FHC: ‘Huck vai deixar de ser celebridade e ser líder?’
Tucano afirma que apresentador da Globo precisa começar a exercer liderança política se quiser ser candidato
Pedro Venceslau, Marcelo Godoy e Paula Reverbel | O Estado de S.Paulo
No momento que lança o quarto e último volume de seus Diários da Presidência, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) assiste com ceticismo as articulações de Luciano Huck para as eleições de 2022. Em entrevista ao Estado, FHC diz que o apresentador precisa ser líder, e não uma celebridade. “É preciso ver se Huck vai deixar de ser celebridade para ser líder”, afirmou. Em 2018, FHC mostrou simpatia pela ideia de que Huck saísse como candidato e quebrasse a polarização entre Bolsonaro e PT, mas o apresentador desistiu de disputar. Geraldo Alckmin, que contou com uma coalizão de centro, teve só 4,76% dos votos.
• O sr. fala no livro sobre excessos dos procuradores. Vê semelhanças entre abusos da época com supostos abusos da Lava Jato?
Não sei se há paralelo. O que estão tomando como abuso da Lava Jato: a interceptação telefônica. No telefone você fala com naturalidade. E as pessoas trabalham juntas, o procurador e o juiz. É provável que na Lava Jato haja também, como houve no passado, uma visão política. No passado, no meu tempo, era uma visão contra o governo e pró-PT, basicamente. Na Lava Jato pode ter havido uma visão política. Mas o juiz quando julga tem fatos. Não dá para dizer que contaminou todo o processo.
• Compartilha da mesma opinião do senador Aloysio Nunes?
Tem que separar bem. Houve alguma coisa específica que incidiu sobre a decisão? Aí tem que rever. Mas se a decisão está embasada em fatos, então não tem sentido. São fatos. Posso não me conformar, por exemplo, com o caso do Eduardo Azeredo. Acho um absurdo. Foi condenado a mais de 20 anos por uma coisa que me parece que ele não tinha responsabilidade direta.
• Vê abuso na Lava Jato?
Não sei dizer. Na média a Lava Jato foi positiva. Colocou na cadeia ricos e poderosos que nunca iam presos. Não gosto de ver gente na cadeia, não tenho satisfação. Mas não posso deixar de reconhecer que a Lava Jato foi uma reação à corrupção do sistema democrático.
• No livro, o sr. fala que o Brasil poderia pagar um alto preço pela eleição do Lula. O preço seria o governo Bolsonaro?
Para o meu gosto, os dois são um preço alto. Mas que eu saiba, não teve nada no governo Bolsonaro até agora que tivesse sido contra a lei. Não votei no Bolsonaro e não apoio o governo, mas é preciso ter equilíbrio nessas coisas. Há liberdade, imprensa livre, Justiça e Congresso funcionando. Outra coisa é discordar das medidas que são tomadas. Não vejo que o governo Bolsonaro tenha incorrido em alguma coisa que fosse crime, contra a lei.
• E a suspeita de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro e a suposta proximidade com milícias?
Mas isso não é ele. Não posso condenar o presidente por sua família. Tem que ver caso a caso. Me parece suspeito que alguém que ligado a Presidência da República tenha ligações com milícias.
• Em 2018, o PSDB teve o pior resultado de sua história e hoje se fala em ‘novo PSDB’. Onde o partido errou e o que acha do discurso do governador João Doria de um novo PSDB, mais conservador?
Não foi o PSDB só. O sistema político que nós montamos na Carta de 1988 está de desmilinguido. O exemplo mais óbvio disso é que o partido majoritário hoje – chama-se PSL – está brigando entre si agora e tem só 54 deputados. Na Câmara, tem 513. É uma proporção pequena.
• O PSDB não errou então?
Todos erraram. Vou dar um exemplo simples: o PSDB nunca aceitou a realidade contemporânea, que é a internet. Quer organizar um movimento ou um partido como? Com reuniões físicas? Isso é uma coisa antiga.
• O que acha dos expurgos que governador Doria está fazendo no PSDB?
Sou contra expulsão a menos que a pessoa seja condenada.
• Em 2002, disse que Lula não estava preparado para ser presidente. Acha que Bolsonaro está?
Estava errado no caso do Lula, não quero fazer a mesma coisa com o Bolsonaro. O que Lula fez que outros não conseguiram? Formar uma maioria, explicar ao País para onde é que vai.
• Lula é um preso político?
Não, eu não acho. Pode ter motivação contra ele, inclusive por juízes, mas não é por isso que ele é condenado. É condenado por fatos.
• Há um movimento que busca um candidato de centro para evitar os extremos. Luciano Huck poderia ser esse nome?
Eventualmente sim, mas o que significa isso? Significa que a pessoa tem que exercer a liderança política. Sou amigo do Luciano, etc. Agora, preciso ver se ele vai deixar de ser celebridade para ser líder.
Celebridade é uma coisa importante, tem acesso ao povo, mas líder é outra coisa. Se ele fizer esse passo, ele tem chance. Às vezes pessoas são eleitas sem ter essa qualidade, chegam ao governo e não governam. Ou governam com dificuldade.
• O governador Doria pode ser esse nome?
Ser eleito presidente depende de você entender e lidar com a diversidade do Brasil. Não sei se o Doria tem capacidade de expressar um sentimento nacional.
• O senhor acha que Bolsonaro fica até o final do governo?
Eu sou democrata, profundamente. Em um duplo sentido: institucional e olhar para a maioria, o povo. Ele foi eleito e está começando a governar. Tem de ser respeitada a decisão do povo.
• O PT está cumprindo o papel de ser oposição?
O PT tem uma única consigna: Lula livre.
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