelizmente, é assim que a banda toca no
setor elétrico há muitos anos, o que explica por que a energia no País é tão
cara. A novidade é que Alcolumbre finalmente parece estar preocupado com a
opinião pública.
Supremo enquadra big techs
O Povo (CE)
A selvageria que prevalece nas redes sociais
precisa ser contida com uma regulamentação democrática, que preserve os
interesses da sociedade brasileira frente aos gigantes digitais
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o
julgamento que analisava novas regras para as plataformas de internet. A
decisão considerou o artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI) parcialmente
inconstitucional, com a resolução aprovada por oito votos favoráveis e três
contrários. Votaram pela constitucionalidade os ministros André Mendonça, Edson
Fachin e Nunes Marques. A partir dessa resolução, o STF definiu novos
parâmetros para responsabilização por conteúdos postados nas redes sociais.
O presidente do STF, ministro Roberto
Barroso, destacou que o Tribunal não está legislando, mas que decidiu sobre
"dois casos concretos" que chegaram à Corte. Os critérios
determinados pelo Supremo vão prevalecer até o Poder Legislativo deliberar
sobre o tema.
Justifica-se o alerta do ministro, pois
existe a queixa de alguns parlamentares que o Judiciário estaria usurpando as
prerrogativas do Legislativo. No entanto, como disse Barroso, o STF apenas
responde a recursos extraordinários, interpostos pelo Google e pelo Facebook.
Basicamente, o que o STF fez foi reafirmar o
óbvio: que as big techs precisam ter responsabilidade sobre conteúdo postado em
suas redes. Até agora, com base no artigo 21 do MCI, apenas cenas de nudez e
atos sexuais obrigam as plataformas a retirarem o conteúdo, a pedido de quem se
sentiu prejudicado, bastando apenas a notificação extrajudicial.
O que a Suprema Corte fez foi ampliar os
tipos de crimes que as redes ficarão obrigadas a remover a partir dos seguintes
critérios:
Remoção por iniciativa da propária
plataforma, sem necessidade de notificação ou ordem judicial (o "dever de
cuidado"), para casos considerados graves, como terrorismo, discurso de
ódio, racismo, pedofilia, pornografia infantil, incitação à violência, crimes
contra a mulher, tráfico de pessoas e defesa de golpe de Estado.
Supressão do conteúdo somente após ordem
judicial para crimes contra a honra — calúnia, difamação e injúria.
A plataforma será responsabilizada civilmente
pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros em casos de crimes
em geral ou atos ilícitos se, após receber um pedido de retirada, deixar de
remover o conteúdo. A regra também vale para os casos de contas denunciadas
como falsas.
As big techs dizem temer pela "liberdade
de expressão" mas, na verdade, o que o STF fez foi equiparar os crimes
virtuais àqueles que ocorrem no mundo real, pois a diferença é cada vez mais
tênue. A verdadeira preocupação das grandes empresas digitais é com o lucro,
não com as pessoas.
A propósito, que o Congresso Nacional tenha o mesmo cuidado que o STF teve nesse julgamento, quando entrar em pauta a regulamentação das big techs. A selvageria que prevalece nas redes sociais precisa ser contida com uma regulamentação democrática, que preserve os interesses da sociedade brasileira frente aos gigantes digitais.
Responsabilidade das redes sociais
Correio Braziliense
Os critérios estabelecidos pelo STF
representam um avanço, na medida em que reforçam os princípios constitucionais
da dignidade humana
O Supremo Tribunal Federal deu uma importante
contribuição para a sociedade brasileira ao definir parâmetros de
responsabilização civil para as redes sociais. Em julgamento na semana passada,
os ministros listaram um conjunto de medidas a serem seguidas pelas plataformas
digitais, todas no sentido de tornar o ambiente digital mais seguro, civilizado
e obediente à lei. O ponto mais importante é o entendimento de que as empresas
passam a ser responsáveis por conteúdos ilegais ou ofensivos mesmo que não recebam
notificação judicial pelo que divulgam.
Merece registro, ainda, a orientação do STF
para que as plataformas digitais adotem o "dever de cuidado", ou
seja, tenham uma ação preventiva mais eficaz na remoção de conteúdos nocivos,
como incitação à violência, terrorismo, pedofilia e conspiração
antidemocrática. Devem ainda as empresas manter canais permanentes e
específicos de atendimento, preferencialmente eletrônicos, acessíveis e
amplamente divulgados.
Ao deliberar sobre o tema, a maioria dos
ministros identificou uma inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco
Civil da Internet, em vigor desde 2014. Entenderam os integrantes da Corte que
o dispositivo era insuficiente para garantir os direitos fundamentais dos
cidadãos e a democracia, cabendo, portanto, as correções definidas em plenário.
Atento à sensibilidade do tema, o presidente
do STF, ministro Luís Roberto Barroso, salientou que a decisão não implica uma
interferência no Poder Legislativo, que tem a prerrogativa de estabelecer
normas para a vida digital no Brasil. "O tribunal não está
legislando", asseverou. Com efeito, o julgamento precisa ser visto como um
balizamento necessário ante a lacuna normativa que se perpetua desde o
arquivamento, pelo Congresso Nacional, do projeto de lei que regulamentava as
redes sociais.
Os critérios estabelecidos pelo STF
representam um avanço, na medida em que reforçam os princípios constitucionais
da dignidade humana. É preciso assegurar os direitos fundamentais à vida e à
segurança dos cidadãos, que diariamente são atingidos no meio virtual. Esse
perigo é substancialmente maior em se tratando de crianças e adolescentes,
vulneráveis à exposição massiva ao universo digital.
Note-se que o julgamento do STF não se
concentrou no uso político das redes sociais, outro debate rumoroso no mundo
inteiro. Essa questão, ainda não resolvida, coloca-se de forma relevante na
medida em que os donos das big techs, adeptos do ultraliberalismo econômico,
demonstram pouco apreço por princípios democráticos e flertam com líderes
políticos de tendência autocrática. No caso específico do Brasil, espera-se que
o país encontre a medida justa para as redes sociais funcionarem como a ágora
do nosso tempo, preservando a democracia de movimentos golpistas.
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