- O Globo
O mundo das finanças quer investir em sustentabilidade, e o Brasil nada tem de bom a contar na área ambiental nos últimos tempos
O Brasil chega à Montanha Mágica de Thomas Mann, neste aniversário de 50 anos do Fórum Econômico Mundial, distante da questão central que o mundo quer discutir. O ministro Paulo Guedes tem boas novas: a reforma da Previdência foi aprovada e a trajetória da dívida pública tem uma curva mais sustentável. Mas a palavra “sustentável” tem outra amplitude hoje para quem decide para onde vai o dinheiro do mundo. O Brasil nada tem a contar de bom sobre a questão ambiental desde a última visita de Guedes a Davos.
A montanha que foi cenário do belo livro de Mann — publicado no tempo de definições e escolhas do pós-guerra — recebe de novo o mundo das altas finanças, como faz anualmente desde 1970. Neste tempo muita coisa mudou, principalmente a noção de risco e lucro. O banco suíço UBS preparou um estudo com o título “Tornando-se consciente do clima”. O objetivo é ajudar os clientes a construir um portfólio de investimentos para atingir suas metas de redução das emissões. Segundo o banco, citando estudos da OCDE, há um gap financeiro de US$ 90 trilhões para investimento em infraestrutura para que o mundo atinja as metas do Acordo de Paris. “Os investidores precisam de ferramentas e técnicas para guiar a alocação de capital e o UBS desenvolveu esse Guia de Conscientização Climática para ajudá-los a alcançar suas metas”, diz o longo texto de 60 páginas.
Na semana passada, a carta anual de Larry Fink aos principais executivos globais deixou claro que o dinheiro está procurando novos destinos. Ele é o executivo da BlackRock, a maior gestora de recursos do mundo, com US$ 7 trilhões, e mostrou que está de olho nas ruas. “A mudança climática se tornou um fator definidor das perspectivas de longo prazo das companhias. No último setembro, quando milhões de pessoas tomaram as ruas exigindo ação contra a mudança climática, muitas delas enfatizaram o impacto significativo e duradouro que ela terá no crescimento econômico e na prosperidade.” Segundo Larry, este é um risco que os mercados têm demorado a responder, mas “a consciência está mudando rapidamente e eu acredito que nós estamos à beira de uma reformatação fundamental das finanças”.
No idioma do mundo dos negócios, isso quer dizer que eles saíram das análises para a tomada de decisão. Cada grande investidor colocará seu dinheiro na economia de baixo carbono e na transição que terá que ser feita. O tema saiu dos cenários e foi para o concreto mundo da alocação de recursos.
O gestor Adriano Cantreva, sócio da Portofino Investimentos, já foi diretor do Itaú, fundador da XP Securities e está há muitos anos morando nos Estados Unidos. Em entrevista a Alvaro Gribel, desta coluna, ontem, em São Paulo, elogiou os avanços do Brasil na área econômica, mas tem outras preocupações. Uma delas é com os erros do país na área ambiental:
— É claro que tem efeito econômico sobre o Brasil a postura em relação ao meio ambiente. Quando você pega um nome como Larry Fink, da BlackRock, que está entre os top 10 do mundo, falando que vai privilegiar o meio ambiente, é porque este é um caminho sem volta. Isso vai influenciar uma série de outros fundos menores. É uma cultura irreversível.
A segunda preocupação dele é com a área de educação:
– Vejo com otimismo o futuro do Brasil, mas me preocupa a educação. E me preocupa muito a agenda ambiental do governo, acho que essa é uma estratégia que o país só tem a perder.
Um dos painéis em Davos será sobre a Amazônia. O governo do Brasil estará ausente. O brasileiro presente será o climatologista Carlos Nobre, o que é uma boa notícia, pela relevância que ele tem no mundo científico. A ausência do governo é até um alívio. Se o ministro do meio ambiente estivesse presente seria pior. O problema grave, contudo, é a falta de sintonia do Ministério da Economia com essa agenda. E ela não é apenas uma moda passageira. Veio para ficar.
Hans Castorp, o protagonista do livro de Thomas Mann, desembarca na aldeia de Davos, desavisado, achando que seria uma breve visita. “Não lhe bastarão para isso os sete dias de uma semana, nem tão pouco os sete meses. Melhor será que ele desista de computar o tempo que decorrerá sobre a Terra, enquanto esta tarefa o mantiver enredado”, escreveu o grande escritor alemão. Assim, definitivo, chegou esse tema na agenda da economia.
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