- Folha de S. Paulo
Constituição não diz expressamente que prisão em segunda instância está descartada
"Cave iabuticabam" (cuidado com a jabuticaba), já ensinavam os sábios latinos. A maioria das democracias consolidadas dá início à execução da pena após a condenação em segunda instância. Duas das mais respeitáveis, os EUA e a França, fazem-no a partir da primeira.
No Brasil, há um forte movimento para que volte a vigorar a regra segundo a qual réus condenados só podem ir para a cadeia depois que todas as possibilidades de recurso estejam esgotadas --isso num país em que o Supremo Tribunal Federal (STF) funciona na prática como quarta instância em que não é incomum ver ministros julgando os embargos dos embargos. É a jabuticaba no jabuticabal.
Em termos puramente lógicos, não é impossível que a receita brasileira, que vigeu entre 2009 e 2016, seja melhor que a do resto do mundo. Seria a vingança das jabuticabas. Mas uma comparação dos indicadores de eficiência judiciária e respeito a direitos humanos dos vários países sugere que não é o caso.
Não importa o que seja mais conveniente para o país, precisamos nos ater ao que diz a Constituição, dizem os defensores da presunção de inocência até o trânsito em julgado. Concordo, mas a Carta não diz expressamente que a prisão está descartada. Essa é uma leitura bastante razoável do inciso LVII do artigo 5º, ainda que não a única possível.
O problema é que, de 1988, quando a Constituição entrou em vigor, até 2009, quando o STF mudou a jurisprudência pela primeira vez, a prisão a partir da segunda instância conviveu com o artigo 5º. Se forçarmos uma interpretação absolutista da presunção da inocência, como alguns ministros ameaçam fazer, seria necessário concluir que, entre 1988 e 2009 e de 2016 para cá, o país esteve sob estado de exceção, ignorando garantias fundamentais. Não me parece que faça muito sentido.
Mais vezes do que se imagina, há sabedoria em exercer a autocontenção. Essa é uma lição que o STF parece incapaz de assimilar.
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