Folha de S. Paulo
Seja qual for o governo, ele precisará
encontrar propostas suas que convirjam com a maioria do Congresso
O governo é o defensor abnegado de gastos
sociais e do bem público, enquanto o Congresso, com sua sede por emendas,
defende os interesses privados escusos do "andar de cima". Tem sido
essa a tônica dos discursos de apoio ao governo Lula em meio
às derrotas que tem sofrido nas mãos dos parlamentares. Na
realidade, tanto os sempre crescentes gastos do governo quanto as emendas parlamentares atendem a setores da população
(andar de cima e de baixo) e estão sujeitos à corrupção.
Deixando de lado o discurso maniqueísta, cabe reconhecer que há sim uma relação cronicamente conflituosa entre Congresso e Executivo. De uns anos para cá, o lado mais forte tem sempre sido o Congresso. Quem tentou antagonizá-lo —Dilma, Bolsonaro em seu primeiro ano de governo— levou a pior.
No centro dessa difícil relação, estão as
emendas parlamentares. Os cerca de R$ 50 bilhões do Orçamento que cabem a
deputados e senadores correspondem a 24% dos gastos livres do governo. Isso é
único no mundo, segundo estudo do ano passado de Marcos Mendes e Hélio Tollini.
Desses R$ 50 bilhões, R$ 39 bi são emendas impositivas, as quais o governo tem
pouca liberdade para barrar.
Esse quadro cria dois problemas estruturais.
O primeiro é que o Orçamento, em vez de servir a uma visão estratégica do país,
responde a milhares de demandas pulverizadas de localidades específicas. Há
deputados que chegam a falar de um Orçamento "municipalista", mas o Orçamento
federal deveria ser, acima de tudo, nacional.
O segundo é que torna muito difícil ao
governo formar uma base para governar. A emenda impositiva dá ao parlamentar a
tranquilidade de não precisar do governo para garantir recursos. Só de emendas
individuais, cada deputado tem R$ 37,5 milhões para gastar em 2025 —e ainda
terá parte das emendas da bancada de seu estado. Por mais que possa conseguir
ainda mais se se aliar ao governo, esse valor já lhe dá segurança. O preço
cobrado para apoiar o governo em um projeto, portanto, fica mais alto. O
governo precisa mais do Congresso do que vice-versa.
No fim das contas, seja qual for o governo,
ele precisará encontrar propostas suas que convirjam com a maioria do Congresso
e pautar seus projetos com base nisso. Foi o que fez o governo
Temer, que conseguiu aprovar uma série impressionante de projetos em
seus dois anos e meio de mandato. E é nessa convergência que moram as vitórias
do atual governo Lula, como na aprovação do novo marco fiscal, da reforma
tributária do consumo e do programa Pé-de-Meia.
O governo Lula é um governo de esquerda. Para
governar, depende de partidos de direita que formam a maioria do Congresso.
Sempre que contraria a agenda desses partidos —por exemplo, na discussão sobre
como superar o rombo fiscal— ele fica paralisado e amarga derrotas
acachapantes. Sendo assim, qual o sentido de selecionar governo e Congresso
separadamente? Não seria melhor que o Executivo saísse do próprio Congresso,
garantindo a unidade de agenda? Certamente pouparia muitos cabos de guerra
improdutivos. Por isso, concluo: ou o Brasil repensa a magnitude e a
impositividade das emendas ou seria melhor mudar nossa forma de governo e
adotar de vez o parlamentarismo. O meio do caminho está travando nossa
política.
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