- Valor Econômico
Buscar atalhos no aumento do investimento público só vai alongar e piorar o caminho que leva ao crescimento
O Banco Central vive um momento singular da sua história. Por razões internas e externas, a espinha dorsal da inflação está quebrada e a taxa básica de juros (Selic) cai para patamares antes nunca vistos. Se forem confirmadas as expectativas de vários bancos privados, a Selic, hoje em 5,5% ao ano, estará em 4% ao ano em 2020, e a inflação, medida pelo IPCA, estará na casa dos 3,7%. Os juros reais, portanto, encontrar-se-ão em um piso jamais tocado, de 0,3% ao ano.
O BC foi criado em 1964 e desde então teve que administrar crises e mais crises, sobretudo por causa de persistentes colapsos cambiais. Geriu a mais absoluta escassez de dólares no início dos anos de 1980, quando da crise da dívida externa que marcou aquela como a década perdida. E quase sempre usou a taxa de juros para atrair dólares e financiar as contas do balanço de pagamentos do país.
Do ponto de vista histórico, é muito recente a acumulação de reservas cambiais, de US$ 386 bilhões, que dá à autoridade monetária tranquilidade para dispensar capitais internacionais de curto prazo, interessados tão somente nos ganhos de arbitragem (decorrentes do diferencial de juros internos e externos).
O BC conseguiu acumular reservas internacionais a partir do fim do primeiro mandato de Lula. Até então o país enfrentou crises cambiais nos anos de 1980, 1990 e no início dos anos 2000. Foram diversos acordos firmados com o Fundo Monetário Internacional (FMI), emprestador de última instância para países com dificuldades de pagar as contas externas.
Em dezembro de 2005, já com um colchão de reservas, o governo decidiu quitar antecipadamente a dívida que tinha com o FMI. Se alguém supunha que a política imposta pelo Fundo Monetário era recessiva, ficou claro que o problema não era do fundo, mas do país. Mesmo liberto, o Brasil não conseguiu encontrar os rumos do crescimento econômico sustentável.
O mundo vive uma situação de desinflação e juros baixos e, em vários casos, negativos. O Brasil, mesmo não sendo uma economia aberta, é afetado por essas novas condições.
Internamente, também, tudo converge para inflação baixa e taxa de juros reais muito pequenas. Não necessariamente pelas melhores razões. Durante o governo de Dilma Rousseff, a taxa Selic começou a cair e chegou a 7,25% ao ano em abril de 2013. Por não ser um processo sustentável, os juros voltaram a subir. O então presidente do BC, Alexandre Tombini, iniciou um período de aperto monetário elevando a taxa básica para 14,25% ano.
Com o impeachment de Dilma e a ascensão de Michel Temer à Presidência da República, Ilan Goldfajn assumiu o comando do Banco Central e primeiro levou as expectativas de inflação, então desancoradas, para a meta e só então, em outubro de 2016, iniciou o afrouxamento das condições monetárias, baixando a taxa Selic de forma gradual, de 14,25% para 6,50% ao ano.
Roberto Campos assumiu a presidência do BC no início do governo de Jair Bolsonaro e, em dois cortes, colocou os juros em 5,50% ao ano.
A prolongada recessão, que teve início em 2014, seguida do baixo crescimento de 2017 para cá, criou uma grande margem de ociosidade na economia brasileira. Juntam-se a isso as incertezas que levam à escassez do investimento como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) e o esgotamento do investimento patrocinado pelo Estado, diante da grave crise fiscal que corrói as finanças do setor público, e criou-se uma espécie de anestesia da atividade econômica, que tem se movido muito pouco e muito devagar.
A ociosidade teve peso relevante na desinflação e na redução da Selic. É muito provável que, quando a economia estiver trabalhando na sua plena capacidade, os juros voltarão a flutuar. Mas, agora, a partir de um patamar bem mais baixo.
Na área econômica do governo, todos advogam que o crescimento terá que vir pelo lado da expansão da oferta, e não do aumento da demanda. Isso significa apostar nos investimentos, sobretudo em projetos de infraestrutura, nas concessões, nas parcerias público-privadas e nas privatizações.
Ainda que as privatizações sejam uma mera troca de dono dos ativos, elas também podem gerar novos investimentos na medida em que as empresas saem das mãos de um ente falido, o Estado, para as de um novo dono, o setor privado. Em tese, esse novo dono estará em melhores condições para tocar as empresas estatais.
Veja-se, por exemplo, o caso do setor elétrico. O grupo Eletrobras precisaria investir R$ 14 bilhões por ano para manter inalterada sua fatia de mercado. Hoje a empresa estatal responde por 47% da transmissão e por 31% da geração de energia. A Eletrobras consegue investir, anualmente, menos de R$ 3 bilhões. Se não for privatizada, a companhia tende a minguar e, com o passar dos anos, poderá desaparecer.
Os que apontavam as elevadas taxas de juros como responsáveis pelo baixo crescimento podem, agora, testemunhar que, mesmo com o custo do dinheiro em queda, a aceleração do crescimento não aconteceu.
As condições macroeconômicas do país melhoraram substancialmente no tocante a inflação e taxa de juros. Houve, de fato, uma mudança do mix anterior, como apontou o ministro da Economia, Paulo Guedes. Antes era uma política monetária dura, com os juros altos, e a política fiscal frouxa, com os aumentos excessivos do gasto público. Agora, o quadro se inverteu: a política fiscal é rigorosa, até pela existência da Lei do Teto de Gastos, e a monetária pôde se afrouxar, com os juros em queda vertiginosa.
Mas, ao que parece, essa não é uma combinação suficiente para trazer de volta o apetite dos investidores. É preciso prosseguir nas reformas - depois da Previdência vêm a do novo pacto federativo, a administrativa, a tributária.
Ao governo resta perseverar, persistir, na troca do investimento público pelo do setor privado. Buscar atalhos no aumento do investimento público só vai alongar e piorar o caminho que leva ao crescimento. É preciso ter em mente que o governo de Dilma Rousseff tentou ir por esse atalho e quebrou o Estado.
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