- Folha de S. Paulo
A indisposição de Bolsonaro com os fatos é gritante.
Já se tornou um lugar-comum classificar o governo de Jair Bolsonaro como anticientífico. Eu receio, porém, que o buraco seja mais embaixo. A administração Bolsonaro é não apenas anti-intelectual mas também pré-lógica e antifactual.
Um exemplo recente da incongruência de Bolsonaro foi o episódio do não veto ao Fundo Eleitoral de R$ 2 bilhões, que frustrou as expectativas de parte de sua base eleitoral. O capitão reformado tentou justificar sua atitude afirmando que não tinha alternativa que não a de sancionar o projeto, pois é um “escravo da lei” e que até correria o risco de sofrer impeachment caso vetasse a proposta.
Concordo que autoridades devem cumprir a lei, mas é importante notar que, num mundo onde vigora a lógica, um projeto só se torna lei após sanção ou promulgação pelo presidente. Antes disso, não cria nenhum tipo de obrigação. No mais, embora a lei nº 1.079, que regulamenta o impeachment, seja suficientemente aberta para permitir que quase qualquer estripulia seja classificada como crime de responsabilidade, ela em nenhum momento afirma, nem mesmo insinua, que um presidente não pode vetar uma proposta legislativa que lhe pareça caminhar contra o interesse público.
A indisposição do presidente com os fatos é ainda mais gritante. Na semana passada ele disse que não havia “nenhuma denúncia de corrupção” contra membros de sua equipe. É verdade que, por ora, o Ministério Público ainda não formalizou nenhuma denúncia contra nenhum ministro, mas há pelo menos três (os do Turismo, do Meio Ambiente e da Economia) que estão sendo investigados pelo parquet. O titular da Secom poderá seguir pelo mesmo caminho. E há ainda a família. O primeiro filho e a mulher aparecem como recebedores de dinheiro no que pode ser um esquema de “rachadinha”.
Bem, com um passivo desses, até que faz sentido que Bolsonaro se ponha a negar fatos e esconjurar a lógica.
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