segunda-feira, 30 de novembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Os múltiplos desafios do prefeito – Opinião | O Estado de S. Paulo

Num país até recentemente marcado pela disputa extremista de esquerda e direita, reeleição de Covas é indicativo de que tempo das aventuras passou

A reeleição do prefeito Bruno Covas em São Paulo significa que os paulistanos estão razoavelmente satisfeitos com sua administração, ainda mais considerando as circunstâncias excepcionais criadas pela pandemia de covid-19. Confirmado pelas urnas, Bruno Covas terá pela frente o imenso desafio de não somente lidar com a possibilidade de uma nova onda de contaminações, mas principalmente de proporcionar as condições para que a cidade se recupere desse imenso baque.

O Estado mostrou, em sua edição de ontem, uma lista com os dez principais problemas com os quais o prefeito Bruno Covas terá que lidar. Chama a atenção o fato de que vários deles são recorrentes há muitos anos – ou seja, já está mais do que na hora de superá-los.

Não há uma hierarquia dos temas, mas é inevitável colocar entre os mais importantes o sistema de saúde no Município, que está sob forte tensão em razão da pandemia. Há falta de médicos e de outros profissionais de saúde para trabalhar com um sistema cada vez mais demandado, o que provoca filas crônicas para exames, consultas e cirurgias.

Também por causa da pandemia, a educação deve ser prioridade da próxima administração, sobretudo porque a crise sanitária escancarou a desigualdade nesse setor. A nota do Município no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é apenas a 10.ª melhor entre as capitais, o que não condiz com a riqueza da metrópole paulistana. Urge uma ação decisiva para que as escolas nos bairros mais pobres ofereçam melhores condições para reduzir o fosso socioeconômico na cidade.

A desigualdade econômico-social, contudo, é muito mais ampla e tem de receber atenção redobrada do poder público, como mostra, aliás, a boa votação recebida pelo candidato Guilherme Boulos (PSOL), cuja campanha foi centrada nesse tema. O Mapa da Desigualdade mostra, por exemplo, que somente 18,1% da população paulistana mora num raio de até 1 km de alguma estação de trem ou metrô, e a maior parte desses afortunados vive no centro.

O transporte, a propósito, continua a ser um setor com problemas crônicos – atrasos, má qualidade do serviço e uma malha insuficiente – e, como mostrou o Estado, é subfinanciado e fortemente subsidiado. O modelo atual aumenta a remuneração das empresas prestadoras do serviço mesmo que este seja de má qualidade – a tarifa sobe enquanto os ônibus estão cada vez mais lotados.

Outro problema urgente é o habitacional. A quantidade de moradores de rua aumentou significativamente, como pode atestar qualquer um que passe pela região central, como resultado direto da crise causada pela pandemia. Se por um lado é preciso atuar com firmeza para atender essa população, dando-lhe dignidade e proporcionando condições para que possa trabalhar e se sustentar, por outro lado é igualmente urgente enfrentar o déficit habitacional, que condena milhões de paulistanos a viver em favelas ou então muito longe da região onde trabalham.

Por fim, mas não menos importante, é preciso aumentar e melhorar a qualidade dos investimentos públicos em São Paulo. Há recorrente redução desses investimentos nos últimos anos, sob as mais diversas desculpas. Está na hora de aperfeiçoar não apenas a arrecadação, com criatividade e eficiência, mas principalmente a distribuição dos recursos, cujo controle atual é muito precário.

A reeleição do prefeito Bruno Covas indica uma aposta na continuidade, sem aventuras orçamentárias nem mudanças radicais. O paulistano escolheu o caminho conhecido, pautado pela moderação e pela serenidade. Num país até recentemente marcado pela disputa extremista entre esquerda e direita, esse desfecho é um claro indicativo de que o tempo das aventuras passou. 

Os problemas são tantos e tão desafiadores que demandam administradores que conciliam os sonhos de uma cidade melhor com a noção dos limites impostos pela realidade. Que o prefeito Bruno Covas tenha sabedoria, nos próximos quatro anos, para estimular soluções criativas e inteligentes para os múltiplos desafios que acaba de receber. A pujança de São Paulo fará o resto.

O espectro da fome – Opinião | O Estado de S. Paulo

Até o fim de 2020, 5,4 milhões de brasileiros devem cair na vala comum da miséria.

Ante o impacto planetário da pandemia, a atribuição do Prêmio Nobel da Paz para o Programa Mundial de Alimentos da ONU (WFP, na sigla em inglês) foi mais que oportuna. A principal agência humanitária das Nações Unidas responde pelo maior programa de combate à fome no mundo. Como notou a própria entidade, o prêmio é um “poderoso lembrete de que a paz e a erradicação da fome são indissociáveis”.

Em todo o mundo, cerca de 821 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar. São 135 milhões que passam fome, e a eles se juntarão mais 130 milhões. Ou seja, a fome dobrará.

A situação no Brasil também é alarmante. Em 2004, 35% dos domicílios estavam em situação de insegurança alimentar. Essa parcela chegou a cair para 22,6% em 2013. Agora, porém, como alertou ao Estado Daniel Balaban, chefe do escritório brasileiro do WFP, o País caminha “a passos largos” para voltar ao Mapa da Fome. Os passos foram alargados com a pandemia, mas começaram a ser trilhados bem antes dela. Com a recessão de 2014, milhões de domicílios passaram para o estado de insegurança alimentar, chegando a 36,7% do total em 2018. Em cinco anos, a fome aumentou 43,7%. Até o fim de 2020, 5,4 milhões de brasileiros devem cair na vala comum da miséria, totalizando quase 15 milhões, 7% da população.

Os desafios mais dramáticos enfrentados pelo WFP no mundo vão muito além dos problemas que afligem o Brasil, envolvendo a atuação em zonas de conflito onde a fome chega a ser utilizada como arma para aniquilar populações tidas por inimigas. Mas há os desafios análogos. O Comitê do Nobel apontou que o prêmio ao WFP também simboliza a “necessidade de solidariedade e multilateralismo”. O que o multilateralismo é no cenário internacional, a cooperação federativa é no nacional. “O grande drama é que não há uma unicidade, um comando que lidere o Brasil como um todo para sair desta pandemia”, alertou Balaban. “O governo federal tem uma linha difusa, não sabe se apoia ou não a OMS, se apoia ou não a quarentena.”

Outra diferença em relação às calamidades enfrentadas pelo WFP é que a fome no Brasil não é causada pela falta de comida, mas de dinheiro. Em relação a políticas públicas, não há como exagerar a importância deste fato, mas também não se pode minimizar o escândalo nele implícito: o País produz muito mais do que o suficiente para alimentar toda a população – é um dos maiores exportadores de alimento do mundo – e ainda assim milhões de famílias passam fome.

O auxílio emergencial mostrou a importância de construir uma salvaguarda contra a miséria. Em razão dele, segundo a FGV Social, o número de pobres caiu 23,7%, mas com o fim do programa esse contingente voltará à pobreza. O Planalto tenta elaborar um novo programa de renda mínima – se não por mais nada, pelo seu valor eleitoral –, mas, como sempre, de maneira desarticulada e inepta. O governo já propôs de tudo, até medidas ilegais, como o uso de precatórios, mas reluta em encampar mudanças estruturais que poderiam reduzir gastos (como a reforma administrativa, o Pacto Federativo ou a PEC dos gatilhos emergenciais), ou promover mecanismos distributivos (como a reforma tributária), ou reduzir a dívida pública (desestatização).

Como disse o Papa Francisco em sua encíclica Todos irmãos: “Ajudar os pobres com dinheiro deve sempre ser um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objetivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho”. Mas, se os quadros do governo batem cabeça para garantir um programa de renda que lhe garanta a reeleição, não há nada remotamente parecido com um roteiro de recuperação, produtividade, trabalho e educação.

Os cavaleiros do apocalipse jamais cavalgam sós. Com a peste, vem a fome; e com elas, a guerra e a morte. O Brasil não é assolado por conflitos civis, mas a criminalidade é devastadora. Se o flagelo do crime não pode ser reduzido à carência material, ela é sem dúvida a sua mola principal. Não é admissível que na 9.ª maior economia do mundo tantas pessoas morram pela fome ou pela bala.

Entre o desemprego e a fantasia – Opinião | O Estado de S. Paulo

Desemprego bateu recorde, mas o ministro Paulo Guedes vive em outro mundo.

Na Ilha da Fantasia onde vive o ministro Paulo Guedes falta lugar para os 14,1 milhões de desempregados do terceiro trimestre, número registrado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Podemos terminar o ano perdendo zero empregos”, disse o ministro na quinta-feira, um dia antes de sair o novo balanço trimestral do mercado de trabalho. Ele estava comemorando a abertura de 349.989 vagas formais em outubro, registradas no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Parte desses empregos é apenas sazonal. Além disso, os números acumulados em 2020 ainda eram negativos, com 171.139 postos fechados – e os da Pnad Contínua eram muito mais feios.

Se vivesse fora da Ilha da Fantasia, o ministro poderia ter lembrado um fato bem conhecido. Quando um país sai de uma recessão, o emprego normalmente se recupera mais devagar que o conjunto das atividades. Para repor as empresas em movimento, os funcionários trabalham mais duramente. Assim, o aumento de produtividade torna dispensáveis, por algum tempo, novas contratações. Esse argumento daria conta de uma parte dos fatos. Mas as pessoas mais atentas ainda sentiriam falta de uma resposta para o dado mais impressionante.

Alguma defasagem entre a retomada econômica e a recuperação do emprego pode ser normal, mas a história observada no Brasil é diferente. Não houve, no terceiro trimestre, apenas uma reação mais rápida do consumo e da produção industrial. Houve aumento do desemprego, uma hipótese negligenciada nos manuais. E esse aumento foi notável por mais de uma razão.

A desocupação de 14,6% no trimestre de julho a setembro foi a maior da série iniciada em 2012. Em vez de simplesmente se prolongar, o desemprego aumentou 1,3 ponto porcentual entre o segundo e o terceiro trimestres e atingiu um recorde. Nesse intervalo, a população desocupada aumentou 10,2% (mais 1,3 milhão de pessoas) e passou a ser 12,6% superior à de igual período de 2019.

Esse recorde foi só um dos fatos notáveis. A população ocupada chegou ao nível mais baixo da série histórica. A taxa de ocupação, de 47,1% da população em idade de trabalhar, também foi a menor da série. As pessoas ocupadas foram pela primeira vez menos de metade do contingente disponível.

Mais que um descompasso, houve um trágico desencontro, nesse período, entre a atividade econômica e as condições de emprego. No terceiro trimestre a economia produziu 7,5% mais que no segundo, de acordo com o Monitor do PIB - FGV. Pela estimativa do Banco Central, divulgada alguns dias antes dos cálculos da FGV, a atividade havia sido 9,5% maior que a do período de abril a junho. Os dados oficiais do Produto Interno Bruto de junho a setembro devem ser divulgados dia 3 pelo IBGE.

Os números devem confirmar uma forte reação, embora talvez insuficiente para compensar a queda do segundo trimestre. As estimativas divulgadas indicam essa insuficiência, semelhante àquela observada em dezenas de países. Em muitas dessas economias as condições de emprego melhoraram, embora permaneçam danos causados pela crise. Nos 37 países da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), o desemprego médio em agosto, de 7,4%, já era 0,6 ponto menor que o de julho. Continuava superior ao de fevereiro, mas a redução havia começado.

No Brasil, o número oficial do desemprego mostra só uma parte do problema da ocupação. Quando se juntam desempregados, ocupados por tempo insuficiente, desalentados e ainda a chamada força de trabalho potencial, chega-se a 33,2 milhões de indivíduos. O drama ficaria ainda mais visível com a adição dos empregados sem carteira assinada (9 milhões).

A política de reativação pouco se ocupou do emprego. Só um exemplo: micro e pequenos empresários, muito importantes para a criação de vagas, continuam com muita dificuldade para conseguir crédito. Mesmo na Ilha da Fantasia esse fato deve ser conhecido. Muito menos percebido, lá, é o drama do desemprego.

Vitória de Paes traz oportunidade para o Rio se reerguer – Opinião | O Globo

Desta vez, porém, ele não terá a mesma bonança do passado: administrará uma cidade falida

A vitória previsível e avassaladora de Eduardo Paes sobre Marcelo Crivella — com 64% dos votos válidos — foi na verdade um plebiscito sobre o atual prefeito, que não suportou o peso da rejeição a sua gestão sofrível. Foi, nas palavras de Paes, um “não contundente” a Crivella. Os votos confirmaram a preferência do eleitorado por um nome que administrou a cidade em dois mandatos consecutivos (de 2009 a 2016), num período de bonança. Agora, o ex-prefeito que soube aproveitar bons ventos do passado encontrará na volta ao Palácio da Cidade o desafio de governar sem dinheiro, rodeado de déficits, em plena pandemia.

É indiscutível que a imagem do vitorioso de ontem tem mais a ver com o Rio que a do derrotado. Mas só imagem não basta. Em seu governo, Paes se beneficiou dos projetos da Olimpíada e da Copa do Mundo. Aproveitou o trânsito nos governos Lula e Dilma para financiar obras de infraestrutura de transporte e iniciar a revitalização do Porto, empreendimento estratégico que não interessou a Crivella. Agora prefeito novamente, eleito ontem para um terceiro mandato, Paes terá de encontrar uma maneira de dizer a seu 1,6 milhão de eleitores que aquele tempo de bonança não voltará.

A situação financeira do Rio é precária, em virtude de um governo sem preparo para enfrentar a conjuntura ingrata. Em 2019, as contas da prefeitura fecharam com um buraco recorde acima de R$ 4 bilhões, terceiro ano consecutivo de déficit. Este ano a prefeitura continuará no vermelho, tanto que Crivella alertou que não terá como pagar em dia a primeira parcela do 13º salário. Tenta, ainda, uma operação bancária para antecipar receitas dos royalties do petróleo, a fim de cobrir um buraco de R$ 1 bilhão no Fundo de Previdência do Município (Funprevi).

Será uma herança pesada para Paes. Nesse cenário de terra arrasada, o novo prefeito precisará exercitar sua capacidade de articulação com o setor privado, em busca de parcerias que prescindam de dinheiro da prefeitura. A desorganização no governo Crivella pode, paradoxalmente, ser uma vantagem. Permite que um gestor experimentado como Paes possa, num primeiro momento, melhorar os serviços à população sem grandes gastos.

A eleição dele foi uma aposta nítida do carioca na gestão. A última eleição que Paes perdeu, não custa lembrar, foi para Wilson Witzel, eleito na onda antipolítica, apresentado como símbolo da renovação, depois retirado do cargo num processo de impeachment sob acusações de corrupção. Witzel, também não custa lembrar, derrotou-o em 2018 ao enfatizar as ligações de Paes com o grupo corrupto de Sérgio Cabral. Crivella tentou, mas não deu certo. A memória de um momento mais feliz na história do Rio falou mais alto.

O principal desafio do novo prefeito, além da urgência na saúde, habitação, segurança ou transporte urbano, é lidar com essa expectativa, já que hoje o cenário é outro. Paes precisará criar condições institucionais para preservar as eventuais conquistas, de modo que o sonho não acabe outra vez numa melancólica quarta-feira de cinzas.

A dificuldade dos ‘postes’ para irradiar luz própria depois de eleitos – Opinião | O Globo

Padrão se repete na América do Sul: uma vez na Presidência, as criaturas se voltam contra os criadores

Uma peculiaridade sul-americana é a profusão de ex-presidentes que usaram sua força para eleger substitutos e, pouco depois, se tornaram inconvenientes aos eleitos. É o que ocorre na Argentina, com o presidente Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner. Repete-se na Bolívia, com Luis Arce e Evo Morales; na Colômbia, com Iván Duque e Álvaro Uribe; e no Equador, com Lenín Moreno e Rafael Correa, estes já rompidos.

No Brasil, os eleitos sob patrocínio de líderes fortes nas urnas são conhecidos como “postes”. Os exemplos do continente mostram a dificuldade dos que chegam ao poder como “postes” para irradiar luz própria. O traço comum é uma encruzilhada: ou governam ou se submetem à tutela dos ex-presidentes, cuja popularidade vem dos tempos da economia turbinada pela valorização das commodities no início do século.

O caso argentino é eloquente. Fernández preside, mas Cristina governa, dizem os peronistas ao definir o comando de um país falido, imerso numa crise social sem precedentes. Ela foi decisiva para elegê-lo ano passado. Hoje nenhum dos dois esconde os conflitos na condução do governo — o objetivo dela é controlar o Judiciário, onde enfrenta várias acusações de corrupção.

Fernández reestruturou a dívida externa, mas não resgatou a economia, por interferência atribuída a Cristina, que também preside o Senado e controla a bancada governista. Foi preciso um Maradona morto para reuni-los em público depois de semanas distantes. Mesmo assim, se limitaram à cena protocolar na despedida do craque, quinta-feira na Casa Rosada.

Na Bolívia, Luis Arce nem completou o primeiro mês de governo, já se sente obrigado a reafirmar diariamente sua autoridade em relação a Evo Molares, chefe do MAS, coalizão cocalero-socialista hegemônica no país na última década e meia. É um tipo de missão quase impossível, ensina a Colômbia de Iván Duque, onde cada decisão é tomada sob o olhar tenso do “aliado” Álvaro Uribe, ex-presidente envolvido em escândalos e candidato em 2022.

No Equador, Rafael Correa tentou a fórmula do “poste” com o vice Lenín Moreno. Deu errado. Moreno se tornou adversário ao estimular as investigações do braço local da Lava-Jato. Correa acabou em autoexílio na Bélgica, condenado por corrupção em obras da Odebrecht. Mas conserva algum prestígio eleitoral e resolveu tentar de novo: Andrés Arauz será o seu novo “poste” na eleição de fevereiro.

É a mais nova aposta eleitoral de um cacique político sul-americano, que mantém poder sem a responsabilidade do governo. A degradação institucional que deriva desse personalismo, não raro misturado a escândalos de corrupção, não traz um bom sinal à democracia no continente.

SP, dedicação integral – Opinião | Folha de S. Paulo

Covas venceu com atenção a temas locais; votação de Boulos ressalta demandas

A vitória de Bruno Covas (PSDB), 40, para a Prefeitura de São Paulo, embora tecnicamente uma reeleição, representa também a sua primeira passagem como protagonista pelo rito consagrador das urnas num pleito majoritário. Os desafios a sua frente serão gigantescos.

Não bastassem os problemas habituais de uma metrópole de 12,3 milhões de habitantes, ainda longe em sua grande maioria de ostentarem padrões de renda e bem-estar das capitais do mundo rico, há o impacto sanitário e econômico da pandemia de coronavírus.

Dentre os fatores que parecem ter levado à prevalência do tucano neste domingo (29) —quando se tornou o segundo a ser reeleito na capital— está justamente a atuação na crise. A melhora da sua popularidade vincula-se à aprovação pela população das ações municipais contra a onda infecciosa.

Essa decerto é uma história que ainda está para ser contada em sua totalidade, e os próximos dias serão decisivos para isso, pois a cidade saberá se as autoridades retardaram a adoção de medidas restritivas por motivos eleitorais. Ainda assim, o contraste com a irresponsabilidade e a inépcia do governo do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia é patente.

Apesar de relativamente jovem, Bruno Covas teve a oportunidade de observar e conviver com políticos experientes, com os quais espera-se que tenha aprendido que lições não se tiram apenas das derrotas, mas também das vitórias.

Cabe-lhe detectar no bom desempenho de seu adversário, Guilheme Boulos (PSOL), demandas mal atendidas de largos segmentos da população por mais equidade no desfrute das facilidades urbanas.

Combater a desigualdade também significa interferir em dispositivos cegos que produzem moradias precárias e distantes, além de transporte deficiente, para milhões de paulistanos. Requer creches de qualidade nas periferias, e não depósitos de crianças pequenas.

A segunda lição dessa eleição para Bruno Covas é política. O prefeito poderia ter tido caminho mais suave nas urnas se dois de seus correligionários e antecessores no cargo, José Serra (2006) e João Doria (2018), não tivessem abandonado a prefeitura com menos da metade do mandato cumprido para candidatar-se ao governo estadual.

São Paulo é grande e complexa o bastante para exigir do prefeito dedicação integral à tarefa administrativa. A derrota de Serra na disputa da prefeitura em 2012 e a grande rejeição a Doria na capital atestam esse fato de modo cristalino.

Quem assume sem compromisso acaba queimado na grande fogueira de carreiras políticas que tem sido a prefeitura paulistana. Que Bruno Covas absorva o ensinamento e faça bom governo.

Mordaça judicial – Opinião | Folha de S. Paulo

Casos de censura a publicações despertam, felizmente, a reação da democracia

A Constituição de 1988 proíbe a censura sem margem para nuances. “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”, determina seu texto. Casos recentes de mordaça judicial, porém, reencenam abusos autoritários ao violar tal princípio.

Na semana passada, a Justiça do Rio de Janeiro determinou que o escritor João Paulo Cuenca deletasse sua conta no Twitter. O motivo foi Cuenca ter parafraseado Jean Meslier, autor do século 18, ao publicar que “o brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal”.

A censura, além de inconstitucional, fundamenta-se em razões nebulosas. O juiz Ralph Machado Manhães Junior, da comarca de Campos dos Goytacazes (RJ), decidiu pelo banimento da conta do escritor por entender que “no caso em tela, há a extrapolação” da liberdade de expressão.

Quando o Judiciário se aventura a demarcar na areia os limites da liberdade alheia, corre o risco de calar aqueles que deveria proteger.

Segundo sua defesa, Cuenca é alvo de ao menos 134 processos iniciados por religiosos em cidades de 21 estados. Trava-se uma guerra jurídica na qual perde a democracia.

A repulsa à decisão do juiz independe de concordar ou não com a a afirmação que a originou. Sob a alegação de proteção a um sentimento religioso difuso, a medida tutela, sem respaldo legal, o que pessoas podem dizer e como.

Veículos de imprensa por vezes são vítimas do mesmo afã censor. Reportagem do Intercept Brasil, de 13 de novembro, foi retirada do ar pela Justiça Eleitoral do Amazonas.

Na peça, contava-se que Ricardo Nicolau, candidato derrotado à Prefeitura de Manaus, valera-se de acesso privilegiado a um hospital municipal para gravar vídeo para sua campanha. Relações pouco republicanas entre o Judiciário e políticos locais, segundo o Intercept, tornam a história ainda mais obscura e digna de investigação.

Difícil imaginar que intervenções autoritárias desse tipo possam sobreviver a instâncias superiores. A justificativa, comum no meio jurídico, de que se trata de responsabilização posterior, e não censura prévia, é só um eufemismo.

Além de inconstitucionais, tais arroubos de magistrados se mostram contraproducentes para os fins imaginados. A censura de um conteúdo tende, isso sim, a aumentar exponencialmente seu alcance, em feliz reação da democracia.

Agenda fiscal requer urgência do Executivo e do Legislativo – Opinião | Valor Econômico

Sem votação da LDO, governo não poderá realizar gastos a partir de 1º de janeiro

Independentemente do resultado do segundo turno das eleições municipais, o governo e o Congresso a partir de hoje têm o desafio de até o fim do ano dar sinalizações importantes para os rumos da economia brasileira, em especial da política fiscal.

Os gastos realizados ao longo desta pandemia elevaram a incerteza envolvendo a sustentabilidade da dívida bruta, que já supera 90% do Produto Interno Bruto (PIB). A dívida líquida, que inclui ativos como as reservas internacionais, também vem subindo e já ultrapassou os 60% do PIB, mais um sinal de perigo.

É verdade que o aumento no endividamento é um processo generalizado no mundo. Decorre dos elevados gastos exigidos principalmente nos primeiros meses da pandemia. Mas também é verdade que o Brasil já partiu de uma posição pior, com uma dívida alta para países emergentes, o que dá menor margem para acionar políticas anticíclicas.

Nesse quadro, faz parte do processo um aumento na inquietação de investidores. E isso se manifestou na chamada “inclinação da curva de juros”, que ficou mais “empinada”. Ou seja, com um aumento na distância entre as taxas de curto prazo e as de longo prazo. Tal situação acaba implicando em maior custo de financiamento da dívida, empurrando o Tesouro para um processo de encurtamento de prazos, o que reforça o ciclo de piora na percepção de risco.

Felizmente, apesar das turbulências e volatilidades recentes, o Tesouro conseguiu fazer um volume grande de emissões em outubro, aumentando sua posição de caixa. Isso, somado a medidas como o repasse do lucro do BC, que ainda não foi todo usado pela União, e à volta das devoluções de recursos do BNDES no ano que vem, sinaliza que os fortes vencimentos do início de 2021 serão honrados sem maiores problemas.

Não há, contudo, motivo para conforto. O terreno ainda está minado e é preciso solucionar uma série de questões fiscais o mais rápido possível. Por isso, espera-se que as articulações para a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) sejam retomadas. Esse instrumento precisa ser votado o quanto antes.

É chocante que parlamentares tenham se enredado em uma briga que impediu, a esta altura do ano, a criação da Comissão Mista de Orçamento (CMO). Pelo calendário legal, a LDO deveria ter sido instalada antes do recesso do meio do ano. A pandemia é uma desculpa muito pobre para isso não ter ocorrido. E usar a CMO como instrumento de disputa pela presidência da Câmara é algo a se lamentar, em especial em uma conjuntura como a atual. É importante destacar que sem ela aprovada o governo não poderá fazer qualquer despesa a partir de 1º de janeiro. Não há previsão de regra para se executar um Orçamento que não foi aprovado.

Esta, aliás, é outra medida necessária, embora, se a LDO for votada, a urgência se torna menor porque pelo menos a execução mínima de despesas estará garantida.

Além dessa urgência de curto prazo, o governo e o Congresso precisam dar um sinal de que estão resolvendo a sustentabilidade fiscal de longo prazo. É preciso, assim, que se avance nas discussões sobre as PECs do Pacto Federativo e Emergencial. É importante mostrar aos investidores que está se buscando controlar despesas e ajustar as contas do governo de maneira permanente, também viabilizando a sustentação do teto de gastos por mais algum tempo.

No entanto, é preciso pensar também na agenda de crescimento. Há uma dúvida sobre como será o comportamento da economia a partir de janeiro, quando em tese deverão ser retirados os estímulos fiscais. A equipe econômica aposta que o investimento privado virá e dará conta do recado, basta continuar aprovando a agenda regulatória, mas muitos analistas temem o chamado “abismo fiscal”.

É difícil saber, ainda mais diante do risco de uma segunda onda do coronavírus no Brasil. Seria interessante, portanto, que a pasta da Economia abrisse mais claramente qual seria o tamanho do pacote, caso houvesse a necessidade de nova atuação do Estado, na hipótese de segunda onda. Nos bastidores, falou-se entre 1% e 2% do PIB, mas não houve qualquer anúncio.

O fato é que há muitas incertezas e é preciso diminui-las. Os congressistas devem, junto com o ministro Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro, entender a urgência de se transmitir sinais firmes sobre esta agenda. Reduzindo-se a incerteza, o cenário não deixará de ser complexo, mas certamente será mais fácil resolver os inúmeros problemas do país.

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