Engels
nasceu em Barmen, na Alemanha, em 28 de novembro de 1820. Teve uma formação
cosmopolita. Fez o serviço militar em Berlim, em 1841, quando passou a conhecer
as ideias de Hegel, e integrou-se ao grupo dos Jovens Hegelianos, sob a
liderança de Bruno Bauer. Após o serviço militar, retornou a Barmen e, por
imposição paterna, foi para a Inglaterra, em 1842, para a cidade de Manchester,
berço da Revolução Industrial.
A paixão
revolucionária tomou conta dele, desde jovem.
Quando chegou à Inglaterra, sob a influência de Moses Hess, que conheceu
em Berlin, suas ideias já eram socialistas. Em Manchester, foi trabalhar na
indústria têxtil, em uma fábrica que o pai tinha em sociedade com ingleses. Sua
permanência em território britânico, o contato permanente com trabalhadores industriais,
com o próprio movimento Owenista e Cartista e os seus próprios estudos sobre a
situação dos operários naquele país, levaram à análise e à publicação, em 1845,
do seu primeiro livro: A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra, quando
tinha 24 anos incompletos. Trata-se de um clássico sobre a situação precária das
atividades laborais nas fábricas inglesas, no século XIX, envolvendo também o
trabalho infantil, da mulher e das desumanas jornadas laborais.
Foi quando
conheceu a operária irlandesa Mary Burns, que se tornou sua companheira e muito
lhe ajudou no conhecimento da realidade dos trabalhadores ingleses, irlandeses
e do movimento operário na Inglaterra. Assim, além da atividade fabril, viveu
plenamente o mundo dos trabalhadores, o que foi fundamental para seu trabalho
intelectual e revolucionário.
Então,
Engels chegou à conclusão que a classe operária, surgida com a Revolução
Industrial, era o ator decisivo para a construção da Sociedade Futura, a
Sociedade Comunista.
Depois
de Manchester, viveu na Bélgica e na França, onde teve o primeiro efetivo
encontro com Karl Marx, no outono de 1944, no Café La Regence, em Paris. Desde
então, iniciou uma parceria intelectual e uma amizade que se estenderam por
toda a vida, tendo participado ativamente do processo político-revolucionário
de construção dos fundamentos, na maioria das vezes em parceria com o próprio
Marx, do que, a partir da morte deste e dele próprio, passou a ser conhecido
como Marxismo.
A
Sagrada Família foi o primeiro livro escrito junto por eles e publicado ainda
em 1845. Nesse período, afastaram-se do materialismo de Feuerbach e dos Jovens
Hegelianos, construindo uma original concepção materialista, dialética, da
história. Na Ideologia Alemã, trabalho realizado no período 1845-1847, eles
fazem uma síntese desta concepção. Ainda
desse período são os trabalhos de Engels sobre economia política e a relação
entre a Revolução Industrial e o desenvolvimento de uma consciência dos
trabalhadores como classe na Inglaterra, contribuição que foi muito valorizada
por Marx.
Desafiados pela internacionalização do movimento dos trabalhadores, os dois começaram a participar da Liga dos Justos, na seção alemã posteriormente Liga dos Comunistas. No ano em que lançaram O Manifesto Comunista, ocorreu a Revolução de 1848, na França, que se estendeu por uma boa parte da Europa. Eles retornaram à Alemanha, onde participaram do movimento revolucionário até à vitória da contrarrevolução. Trabalharam no jornal Nova Gazeta Renana, período em que Engels começou a se interessar pela questão militar, objeto de pesquisa dele por toda a vida. Suas impressões sobre a revolução e a contra-revolução na Alemanha estão registradas em artigos para o New York Daily Tribune (1851-1852), assinados por Marx.
Depois
da derrota da Revolução de 1848, sairam da Alemanha, viveram na Suíça e, posteriormente,
foram para a Inglaterra. Engels, em 1850, voltou a viver em Manchester,
retornando a trabalhar na fábrica de copropriedade da família, durante 20 anos.
Alem do trabalho fabril, deu continuidade ao trabalho intelectual e político,
na divulgação das suas ideias, sempre em parceria com Marx. Desta época, registre-se o interesse de
Engels em relação às Ciências Naturais. Começou a fazer uma conexão entre a
dialética e a concepção materialista da natureza, aprofundando seus estudos
sobre as ciências naturais. Este trabalho inacabado, “A Dialética da Natureza”,
foi publicado posteriormente em Moscou, em 1925.
Neste
período, Marx e Engels já divulgavam seus trabalhos e suas ideias nas
organizações e nos movimentos dos trabalhadores, nos jornais e periódicos
revolucionários na Europa e nos Estados Unidos. A luta política se
intensificava. O Fantasma do Comunismo rondava a Europa, materializado em Marx
e Engels, cujas ideias já eram criticadas e proibidas de circular nos grandes
jornais da época.
Após 20
anos de trabalho, em Manchester, e acumular um razoável patrimônio, Engels, em
1870, foi finalmente viver em Londres, muito próximo à casa de Marx. Desde
então, com a saúde de Marx ficando cada vez mais debilitada, Engels foi
assumindo a liderança do movimento revolucionário, passando a ser uma das
principais lideranças da Internacional, influenciando o trabalho político e de
organização dos trabalhadores na Europa e nos EUA.
Então, fez
um enfrentamento político e ideológico contra as correntes positivistas do
Partido Social-Democrata da Alemanha. São importantes contribuições desta época
o Anti-Dühring, publicado em 1878, considerado a primeira tentativa de uma
exposição geral das ideias de Marx, reafirmando os princípios do materialismo
histórico dialético frente à luta interna travada contra o positivismo da
socialdemocracia alemã, e Do Socialismo Utópico ao Socialismo Cientifico.
A esta
altura, Engels foi se tornando a principal liderança da Internacional junto aos
novos movimentos socialistas, surgidos a partir de 1880, inclusive já com a
participação dos revolucionários russos exilados. Publicou, em 1884, A Origem
da Família, da Propriedade e do Estado e Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia
clássica alemã, em 1886. Após a morte de Marx, em 1883, Engels dedicou-se à
organização e à publicação do segundo e terceiro volumes de O Capital, ocorridos
nos anos de 1885 e 1894. Foi um trabalho fundamental para o conhecimento e a
publicação da obra seminal de Marx. Há um reconhecimento muito grande deste
trabalho realizado por Engels, inclusive o volume 3, por muitos reconhecido
como uma coautoria.
Participou
também ativamente da formação da Segunda Internacional, considerando o melhor
caminho dos trabalhadores, de forma a evitar uma guerra entre a Alemanha e a
França. Vislumbrara a tragédia que aconteceria com a I Guerra Mundial!
Finalmente,
nos últimos anos de sua vida, Engels identificou importantes mudanças no
capitalismo do final do século XIX, inclusive o papel que o Parlamento já
desempenhava na sociedade europeia. Na Introdução, feita para a publicação do
livro de Marx, As Lutas de Classe na França, ele chama a atenção para a
possibilidade de outras maneiras dos trabalhadores chegarem ao poder. Considerava que não deveriam mais pensar na
vitória da Revolução como uma única batalha e sim, que deveriam progredir, de
posição em posição, com uma luta dura e tenaz. Apontava, assim, outras
alternativas de chegada dos trabalhadores ao poder, sinalizando novas possíveis
formas de hegemonia a serem conquistadas pelo proletariado no caminho de
superação da sociedade capitalista.
Trabalhava na edição do volume 4 de O Capital,
quando morreu no ano de 1895.
Ideias
excepcionais
Foi
desta forma que Marx e Engels construíram um método de análise - o do
materialismo histórico dialético -, para se compreender as relações políticas,
econômicas e sociais da Sociedade, nas relações entre si e com a própria
natureza, a segunda natureza, segundo Marx, transformada pela própria
Humanidade.
A partir
desta perspectiva, construíram uma interpretação materialista e dialética dos
fenômenos políticos, econômicos e sociais, particularmente do capitalismo
industrial e agrário do século XIX, fazendo uma crítica contundente ao funcionamento
deste sistema na sua totalidade, dos seus meios de produção, do seu processo de
acumulação, da natureza e da origem do trabalho, do capital e dos conflitos e
contradições inerentes à sociedade capitalista.
Uma das
características principais do pensamento, tanto de Engels, quanto de Marx, é a
indissociabilidade entre a teoria e a prática. Precisavam da Filosofia e das
Ciências em geral não apenas para conhecer melhor a realidade e, sim,
principalmente, para transformá-la. Na sociedade
capitalista, identificaram nos trabalhadores assalariados, particularmente no
proletariado industrial e na sua organização, os agentes de realização da
revolução mundial, que deveria começar nos países capitalistas da Europa
Industrial, no caminho da construção de uma nova sociedade, a Sociedade
Comunista.
A
Sociedade Futura, a ser construída, teria a hegemonia e a valorização dos que
trabalham, o trabalho liberto, em cooperação, sem exploradores e
explorados. Desde então, as derivações e
as tendências as mais diversas, originadas do pensamento e da atuação
revolucionária de Marx e de Engels, construíram, ainda no século XIX, durante
suas vidas, uma hegemonia no movimento político e de organização dos
trabalhadores a nível mundial. Nos séculos XIX e XX, as ideias dos dois
construíram, nas mentes e nos corações de trabalhadores do mundo inteiro, a
possibilidade da Revolução Socialista.
A partir
da vitória, em 1917, da Revolução de Outubro, liderada por Lênin, legatária das
concepções de Marx e de Engels, as ideias e as obras destes dois excepcionais
pensadores e ativistas alemães passaram a ter uma ampla divulgação, em todo o
planeta. Após a morte de Lênin, como “marxismo-leninismo”, eram ideias e obras apropriadas
de acordo com a conveniência oficial, inclusive no próprio movimento comunista
internacional, que tinha uma forte subordinação à União Soviética.
A
revolução russa abriu o caminho das Revoluções Socialistas vitoriosas.
Posteriormente, a China, os países do Leste europeu e Cuba herdaram este mesmo
modelo soviético que se esgotou como referência, com a queda do Muro de Berlim,
em 1989, e o término da URSS, em 1991.
Ainda no
século XX, tais ideias foram apropriadas por muitos movimentos de luta contra o
colonialismo e de independência dos povos da África, da Ásia e da América
Latina. Fora do “marxismo-leninismo”, nos países da Europa Ocidental e,
particularmente na Itália, com a contribuição original de Gramsci, buscou-se um
caminho original para a revolução no Ocidente, diferente do modelo soviético.
Assim,
as ideias de Marx e Engels foram e continuam sendo discutidas na atualidade,
principalmente nos períodos das crises recorrentes do capitalismo. Os mundos da
Cultura e do Trabalho continuam desafiados à construção de um humanismo que
incorpore os novos desafios e a complexidade da Sociedade atual, funcionando em
rede e, sob a pressão permanente das ruas, dos movimentos políticos,
econômicos, sociais, ambientais, religiosos, feminista e LGBT+, respeitando a
diversidade humana e a natureza, na perspectiva de construção de uma outra
formação histórica com a hegemonia dos que trabalham e produzem a
riqueza material e cultural da Humanidade.
Por fim,
queremos falar do ser humano Engels. Ele tinha, na sua vida cotidiana, a
generosidade da proposta revolucionária que vislumbrava para a Humanidade. O
humanismo de Engels era categórico. Além da ajuda muito conhecida de apoiar
financeiramente a família de Marx, por muitos anos, até e depois da morte do
amigo, fez muito mais: deixou no seu testamento a determinação de que os seus
bens materiais e financeiros deveriam ser divididos em três partes: a primeira,
para as filhas de Marx; a segunda, para os velhos companheiros de luta; e a
terceira e última, para o Partido Social-Democrata da Alemanha, do qual foi fundador,
junto com Marx. Ainda, com destaque, observava: quando todos recebessem os
recursos do testamento tomassem um bom vinho branco, que gostava muito, de
preferência um Chateau Margot, safra de 1848.
Assim,
Engels viveu plenamente a vida: revolucionário nas mudanças que queria para a
construção de um mundo melhor; revolucionário na vida cotidiana, nas relações
políticas, econômicas, sociais e afetivas, com um senso refinado de bom humor
que tinha e bons vinhos!
Por tudo
isso, precisamos lembrar e comemorar os 200 anos de nascimento de Friedrich
Engels.
Salve
Engels!
Humanista
do século XIX, da Sociedade presente e futura.
*George Gurgel de Oliveira, professor da UFBA e da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade
2 comentários:
Parabéns pela abordagem,George!
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