Com a derrota de Trump nas eleições americanas, o Brasil fica distante de todas as principais potências globais
Novembro
foi mais um mês em que o presidente Jair Bolsonaro se esforçou ao máximo para
criar incidentes diplomáticos com parceiros comerciais importantes do Brasil,
contando ainda com a ajuda de seu filho Eduardo Bolsonaro para a tarefa. Como
resultado desse empenho, o país está cada vez mais isolado no cenário externo,
especialmente por causa da política ambiental. Para Matias Spektor, professor
da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), é o
momento em que as relações exteriores do Brasil “estão mais deterioradas” desde
a transição para a democracia.
Há pouco menos de 20 dias, Bolsonaro ironizou Joe Biden, o vencedor das eleições nos EUA. Ao comentar declarações do americano sobre eventuais sanções ao Brasil por causa do desmatamento da Amazônia, o brasileiro lançou uma bravata, dizendo que “apenas pela diplomacia não dá” e que “depois que acabar a saliva, tem que ter pólvora - não precisa nem usar a pólvora, tem que saber que tem”. Na semana seguinte, ameaçou divulgar o nome de países que comprariam madeira ilegal do Brasil. Ele voltou atrás, mas já havia causado outro mal estar com países europeus.
Por
fim, Eduardo Bolsonaro provocou mais um ruído nas relações com a China na
semana passada. Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos
Deputados, o filho do presidente escreveu que o governo apoiou a aliança “Clean
Network”, lançada por Donald Trump, por ser uma frente global para um “5G
seguro, sem espionagem da China”. Eduardo apagou a publicação, que recebeu
resposta agressiva da embaixada chinesa, advertindo para “consequências
negativas” dessa retórica.
Com
a derrota de Trump nas eleições americanas, o Brasil fica distante de todas as
principais potências globais. Até o momento, Bolsonaro não fez nenhum gesto em
direção a Biden. O brasileiro é um dos poucos chefes de Estado ou de governo a
não ter cumprimentado o americano pela vitória. Ontem, Bolsonaro disse ainda
que tinha informações de que houve “muita fraude” nas eleições americanas.
Spektor
diz que a “relação interpessoal entre Bolsonaro e Biden será difícil, tendo em
vista a “reação visceral” que o brasileiro “provoca no Partido Democrata de
modo específico, mas também “na classe política americana de modo mais geral”.
Segundo ele, não se trata apenas do meio ambiente, mas também dos valores que o
brasileiro representa, vistos no contexto americano não só “como antiquados,
mas como politicamente incorretos”.
O
mal estar em relação ao Brasil não se resume à política ambiental, mas esse
será o terreno em que o país tende a enfrentar maiores problemas com os EUA. A
nomeação do ex-secretário de Estado John Kerry como czar do ambiente mostra a
importância central que o tema terá no governo Biden, diz Spektor. “O meio
ambiente será para Biden o que a reforma do sistema de saúde foi para Barack
Obama no primeiro mandato” avalia ele, observando que isso coloca o Brasil numa
situação muito difícil, num momento em que se consagrou a ideia e a imagem do
país como um “vilão do clima”. Para Spektor, reverter essa tendência demandaria
um esforço muito forte do Brasil, algo que até o momento o governo Bolsonaro
não parece disposto a fazer.
Para
Spektor, há “um risco enorme” para as exportações brasileiras por causa desse
tema. “O mundo está avançando numa direção na qual as normas internacionais de
preservação ambiental não serão implementadas pelo Conselho de Segurança da
ONU, pela Otan, por um país invadindo o outro. O processo de implementação será
feito via regras comerciais. É nos acordos comerciais que os países vão sentir
a pressão para se adequarem”, afirma ele, para quem já parece “contratada” essa
crise do comércio exterior brasileiro. Ou o Brasil se adapta a essas normas e
dá uma sinalização clara de que está em conformidade com elas ou o setor
exportador brasileiro arcará com esse custo, diz Spektor. Segundo ele, para
todos os efeitos, os países europeus não vão ratificar neste momento o acordo
entre a União Europeia (UE) e o Mercosul.
O
governo Bolsonaro também tem se especializado em criar ruídos com a China, o
principal destino das exportações brasileiras. Spektor diz que, nesse front, “o
que está em jogo agora, para além da briga pública entre a embaixada chinesa e
o deputado Eduardo Bolsonaro, é o papel do Brasil diante da presença econômica
chinesa na América Latina”. É o país da região no qual a China enfrenta mais
dificuldades, nota ele. “Um exemplo disso é o processo licitatório do 5G. Para
onde o Brasil vai avançar deve depender da relação com os EUA, de quanto
pressão os americanos colocarão”, diz Spektor. “O Brasil é a principal economia
que ainda não tomou a decisão para que lado penderá. A Argentina não tem muita
opção, a não ser pender para a China, idem o Chile, idem a Colômbia. No caso do
Brasil, ainda há incerteza.”
Dada
a orientação do governo Bolsonaro para a política externa e a política
ambiental, o isolamento do Brasil se acentua. Para Spektor, é uma tendência que
vem de antes de Bolsonaro. “A operação Lava-Jato aumentou muito o isolamento
brasileiro na América do Sul, por causa dos efeitos deletérios que teve para a
classe política, sobretudo da Argentina, Peru, Colômbia e México”, diz ele. O
ponto é que, com Bolsonaro, a tendência de um Brasil isolado se reforçou,
afirma Spektor, observando que o brasileiro não foi capaz nem sequer de montar
uma coalizão com os governos de direita da região, como Iván Duque na Colômbia
ou Sebastián Piñera no Chile. “O nosso isolamento já está contratado, e pelo
menos hoje não parece haver um sinal de que essa tendência será revertida. À medida
que o tema ambiental ganhar força, essa tendência deve se acirrar”, diz
Spektor. Para ele, o Brasil começa a se colocar numa posição um “pouco análoga”
a que o país tinha em meados dos anos 1980, quando estava assolado por uma
crise ambiental (por fatores como o desmatamento na Amazônia, a poluição em
Cubatão e o assassinato de Chico Mendes), uma imagem muito negativa da classe
política e uma crise fiscal com implicações inflacionárias.
Para ele, este é o momento em que o país se encontra mais isolado desde a época da transição para a democracia, há mais de 30 anos. “É uma notícia muito negativa para a qualidade de vida dos brasileiros, porque boa parte do bem-estar da população depende ativamente do sistema internacional, da economia internacional, do comércio internacional, da taxa de juros internacional, da capacidade de cooperação em áreas como saúde global no contexto da pandemia”, lamenta Spektor.
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