segunda-feira, 30 de junho de 2025

Israel, Irã e o Ocidente - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

O Irã terminou indiretamente por confessar a sua fraqueza, implicitamente a sua derrota

No imediato pós-Guerra, o Irã confrontou-se com um dilema: o de permanecer no culto à morte, conforme a sua retórica de destruição do Ocidente e do Estado de Israel, em particular, tudo subordinando ao martírio e ao sacrifício que são a sua expressão, ou o de fazer um cálculo de perdas e danos, considerando o futuro, devido à sua fragorosa derrota militar. Apesar de sua retórica belicista e macabra, exibiu a mera aparência do que parecia ser. Terminou, porém, optando pela racionalidade estratégica, assumindo-se mais como Estado do que como organização terrorista.

Na perspectiva da guerra, a operação israelense é profundamente inovadora, por estar amparada em: 1) inteligência cibernética, inteligência artificial e infiltração real da Guarda Revolucionária, do meio militar em geral, das elites políticas e científicas e dos órgãos de segurança; 2) operações da Força Área, precedidas por uma ação de comandos, conduzida pelo Mossad, introduzindo durante vários meses mísseis e drones no interior do Irã, sem que a inteligência iraniana tivesse tido noção do que lá se passava; 3) Força Aérea, que teve, assim, todo o espaço iraniano a seu dispor, podendo atacar livremente os seus alvos previamente escolhidos. Foi precisa em sua ação, dizimando os sites nucleares (com ajuda americana), suas fábricas e estoques de munições e mísseis, instalações e bases militares, além de ter reduzido substancialmente as baterias lançadoras de mísseis; 4) ausência de perdas de aeronaves israelenses, todas retornando às suas bases militares; e 5) alvos das ações foram militares e não civis, ao contrário do que foi empreendido pelos iranianos, que chegaram a atacar um importante hospital.

Note-se que ainda se trata de uma guerra moderna, do século 21. A guerra entre Israel e Irão não envolve disputas territoriais, de fronteiras, inexistentes entre esses dois países. Israel não enviará tropas ao Irã. Seu objetivo é claro: impedir que o Irã produza uma arma atômica, o que estava perto de fazê-lo, e não mais envie dinheiro, armamentos e munições aos seus grupos/organizações satélites, encarregados da missão de cercar Israel. Trata-se de inviabilizar que o Irã cumpra com seu próprio objetivo: o da destruição do Estado de Israel. O cessar-fogo será uma decorrência da ação militar israelense e americana bem-sucedida, salvo se a liderança islâmica vier a optar pelo culto à morte.

Do ponto de vista geopolítico, a mudança é importante. Os Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, deixaram de tergiversar, o que vinham fazendo com Obama e a dupla Biden/Blinken, que se contentavam com o status quo, referendando a renúncia do Ocidente a enfrentar os seus próprios inimigos. Mostraram-se frágeis, algo percebido por seus opositores, acostumados que estão com o uso sistemático da violência. Pode-se mesmo dizer que os americanos tiveram medo, sentimento que uma grande potência não pode se dar ao luxo de ter, salvo se renunciar a ser potência.

Saliente-se, ainda, que o revide iraniano ao ataque chegou a ser constrangedor para um país que, até agora, se arrogava ser uma potência regional. Numa operação coreografada, lançou 14 mísseis a uma base americana no Catar, não sem antes ter avisado a esse país e aos Estados Unidos, que nem a julgaram digna de uma resposta militar de tão insignificante. O presidente americano agradeceu ironicamente o gesto. Criaram-se, assim, as condições diplomáticas para um cessar-fogo, agora sob a tutela e a coordenação dos Estados Unidos, que emerge, ao mesmo tempo, como guerreiro e pacificador. Na verdade, o Irã terminou indiretamente por confessar a sua fraqueza, implicitamente a sua derrota.

Os países árabes, de longa rivalidade com o Irã, apesar das declarações de crítica de praxe à “agressão” israelense, reconhecem, entretanto, que Israel esteja fazendo um trabalho que não souberam fazer. No fundo, estão se regozijando. Todavia, já se apressaram a criticar o ataque militar do Irã ao Catar, alinhando-se aos americanos e, indiretamente, aos israelenses. Os países árabes não possuem nenhum alinhamento automático aos iranianos. A clivagem étnica e religiosa entre persas e xiitas de um lado, e árabes e sunitas de outro, tende a se acentuar.

A reação europeia marca, por seu lado, um ponto de virada. Até então vinha se posicionando contra a conduta israelense em Gaza. No entanto, confrontada consigo mesma, assume que o problema colocado pelo Irã não é somente uma questão israelense, mas europeia e, de forma mais geral, ocidental. Países líderes como Alemanha, Reino Unido e França declararam com todas as letras ser inaceitável que o Irã possa possuir uma bomba atômica, constituindo-se numa ameaça mundial. Setor importante dos europeus está, assim, alinhando-se a Israel. O chanceler alemão, Friedrich Merz, o mais incisivo, chegou a declarar, em maio, que Israel estaria fazendo o “trabalho sujo” dos europeus, que não tiveram a coragem de fazê-lo. Pode-se considerar essa declaração um sobressalto do Ocidente.

*Professor de filosofia na Ufrgs

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