O Estado de S. Paulo
O Irã terminou indiretamente por confessar a sua fraqueza, implicitamente a sua derrota
No imediato pós-Guerra, o Irã confrontou-se com um dilema: o de permanecer no culto à morte, conforme a sua retórica de destruição do Ocidente e do Estado de Israel, em particular, tudo subordinando ao martírio e ao sacrifício que são a sua expressão, ou o de fazer um cálculo de perdas e danos, considerando o futuro, devido à sua fragorosa derrota militar. Apesar de sua retórica belicista e macabra, exibiu a mera aparência do que parecia ser. Terminou, porém, optando pela racionalidade estratégica, assumindo-se mais como Estado do que como organização terrorista.
Na perspectiva da guerra, a operação
israelense é profundamente inovadora, por estar amparada em: 1) inteligência
cibernética, inteligência artificial e infiltração real da Guarda
Revolucionária, do meio militar em geral, das elites políticas e científicas e
dos órgãos de segurança; 2) operações da Força Área, precedidas por uma ação de
comandos, conduzida pelo Mossad, introduzindo durante vários meses mísseis e
drones no interior do Irã, sem que a inteligência iraniana tivesse tido noção
do que lá se passava; 3) Força Aérea, que teve, assim, todo o espaço iraniano a
seu dispor, podendo atacar livremente os seus alvos previamente escolhidos. Foi
precisa em sua ação, dizimando os sites nucleares (com ajuda americana), suas
fábricas e estoques de munições e mísseis, instalações e bases militares, além
de ter reduzido substancialmente as baterias lançadoras de mísseis; 4) ausência
de perdas de aeronaves israelenses, todas retornando às suas bases militares; e
5) alvos das ações foram militares e não civis, ao contrário do que foi
empreendido pelos iranianos, que chegaram a atacar um importante hospital.
Note-se que ainda se trata de uma guerra
moderna, do século 21. A guerra entre Israel e Irão não envolve disputas
territoriais, de fronteiras, inexistentes entre esses dois países. Israel não
enviará tropas ao Irã. Seu objetivo é claro: impedir que o Irã produza uma arma
atômica, o que estava perto de fazê-lo, e não mais envie dinheiro, armamentos e
munições aos seus grupos/organizações satélites, encarregados da missão de
cercar Israel. Trata-se de inviabilizar que o Irã cumpra com seu próprio
objetivo: o da destruição do Estado de Israel. O cessar-fogo será uma
decorrência da ação militar israelense e americana bem-sucedida, salvo se a
liderança islâmica vier a optar pelo culto à morte.
Do ponto de vista geopolítico, a mudança é
importante. Os Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, deixaram de
tergiversar, o que vinham fazendo com Obama e a dupla Biden/Blinken, que se
contentavam com o status quo, referendando a renúncia do Ocidente a enfrentar
os seus próprios inimigos. Mostraram-se frágeis, algo percebido por seus
opositores, acostumados que estão com o uso sistemático da violência. Pode-se
mesmo dizer que os americanos tiveram medo, sentimento que uma grande potência
não pode se dar ao luxo de ter, salvo se renunciar a ser potência.
Saliente-se, ainda, que o revide iraniano ao
ataque chegou a ser constrangedor para um país que, até agora, se arrogava ser
uma potência regional. Numa operação coreografada, lançou 14 mísseis a uma base
americana no Catar, não sem antes ter avisado a esse país e aos Estados Unidos,
que nem a julgaram digna de uma resposta militar de tão insignificante. O
presidente americano agradeceu ironicamente o gesto. Criaram-se, assim, as
condições diplomáticas para um cessar-fogo, agora sob a tutela e a coordenação dos
Estados Unidos, que emerge, ao mesmo tempo, como guerreiro e pacificador. Na
verdade, o Irã terminou indiretamente por confessar a sua fraqueza,
implicitamente a sua derrota.
Os países árabes, de longa rivalidade com o
Irã, apesar das declarações de crítica de praxe à “agressão” israelense,
reconhecem, entretanto, que Israel esteja fazendo um trabalho que não souberam
fazer. No fundo, estão se regozijando. Todavia, já se apressaram a criticar o
ataque militar do Irã ao Catar, alinhando-se aos americanos e, indiretamente,
aos israelenses. Os países árabes não possuem nenhum alinhamento automático aos
iranianos. A clivagem étnica e religiosa entre persas e xiitas de um lado, e
árabes e sunitas de outro, tende a se acentuar.
A reação europeia marca, por seu lado, um
ponto de virada. Até então vinha se posicionando contra a conduta israelense em
Gaza. No entanto, confrontada consigo mesma, assume que o problema colocado
pelo Irã não é somente uma questão israelense, mas europeia e, de forma mais
geral, ocidental. Países líderes como Alemanha, Reino Unido e França declararam
com todas as letras ser inaceitável que o Irã possa possuir uma bomba atômica,
constituindo-se numa ameaça mundial. Setor importante dos europeus está, assim,
alinhando-se a Israel. O chanceler alemão, Friedrich Merz, o mais incisivo,
chegou a declarar, em maio, que Israel estaria fazendo o “trabalho sujo” dos
europeus, que não tiveram a coragem de fazê-lo. Pode-se considerar essa
declaração um sobressalto do Ocidente.
*Professor de filosofia na Ufrgs
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