Como
anticomunistas, muito brandos; como antifascistas, muito severos
Em
“O Tempo da Memória: De Senectude e outros escritos autobiográficos”, Norberto
Bobbio descreve o ambiente político do pós-Guerra italiano em termos que
paradoxalmente remete ao debate atual em nosso país. Bobbio refere-se às
críticas que eram feitas a setores da esquerda e de centro, com os quais,
então, se identificava, e que se engajaram na resistência ao fascismo, de não
manterem equidistância quanto aos extremos políticos.
A
acusação era de “termos sido, como anticomunistas, muito brandos e, como
antifascistas, muito severos. Em uma única palavra, não sermos equidistantes.”
Bobbio reconhece em suas memórias a validade da acusação, mas repudiava algumas
de suas extensões, em particular a suposta “simetria entre fascismo e
antifascismo”, apontando para a “diferença entre um estado de exceção e um
estado de direito”. O antifascismo, argumenta, é um simulacro se a crítica tolera
posições autoritárias.
A
inteligência europeia do pós-Guerra enfrentou esse debate com grande
intensidade na década de 50, quando vieram à tona os crimes de Stálin, o que
levou a uma forte ruptura entre os intelectuais que continuaram a apoiar o estalismo
e o maoísmo e os que se tornaram críticos.
A França foi o palco privilegiado desse debate, que envolveu Sartre, Aron e Camus, entre outros. Sua recepção na opinião pública qualificada européia e no mundo anglo-saxônico em particular levou à forte desprestígio da intelectualidade francesa, como mostrou Tony Judt em seu magnífico panorama em torno do assunto.
Mutatis
mutantis, observamos na América Latina transformação similar após a
redemocratização dos anos 80 e 90: a rejeição das ditaduras militares produziu
forte reação antiautoritária, mas fora de sintonia com o apoio em muitos
setores a governos autoritários “populares”. Cuba converteu-se no equivalente
funcional da experiência do estalinismo na região.
A
dinâmica partidária nas democracias do pós-Guerra até a recente onda populista
foi marcada por certa convergência programática centrípeta (mais forte nas
democracias majoritárias do que nas consociativas). A irrupção do populismo
autoritário quebrou a trajetória: posições extremistas não se deslocam mais ao
centro na disputa eleitoral.
O
debate em torno de assimetrias e equidistâncias políticas emergiu com força
entre nós. Para além da validade empírica da localização de posições no
continuum de preferências políticas, o crescente desconforto de setores
variados em relação à distribuição de partidos e políticos nas diversa métricas
adotadas é benfazejo e deve ser festejado. Ele revela que apoio a regimes
autoritários tem custos na disputa política.
*Marcus
André Melo, professor
da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da
Universidade Yale (EUA).
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