A
não obrigatoriedade da vacina é o novo mote identitário de Bolsonaro
Vínculos
identitários para serem duradouros necessitam de novas e constantes narrativas
polarizadas que reforcem conexões de lealdade entre seus membros.
Funcionam como elos que dão a sensação de aconchego e pertencimento. Também
atuam como barreiras de proteção contra informações que contrariem as crenças e
preferências do grupo. Como consequência, tendem a desenvolver hostilidades e
aversão a valores e crenças de grupos rivais podendo até enxergá-los como
inimigos.
Contrariando
suas promessas de campanha, o presidente Jair
Bolsonaro se aproximou dos partidos do chamado Centrão em
busca de uma coalizão mínima que garantisse sua sobrevivência política. Além do
mais, moderou o tom de seu discurso como uma forma de diminuir animosidades com
outros poderes que caracterizaram o início do seu mandato.
Essas mudanças deram fôlego governativo ao presidente, mas paradoxalmente enfraqueceram suas conexões identitárias ao deixar sua base conservadora dispersa e sem referências. Percebendo a derrota iminente que seus candidatos sofreriam nas eleições municipais, Bolsonaro teve de encontrar, mesmo que tardiamente, um novo mote que reconectasse suas identidades polares com a sua base mais fiel.
A
nova face da polarização política no Brasil parece ser a obrigatoriedade da
vacina contra a covid-19. Essa é uma das evidências que acabam de ser reveladas
pela terceira rodada da pesquisa de opinião sobre os impactos políticos da
pandemia, que venho desenvolvendo com os colegas Amanda Medeiros e Frederico
Bertholini, com o apoio da FGV e do Estadão.
Das
4.569 respostas válidas obtidas na pesquisa, 58% dos respondentes são
favoráveis a que a vacina seja administrada de forma obrigatória aos
brasileiros, 34% são contrários e 8% não sabem ou não responderam.
Como
pode ser observado na figura 1, a distribuição dessa preferência é
extremamente polarizada. A grande maioria dos que aprovam a performance do
governo Bolsonaro (ótimo e bom, 20%) é contra a obrigatoriedade da vacina
(84%). No extremo oposto, a grande maioria dos que reprovam o desempenho do
governo (ruim e péssimo, 71%) defende que a vacina seja obrigatória (74%).
Para
se ter uma ideia do impacto político desse tema, perguntamos aos respondentes
se eles pretendem votar na reeleição de Bolsonaro em 2022. A figura 2 mostra
que, como esperado, a esmagadora maioria dos que defendem a reeleição do
presidente (pró-Bolsonaro, 18%) são terminantemente contra a obrigatoriedade da
vacina (81%). Por outro lado, a maioria dos eleitores que não votariam em
Bolsonaro em nenhuma circunstância (anti-Bolsonaro, 65%) defendem que a vacina
seja obrigatória (76%). Existe ainda uma parcela não trivial de eleitores
(anti-esquerda, 17%) que consideram votar na reeleição do presidente apenas se
for para evitar a vitória do PT ou outro candidato de esquerda no segundo
turno. Para esse grupo de eleitores supostamente decepcionados com o
Presidente, a preferência em relação a obrigatoriedade da vacina não é
polarizada (54% não e 37% sim).
O
presidente tem defendido que a vacinação é um direito individual ao afirmar que
“quem não tomar a vacina está fazendo mal para si mesmo e não para os outros”.
Nas suas próprias palavras, quem defende a vacinação obrigatória é um
“ditador”... “Não vou tomar, é um direito meu”, disse ele. Entretanto, para que
uma vacina surta o efeito imunizante é necessária uma cobertura mínima. No caso
específico do coronavírus, estudos indicam que, para alcançar uma eficácia de
80%, seria necessário a aplicação da vacina em pelo menos 75% da
população.
Independentemente
da recomendação científica, parece que Bolsonaro não consegue prescindir da
polarização.
* Cientista político e professor titular da FGV Ebape
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