Algumas empresas e setores aprenderam, da forma mais difícil, que não prestar atenção às questões ESG&D pode deteriorar a confiança dos investidores
Por Richard Samans* e Jane Nelson* – Valor Econômico
O papel dos conselhos de administração das empresas nunca foi tão importante, nem tão fiscalizado, quanto nos dias de hoje. As transformações tecnológicas, ambientais, geopolíticas e socioeconômicas dos últimos 20 anos têm fomentado uma reavaliação do modelo de governança predominante nas empresas e criado grandes desafios para muitas áreas da governança e das políticas públicas.
Em particular, essas transformações tornam as questões ambientais, sociais, de governança e de gestão de dados (ESG&D, na sigla em inglês) cada vez mais importantes para o desempenho e solidez das empresas. Também dificultam a distinção tradicional entre o modelo de primazia dos acionistas (cujo foco são os benefícios e custos operacionais e financeiros) e o modelo voltado a todas as “partes interessadas” (cujo foco são os riscos e oportunidades sociais e ambientais).
Questões antes consideradas secundárias para executivos-chefes e conselhos de administração (outrora administradas pelos departamentos de filantropia, de tecnologia da informação e de relações com as partes interessadas) tornaram-se fatores determinantes para a capacidade das empresas de criar e manter valor econômico. Por exemplo, as mudanças climáticas, a gestão da água e outros aspectos da governança ambiental são cada vez mais vistos como fatores influenciadores do lucro em um mundo no qual a tecnologia, a regulamentação e outros elementos do ambiente operacional podem mudar rapidamente.
Mudanças similares afetam a administração dos ativos intangíveis - uma fonte-chave de vantagem competitiva na Quarta Revolução Industrial. O talento e a motivação do quadro pessoal de uma firma, uma cultura empresarial inovadora, o know-how individual e os dados vêm se tornando fontes de valor cada vez mais importantes.
Da mesma forma, a abordagem das firmas em relação às pessoas, ao planeta e à inovação - incluindo como protegem e aplicam o valor agregado de seus dados - precisa ter mais influência nas decisões de alocação de capital. E, para esse fim, os líderes das empresas precisam compreender melhor como equilibrar os investimentos de longo prazo em nova capacidade produtiva e a racionalização de curto prazo dos ativos e operações existentes. Com o passar do tempo, eles vão precisar dar mais ênfase ao investimento de longo prazo.
Uma administração eficaz do desempenho das questões ESG&D é igualmente importante para a gestão de risco. Algumas empresas e setores aprenderam, da forma mais difícil, que deixar de prestar a devida atenção às questões ESG&D pode resultar na rápida deterioração da confiança dos investidores, dos funcionários, dos clientes e da sociedade, potencialmente acarretando uma perda substancial de valor. Por exemplo, o relatório de 2019 “Cost of a Data Breach”, patrocinado pela IBM Security, estima que o custo relacionado a cada violação de dados aumentou 12% desde 2014, para uma média de US$ 3,92 milhões. A ForgeRock, por sua vez, calcula que mais de 2,8 bilhões de registros de dados de consumidores foram expostos em 342 violações em 2018 apenas nos Estados Unidos, a um custo estimado em US$ 654 bilhões.
De acordo com pesquisa publicada pelo grupo ambiental Ceres, mais de 60 empresas do S&P 500 divulgaram em 2017 que seus balanços sofreram impactos materiais negativos decorrentes de eventos climáticos. Além disso, as interrupções na cadeia de abastecimento ligadas ao clima aumentaram 29% entre 2012 e 2019. Nos EUA, houve mais de 100 comunicados formais sobre problemas climáticos até maio de 2019. No mundo, o número de regulamentações climáticas formais cresceu para 1,5 mil. Em 1997, eram 72.
Na mesma linha, o movimento #EuTambém deixou à mostra os crescentes riscos às finanças, reputação e operações enfrentados pelas empresas que não conseguem lidar com problemas de discriminação, assédio sexual ou más condutas no ambiente de trabalho. A revista “Fortune”, em notícia sobre o relatório de 2019 sobre práticas sucessórias de executivos-chefes da associação The Conference Board, destacou que “5 entre as 18 saídas não voluntárias de executivos-chefes estiveram relacionadas a acusações sobre condutas pessoais e ao #EuTambém”. “Isso é especialmente digno de nota, tendo em vista que apenas um executivo-chefe entre 2013 e 2017 foi demitido como resultado de conduta pessoal não relacionada ao desempenho.”
Claramente, no novo contexto ambiental, social, geopolítico e tecnológico dos anos 2020, as questões ESG&D não estão ligadas a apenas à ética ou às relações públicas. Elas são essenciais ao exercício dos deveres fiduciários de alocação dos recursos das empresas. Ainda assim, materializar o potencial pleno do capitalismo das partes interessadas vai exigir que as firmas levem os princípios básicos para a prática. Isso começa na sala da diretoria. Os conselhos de administração precisam transcender as considerações tradicionais diferenciadas entre “partes interessadas” e “acionistas” (algo exemplificado pelos conceitos de “valor para os acionistas” e de “responsabilidade empresarial”) e integrá-las.
A governança corporativa integrada significa abandonar a mentalidade e as práticas associadas à primazia dos acionistas e à responsabilidade social das empresas, que tratam as questões ESG&D essencialmente como fatores não financeiros ou pré-financeiros. Em contraste, uma abordagem integrativa adota um ponto de vista holístico dos interesses das partes interessadas e dos acionistas, internalizando considerações ESG&D nas firmas e em sua estratégia, alocação de recursos, gestão de riscos, avaliação de desempenho e processos e políticas de prestação de contas.
Para que o capitalismo das partes interessadas seja mais do que apenas um ponto de vista otimista, essa integração e internalização precisam estar mais bem definidas em termos operacionais. E tais práticas precisam ser adotadas de forma ampla pelos conselhos de administração tanto de empresas de capital aberto quanto de capital fechado ou estatais. É isso que será necessário para que os princípios articulados no Manifesto Davos 2020, do Fórum Econômico Mundial; na revisão do Comunicado sobre o Propósito de uma Empresa de Capital Aberto, do Business Roundtable, dos EUA; e no crescente número de marcos regulatórios pelo mundo, como os novos Código de Governança Corporativa e Código “Stewardship” 2020, ambos do Reino Unido. É assim que as empresas podem levar o capitalismo dos acionistas do papel para a prática. (Tradução de Sabino Ahumada).
*Richard Samans é diretor-gerente do Fórum Econômico Mundial e presidente do Conselho de Padrões de Divulgação Climática (CDSB, na sigla em inglês).
*Jane Nelson é diretora da Iniciativa de Responsabilidade Empresarial na Harvard Kennedy School. Copyright: Project Syndicate, 2020.
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