Os limites da governabilidade – Editorial | O Estado de S. Paulo
O governo de Jair Bolsonaro dispõe de cerca de 30 parlamentares fiéis na Câmara, segundo as contas de líderes do Congresso ouvidos pelo Estado. Essa base esquálida nem pode ser propriamente chamada de base, pois com ela o presidente não garantiria a aprovação nem de regimento de condomínio.
A incerteza do apoio ao governo já era grande mesmo quando Bolsonaro podia contar com a maioria dos votos do PSL, partido com o qual se elegeu e que colocou meia centena de deputados na Câmara na eleição de 2018, sob o embalo da onda bolsonarista. Depois que Bolsonaro brigou com o PSL e deixou o partido, o núcleo parlamentar com o qual o presidente podia contar em qualquer circunstância tornou-se praticamente insignificante.
Até que consiga formar seu próprio partido, o que não deve acontecer tão cedo, Bolsonaro terá que conviver com um Congresso sem qualquer tipo de vínculo ou compromisso com o governo. Essa já era mais ou menos a realidade antes da ruptura de Bolsonaro com o PSL, pois o presidente tomou posse determinado a implodir o chamado “presidencialismo de coalizão” – em que o presidente é obrigado a dividir o poder com as fragmentadas forças do Congresso para conseguir governar. Nesse modelo bolsonarista, em que o governo não se dedica nem a montar uma base parlamentar sólida nem a negociar compensações em troca de apoio nas votações de sua agenda, a governabilidade fica à mercê da coincidência circunstancial de interesses entre o Palácio do Planalto e o Congresso.
Por ora funcionou, ao menos na pauta mais urgente da área econômica. A reforma da Previdência, por exemplo, foi aprovada com boa margem, mesmo sendo um tema eleitoralmente espinhoso. Outros projetos importantes patrocinados pelo governo, como a nova Lei de Licitações e a medida provisória da liberdade econômica, também passaram sem muita dificuldade. As lideranças políticas coincidem no diagnóstico segundo o qual há um clima favorável no Congresso a uma agenda de reformas econômicas, o que tem facilitado a tramitação de projetos nesse sentido.
É evidente, portanto, que se trata de uma situação circunstancial e aparentemente restrita à área econômica. Quase todas as demais iniciativas do governo foram derrotadas no Congresso, em escala poucas vezes vista desde a redemocratização. Vários dos poucos projetos de lei aprovados foram modificados pelos parlamentares, enquanto medidas provisórias caducaram sem votação (uma delas chegou a ser devolvida por ser considerada inconstitucional), decretos foram derrubados por sua ilegalidade e vetos presidenciais foram anulados. Nem é preciso mencionar que tal situação, causada pela falta de articulação política do governo, gera insegurança jurídica.
Assim, tem-se o enfraquecimento acentuado da capacidade do presidente da República de influenciar a agenda legislativa, contrariando uma das principais premissas do presidencialismo. O resultado disso é o fortalecimento do Congresso como condutor dos destinos do País – algo que já se verificou no primeiro ano do mandato de Bolsonaro e que tende a se consolidar a partir de agora, especialmente porque o poder de negociação do Executivo caiu drasticamente graças à redução da capacidade do governo de gerenciar o Orçamento. Nesse simulacro de parlamentarismo, o País ficará à mercê de maiorias frágeis, constituídas nos corredores do Congresso conforme insondáveis propósitos, sob a condução de líderes parlamentares que foram eleitos com apenas alguns milhares de votos – e, portanto, com representatividade limitada.
É, sob qualquer ponto de vista, uma governabilidade precária. Diante dos enormes problemas que aguardam soluções urgentes, tal perspectiva não é das melhores. A esta altura, parece inútil esperar que o presidente Bolsonaro, que vive a se queixar das “cascas de banana” atiradas contra seu governo, mude de ideia e aceite montar uma base no Congresso que lhe garanta um mínimo de solidez política. Mais realista é continuar a torcer para que as lideranças do Congresso coloquem seus interesses paroquiais em segundo plano e prossigam na ampliação das reformas, sem as quais não há como sair da crise.
Cargos nas agências afetam investimentos – Editorial | O Globo
Indicações de Bolsonaro podem alterar segurança jurídica, atraindo ou não empresas para setores-chave
Não é preciso conhecer economia para saber, ou pelo menos intuir, que a volta dos investimentos é chave para o país acelerar o crescimento e mantê-lo durante prazo razoável em um nível elevado. Um raciocínio lógico simples indicará que são os projetos de aumento da capacidade da produção em geral que expandem quantitativa e regionalmente a criação de empregos e renda, o que ajuda a elevar o consumo das famílias, que, por sua vez, induz mais investimentos, e assim por diante.
Qualquer pessoa em sã consciência deseja que o país entre neste estágio. Há alguns sinais positivos, porém ainda tímidos. Mas o presidente Jair Bolsonaro tem este ano pelo menos uma grande oportunidade de dar contribuição importante para aumentar a atratividade do país a investimentos pesados e de longo prazo: a indicação de 22 nomes até o fim do ano para diretorias de agências reguladoras, organismos que têm papel estratégico para garantir a segurança jurídica de que necessitam as empresas nacionais e estrangeiras para assumir riscos em projetos principalmente na infraestrutura, onde há carências visíveis no Brasil.
Entre as agências nas quais há vagas a preencher — por indicação do presidente à avaliação do Senado — estão as dos setores de telecomunicações, de aviação civil, de transportes aquaviários, de transportes terrestres, de petróleo e de águas. Seis agências que tratam de questões fundamentais: a entrada do Brasil na nova geração da internet, a 5 G; a imoral situação do saneamento básico, de que a crise da água no Rio de Janeiro é símbolo; a ampliação e melhoria de aeroportos; e, de uma forma mais ampla, o precário escoamento da crescente produção agropecuária — mas não apenas dela —, por estradas, ferrovias e portos, onde persiste um gargalo que contribui para elevar o tal “custo Brasil”.
Bolsonaro terá de fazer indicações técnicas, por motivos explícitos. Esses organismos — de interesse público, autarquias autônomas — começaram a ser criados no Brasil durante o governo Fernando Henrique Cardoso, em decorrência do programa de privatizações. O modelo foi importado dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.
A primeira agência reguladora, de telecomunicações, a Anatel, surgiu em 1997. Nestes 22 anos, ficou estabelecido que o pior que pode haver é a interferência política nessas entidades. Destrói a credibilidade do país como receptor confiável de investimentos, porque deixa de existir segurança jurídica.
No seu primeiro governo, Lula acusou as agências de “terceirizarem” seu poder; há pouco, ao vetar artigo de nova lei das agências, Bolsonaro reclamou que desejavam transformá-lo em “rainha da Inglaterra”. Reação parecida. Preocupa, ainda, a pressão incabível feita pelo presidente sobre a Agência de Energia Elétrica (Aneel), contra a redução de subsídios à energia solar.
A definição de nomes para os 22 cargos de diretoria nas agências vai indicar se o Planalto terá entendido o peso da independência desses organismos e da segurança jurídica na tomada de decisões de investimento.
Balbúrdia no Enem – Editorial | Folha de S. Paulo
Falha no sistema é nova marca para ministério envolto em cruzada ideológica
Em mais uma demonstração da inépcia que vem assolando o Ministério da Educação, o responsável pela pasta, Abraham Weintraub, admitiu no sábado (18) a existência de erros nas notas do Enem realizado no ano passado.
O problema, de acordo com o MEC, deveu-se a uma falha da gráfica que passou a imprimir a prova em 2019, após a falência da empresa que fazia o serviço anteriormente.
Verificou-se uma inconsistência entre a identificação de alguns candidatos e a respectiva cor dos exames realizados por eles (cada cor traz uma ordem diferente das mesmas questões). Em razão disso, o sistema corrigiu testes de uma versão como se fossem de outra.
A princípio, o ministério afirmou que os problemas estariam restritos à prova de matemática e ciências da natureza, feita no segundo dia do Enem. Depois, confirmou a existência de falhas também no teste do primeiro dia.
A pasta estimou inicialmente que os erros poderiam ter afetado até 1% dos participantes, ou cerca de 39 mil alunos. Depois, baixou a estimativa para cerca de 6.000.
Embora tenha divulgado dimensões diferentes do problema, o MEC manteve o início do calendário do Sisu, sistema que seleciona alunos para as universidades públicas pela nota do Enem —as inscrições começam nesta terça (21) e foram estendidas por dois dias, até domingo (26).
Mais prudente talvez fosse dirimir completamente todas as dúvidas antes de dar prosseguimento às etapas seguintes do processo.
Mas seja qual for o universo de estudantes prejudicados, o estrago está feito. As inconsistências encontradas na correção não só abalam a imagem e a credibilidade do exame, hoje o principal meio de ingresso nas instituições federais do país, como dão margem a toda sorte de questionamentos, como a contestação das notas da redação, que não teriam sido afetadas.
Vista em perspectiva, a balbúrdia no Enem constitui apenas o problema mais recente de um ministério cujo desempenho até agora foi pífio, e que passou o último ano consumido por cruzadas ideológicas, trocas sucessivas em cargos de comando e paralisia institucional.
Não à toa, foi o fato de não ter conseguido elaborar um projeto que impediu o MEC de utilizar, em 2019, o dinheiro resgatado da Lava Jato que lhe foi repassado, ao contrário de outras seis pastas também contempladas, conforme revelou reportagem desta Folha.
Em vez de explicar a inação ministerial, Weintraub preferiu atacar este jornal e um dos repórteres que assinaram o texto.
O risco agora é que tamanho despreparo venha a macular também um avanço bem-sucedido na área educacional como o Enem.
Previsões do FMI para a economia frustram Davos – Editorial | Valor Econômico
Economia não só foi fraca em 2019, mas também teremos que contar com mais dois anos de crescimento baixo
As previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia global, divulgadas ontem no Fórum Econômico Mundial, foram um balde de água fria nas expectativas da seleta audiência reunida na simpática comuna de Davos, nos Alpes suíços. Frequentado geralmente por chefes de Estado desejosos por atrair investimentos internacionais e altos executivos interessados em se atualizar em temas de ponta, o Fórum Econômico Mundial contava com algum otimismo da parte da diretora-gerente do Fundo, Kristalina Georgieva e sua equipe.
Os mercados financeiros vinham manifestando mais animação após a assinatura do acordo que aliviou a tensão comercial entre os Estados Unidos e a China, na semana passada. Mas o FMI não pareceu compartilhar o mesmo grau de otimismo. Apesar de ter reconhecido que alguns riscos diminuíram com o anúncio da fase 1 do acordo entre Pequim e Washington e com a maior probabilidade de um acordo para o Brexit, a mensagem do FMI ao globo foi que a economia não só foi fraca em 2019, mas também teremos que contar com mais dois anos de crescimento baixo. Pelo menos até 2021, a economia deve crescer a uma taxa anual inferior aos 3,6% registrados em 2018.
Na verdade, o FMI até reduziu as projeções feitas em outubro. O crescimento esperado para 2019 foi reduzido de 3% para 2,9%. A projeção para este ano caiu 0,1 ponto, de 3,4% para 3,3%; e a estimada para 2021, recuou de 3,6% para 3,4%. Ajustes pequenos, mas com viés negativo. Ainda assim, são previsões acima das divulgadas pelo Banco Mundial há cerca de dez dias, antes do acordo comercial, quando informou esperar crescimento de 2,4% em 2019 e de 2,5% neste ano.
Kristalina Georgieva salientou que os números do FMI embutem uma estabilização e a expectativa com uma retomada, que ainda não foi detectada. Disse que quatro palavras sintetizavam a análise: “Estabilização provisória e recuperação lenta”.
A economista-chefe do Fundo, Gita Gopinath, explicou a revisão para baixo dos números pela redução do crescimento esperado para a Índia, em consequência de problemas do setor financeiro não bancário e da economia rural. A previsão para a China foi elevada em 0,2 ponto percentual, para 6% neste ano, após a retomada das negociações com os Estados Unidos. No entanto, o estrago feito pela briga de Trump com os chineses não será apagado. Gita informou que, se a fase 1 do acordo vingar, a expectativa é que o impacto negativo das tensões na redução do Produto Interno Bruto (PIB) global apenas diminuía ligeiramente, de 0,8 ponto para 0,5 ponto.
Gita também manifestou apreensão com o fato de a recuperação global estar nas mãos de economias emergentes que claramente estão sob pressão, como a Argentina, Irã e Turquia; ou vêm se comportamento abaixo do esperado, como o Brasil, Índia e Marrocos.
Na média, os mercados emergentes devem crescer 4,4% neste ano e 4,6% no próximo, em comparação com 3,7% em 2019. Já as economias avançadas devem desacelerar ainda mais, passando de 1,7% de crescimento em 2019 para 1,6% neste ano, repetindo a dose em 2021. A previsão para o Brasil, um dos poucos países cuja revisão foi para cima, é que o crescimento passará de 1,2% em 2019 para 2,2% neste ano e 2,3% em 2021. Gita comentou que as novas regras da Previdência e a queda dos juros ajudaram, mas acrescentou que outras reformas econômicas devem ser levadas adiante.
A avaliação geral é que os riscos diminuíram. Porém, ainda estão no horizonte e há outras incertezas como a tensão no Oriente Médio e problemas climáticos. Para piorar, os países dispõem de poucos instrumentos para animar a economia. Os juros estão em patamares historicamente baixos e há pouco espaço fiscal para medidas de estímulo. Desde a crise financeira global, 29 bancos centrais fizeram 71 cortes de juros, em uma política acomodatícia sincronizada, que adicionou 0,5 ponto de crescimento à economia, evitando uma recessão global, contabilizou a diretora-gerente do FMI. Ela reconheceu também que muitos países já recorreram a instrumentos fiscais.
Kristalina Georgieva sublinhou a necessidade de cooperação entre os países. Para ela, o início desta década apresenta alguns paralelos com os anos 20 do século passado, como a desigualdade acentuada, a rápida disseminação da tecnologia e riscos e prêmios elevados no setor financeiro. “Para que a analogia pare por aí e não vá além, é absolutamente crítico que os países ajam de modo coordenado e cooperativo”, salientou.
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