O Estado de S. Paulo
Ao contrário do que pareceu, o Congresso não
protegeu a maioria da população ao derrubar o decreto de aumento do IOF
Uma interpretação conveniente para a
preocupante derrota que o Congresso impôs ao governo na semana passada, ao
derrubar com grande rapidez e facilidade o decreto que aumentava o Imposto
sobre Operações Financeiras (IOF), é a de que, mais uma vez, os interesses da
população foram protegidos. De fato, com a decisão – cuja constitucionalidade é
tema de controvérsia –, senadores e deputados evitaram um aumento da
tributação. E devolveram ao Executivo a tarefa de realizar o ajuste das contas
especialmente pelo lado das despesas.
É preciso, no entanto, examinar qual é a base de cálculo do tributo e, assim, quem seria afetado. O aumento incidiria sobre operações financeiras como câmbio, compras com cartões internacionais e crédito para empresas. É difícil imaginar que a maioria da população viesse a ter sua segurança financeira comprometida com isso. Mas, certamente, haveria contribuintes afetados. Não é difícil imaginar qual é a parte da sociedade que realiza tais operações com intensidade suficiente para que um aumento do IOF afete suas finanças pessoais ou corporativas. Por isso, ao contrário do que pareceu, o Congresso não protegeu a maioria da população. Derrotou-a.
As circunstâncias em que o governo foi
derrotado mostram-no, porém, enfraquecido e com a base parlamentar
desarticulada, sem condições de enfrentar um Congresso em que, desde 2018, as
forças de direita controlam um número expressivo de cadeiras. O poder dessas
forças aumentou em 2022. E elas passaram a ter mais voz nas discussões e mais
peso nas votações sobre a destinação dos recursos públicos.
Ao mesmo tempo que a representação dessas
forças cresceu no Congresso, o próprio Parlamento ampliou seu poder sobre a
destinação dos recursos orçamentários. É um processo que começou em 2013. Desde
o enfraquecimento político da presidente Dilma Rousseff, sobretudo no seu
segundo mandato (iniciado em 2015), o Congresso vem conquistando o controle de
fatias crescentes do Orçamento da União. Negociações políticas no governo
anterior, muitas vezes em nome da governabilidade, contribuíram para conferir
ao Legislativo o domínio sobre mais parcelas do Orçamento. Emendas
constitucionais e leis foram ampliando gradativamente a obrigatoriedade dos
pagamentos, pelo Executivo, das emendas de iniciativa parlamentar.
A consequência é a redução gradativa da fatia
dos recursos do Orçamento anual sobre a qual o Executivo tem controle pleno.
Na mesma proporção em que se reduz a
competência do Executivo para decidir o destino dos recursos orçamentários,
crescem as oportunidades para os congressistas utilizarem o produto da
arrecadação dos impostos para atender a seus interesses político-eleitorais.
Assim, perde-se eficiência na alocação dos recursos, com prejuízo para toda a
população. Mas tudo se passa como se os congressistas nada tivessem a ver com
isso. É como se senadores e deputados fossem inocentes na crise fiscal. A
culpa, desse modo, é sempre do Executivo, do presidente.
Em defesa do aumento de sua competência na
definição do destino do dinheiro público, congressistas argumentam que buscam
assegurar ao Congresso poder equivalente ao que têm outros Legislativos
nacionais no trato dos recursos orçamentários. Pesquisa realizada em 2024 pelos
professores do Insper Hélio Tollini e Marcos Mendes, com o título É assim em
todo lugar?, mostra que isso não é verdade. Em outros países, emendas
parlamentares raramente adicionam despesa ao Orçamento e, quando isso ocorre,
são valores pequenos, segundo o estudo. E, quando pretendem mudar a destinação
de alguma verba, os congressistas precisam apontar qual outra despesa será
cortada ou de onde virá a receita. Ou seja, assumem algum ônus político.
No Orçamento de 2025, as emendas
parlamentares somam R$ 50,4 bilhões, valor maior do que a soma dos recursos
livres para investimentos de 30 dos 39 ministérios, como mostrou recente
reportagem do Estadão (13/4, A8). Nesses casos, os congressistas mandam mais
nos ministérios do que o próprio governo. E ainda mandam a conta para o
presidente da República quando as coisas não dão certo.
Talvez aqui esteja a fonte institucional do
atual conflito entre o Executivo e o Legislativo, que vem minando a
credibilidade do governo e corroendo a popularidade do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, o que facilita o trabalho da oposição. A atuação do Supremo
Tribunal Federal (STF) no sentido de assegurar a constitucionalidade das
emendas parlamentares é outra fonte de conflitos entre os Poderes, pois tem
sido obstáculo à liberação de parte dos recursos. Neste momento, por isso,
talvez certas atitudes do STF também sejam importante fonte para a irritação de
congressistas, cujas decisões não afetam apenas o governo, mas o País.
Eleger congressistas comprometidos com o
futuro do País é o caminho para evitar conflitos desse tipo. Em 2026 o País
terá mais uma oportunidade para isso.
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