Para
o País que trabalha e produz, está claro que não se deve contar com um governo
que não existe mais, se é que algum dia existiu
A palavra do presidente Jair Bolsonaro não vale nada. Diz algo num dia para desmentir suas próprias declarações no dia seguinte, desmoralizando-se como chefe de governo. Bolsonaro tornou-se sinônimo de caos – sua especialidade desde que aprontava como militar indisciplinado.
A
rigor, sua gestão nem pode mais ser chamada de “governo”, pois um governo
presume alguma direção, projetos claros e liderança política razoavelmente
sólida. Bolsonaro não inspira nada disso: é, ao contrário, fonte de permanente
inquietação e desorganização.
Para
o País que trabalha e produz, está claro que não se deve contar com um governo
que não existe mais, se é que algum dia existiu. Pior: é preciso encontrar
maneiras de defender a vida e o patrimônio da dilapidação institucional e
administrativa promovida pelo bolsonarismo.
Raros
são os ministros de Bolsonaro que se salvam. A mediocridade é tamanha que o
País aplaude quando um ministro não faz mais que sua obrigação e não atrapalha
seu setor. Em áreas estratégicas, como Educação, Saúde, Meio Ambiente e
Relações Exteriores, há mais do que simples incapacidade: Bolsonaro colocou ali
ministros cuja missão parece ser a de ajudá-lo a vandalizar o Brasil.
De
vez em quando, alguém lembra do dever de chamar esses sabotadores à
responsabilidade. Atendendo a uma representação do partido Cidadania, que acusa
o almoxarife que comanda a Saúde, Eduardo Pazuello, de omissão diante da crise
de desabastecimento de oxigênio para doentes de covid-19 em Manaus, a
Procuradoria-Geral da República requereu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a
instauração de inquérito.
Não deve ter sido fácil para o procurador-geral da República, Augusto Aras, fazer o requerimento, mas, premido pela indignação nacional, decidiu afinal tomar alguma providência, e o ministro do STF Ricardo Lewandowski rapidamente atendeu ao pedido de inquérito.
A
insanidade no Ministério da Saúde, que agora se tornou caso de polícia, retrata
com fidelidade a essência do governo Bolsonaro – mas, em defesa do intendente,
enfatize-se que a responsabilidade final e soberana é de quem o colocou lá.
Foi
Bolsonaro quem passou os últimos meses a fazer campanha contra a vacina, contra
o distanciamento social e contra as autoridades que trabalhavam para conter a
pandemia. Promoveu aglomerações, receitou remédios inúteis e perigosos e
escarneceu de mortos e doentes.
Pazuello,
portanto, não é causa, mas consequência de um catastrófico desgoverno – cujo
presidente ninguém de bom senso leva mais a sério e cujo principal fiador, o
outrora superpoderoso ministro da Economia, Paulo Guedes, sai de férias e
ninguém dá pela falta.
Aos
brasileiros aflitos com as sombrias perspectivas econômicas após o fim do
auxílio emergencial, Bolsonaro reserva o mais absoluto desdém: “Lamento muita
gente passando necessidade, mas nossa capacidade de endividamento está no
limite”. Ou seja, Bolsonaro não perde o sono diante do sofrimento de milhões de
brasileiros a quem lhe coube governar e não toma nenhuma medida para cortar
gastos e viabilizar o imprescindível auxílio emergencial.
Tampouco
se empenha pelas reformas e pelas privatizações. A recente renúncia do
presidente da Eletrobrás, Wilson Ferreira Júnior, está diretamente relacionada
à dificuldade de tocar adiante a privatização da estatal, em razão da falta de
envolvimento de Bolsonaro. Não foi o primeiro a abandonar o barco por
frustração das expectativas criadas pelo discurso supostamente liberal de
Bolsonaro – no qual só acreditou quem quis.
O
objetivo de Bolsonaro na política sempre foi o de salvaguardar os interesses de
seu clã. Não é por outro motivo que entrou de cabeça no processo sucessório das
Mesas Diretoras do Congresso. Quer ali políticos que lhe sejam fiéis o bastante
para livrá-lo do impeachment, blindar a filharada e, de quebra, aprovar meia
dúzia de projetos para agradar a sua base de fanáticos. Os mortos, os doentes,
os desempregados e os famintos só lhe interessam na exata medida de seu projeto
de reeleição. Foi a isso que Bolsonaro reduziu a Presidência da República.
O alto índice de abstenção do Enem – Opinião | O Estado de S. Paulo
Faltas
devem agravar problemas do País para formar capital humano para se desenvolver.
Apesar de o segundo dia de prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020 ter transcorrido sem problemas logísticos, o índice de abstenção, que chegou a 55,3%, foi ainda maior do que o do primeiro dia, que ficou em 51,5%. Os dois índices foram os mais altos desde a criação do Enem, em 1998. Hoje o exame é a principal porta de entrada no ensino superior público no País.
Ao
todo, foram quase 5,7 milhões de estudantes inscritos, dos quais cerca de 3
milhões não compareceram. Até agora, o maior número de faltas havia sido
registrado em 2009, com um índice de abstenção de 37,7%. Na edição do Enem de
2019, 23% dos inscritos não compareceram aos locais de provas.
Embora
as autoridades educacionais tenham afirmado que a realização do Enem foi um
sucesso, apesar das dificuldades causadas pela pandemia, a realidade é bem
diferente. As provas foram aplicadas em 207 mil salas de aula distribuídas em
14 mil locais – números considerados insuficientes por gestores escolares. Na
realidade, as classes foram planejadas com capacidade de até 80%, e não de 50%,
como o Ministério da Educação (MEC) havia prometido à Justiça, após ter sido
acionado pelo Ministério Público Federal. Ao justificar o descumprimento dessa
promessa, o ministro Milton Ribeiro invocou a necessidade de redução de gastos
em tempos de crise econômica. “Imagine se o governo tivesse contratado tudo (salas
para todos os inscritos)? Imagine o valor do dinheiro que haveríamos de usar”,
afirmou.
O
insólito argumento do ministro, que sabia que o excesso de alunos em classe
desestimularia muitos inscritos a fazer as provas num período de pandemia, é só
um dos lados do problema. O outro lado é o fato de que muitos dos 3 milhões de
estudantes que faltaram ao Enem desistirão de cursar o ensino superior,
trocando a sala de aula pelo mercado de trabalho, como preveem os gestores
escolares. Contudo, como a velocidade das transformações tecnológicas vem
reconfigurando o mundo do trabalho, nele só terão vez jovens com formação
especializada e capacidade técnica – e esse não é o caso dos estudantes que faltaram
ao Enem.
Por
falta de preparo, eles encontrarão emprego apenas na economia informal, gerando
assim menos benefícios para a sociedade. Isso já havia sido previsto em
relatório do Banco Mundial divulgado no fim do ano passado, que advertia o
governo do presidente Jair Bolsonaro do risco de as novas gerações de
brasileiros chegarem ao mercado de trabalho com apenas 50% de seu potencial
produtivo desenvolvido.
Esse
relatório, a exemplo de outros que foram feitos na mesma linha e na mesma
época, partiu da premissa de que uma educação com qualidade é um investimento
de longo prazo, cujos efeitos sociais e econômicos se tornam um patrimônio da
sociedade. Em outras palavras, para o Banco Mundial, jovens bem escolarizados
são o principal ativo que um país possui. E é justamente essa ideia que, desde
a ascensão de Bolsonaro ao Palácio do Planalto, vem sendo desprezada pelos
ministros que se sucedem na chefia do MEC.
Ao
se levarem por pautas ideológicas e religiosas, tanto o atual ministro como
seus antecessores deixaram de lado uma questão fundamental, que será agravada
ainda mais pelo alto índice de abstenção do Enem de 2020. Trata-se da formação
de capital humano e de seu impacto sobre o nível de produtividade e
competitividade na economia brasileira. Apesar dos altos níveis de desemprego
na economia formal, as empresas alegam que, por causa da baixa qualificação
média da população, não estão conseguindo preencher vagas que só podem ser
ocupadas por quem tem qualificação profissional e competências específicas.
Esse
é o triste cenário revelado pelo Enem de 2020: enquanto na economia o Brasil
tem de correr contra o tempo, dada a urgência para superar deficiências básicas
de conhecimento e formação profissional, na educação o alto índice de faltas
nos dois dias de provas sinaliza que o País vem perdendo a corrida educacional,
tornando-se incapaz de formar o capital humano de que tanto necessita.
Multilateralismo e cooperação – Opinião | O Estado de S. Paulo
Fórum
festeja derrota do trumpismo e de ideias ainda seguidas por Jair Bolsonaro.
Esta é a hora do multilateralismo – para enfrentar a covid-19, garantir vacinas para todo mundo, reativar a economia, garantir um crescimento mais equilibrado, mais inclusivo e mais compatível com a preservação do meio ambiente. É hora de enfrentar, com urgência, alguns dos piores legados da crise, como o aumento da desigualdade e do número de pessoas em pobreza absoluta. Esta agenda resume as principais mensagens de chefes de governo, diretores de entidades internacionais, acadêmicos, políticos e empresários participantes da reunião do Fórum Econômico Mundial. Realizado normalmente em Davos, nas montanhas suíças, o encontro deste ano ocorre de maneira virtual, porque a pandemia continua, novos surtos da doença têm ocorrido e novas cepas de coronavírus têm sido identificadas em vários países.
A
primeira grande mensagem a favor do multilateralismo, da cooperação e da
coexistência sem guerra ideológica foi transmitida, logo no começo do evento,
pelo presidente da China, Xi Jinping. Seu discurso retomou, no cenário da nova
crise, temas do pronunciamento apresentado há quatro anos, em janeiro de 2017,
poucos dias antes da posse, em Washington, do presidente Donald Trump.
Sem
mencionar o nome do recém-eleito presidente americano, o líder chinês defendeu
um sistema global baseado em regras negociadas, aprovadas por meio de acordos e
aplicadas por instituições com ampla participação de países. Esse discurso foi
uma ampla rejeição das políticas pregadas durante a campanha eleitoral pelo
ex-presidente da maior potência econômica e militar e baseadas, essencialmente,
na ideia de dominação do mais forte.
O
novo discurso do presidente chinês, igualmente sem citação do nome do
ex-ocupante da Casa Branca, soou como um epitáfio do trumpismo e como
celebração de tempos melhores para o sistema internacional. Não houve, também,
menção aos seguidores de Trump, como o presidente Jair Bolsonaro, ausente, mais
uma vez, da reunião do Fórum. Em sua única participação, em 2019, ele foi
incapaz de preencher o tempo reservado para seu discurso e mais tarde cometeu
uma grave quebra de protocolo, ao deixar de comparecer a uma entrevista marcada
oficialmente com a imprensa internacional.
A
primeira-ministra alemã, Angela Merkel, foi mais explícita, ao saudar a eleição
do presidente Joe Biden e sua decisão de reintegrar os Estados Unidos à
Organização Mundial da Saúde (OMS). Em seguida, ao defender o multilateralismo,
ela falou sobre a importância da Organização Mundial do Comércio (OMC) e sobre
a urgência de atualizar as normas comerciais levando em conta as novas
condições de trabalho, a digitalização, a defesa ambiental e o controle dos
monopólios, numa referência aos grupos dominantes da tecnologia da informação e
da comunicação.
O
retorno americano à cooperação internacional foi saudado também pela presidente
da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “Estou deliciada”, afirmou, “com o
reingresso dos Estados Unidos no Acordo de Paris.” A pauta ambiental e a
construção de uma economia mais verde foram temas importantes desse
pronunciamento. Von der Leyen mencionou, como exemplo das metas da União
Europeia, os planos de renovação de 35 milhões de casas, em busca de maior
eficiência energética, e de mudanças na mobilidade urbana, com descarbonização
de frotas de ônibus.
Mais
do que ausente da reunião anual do Fórum, o presidente Jair Bolsonaro está
distante das preocupações e das pautas dominantes nesse encontro. Preservação
do ambiente, parte indispensável de qualquer agenda econômica internacional,
continua fora de seu repertório, assim como as ideias de multilateralismo e de
cooperação global contra a pandemia e pela retomada econômica verde e
inclusiva. Em dezembro, Bolsonaro anunciou o “finalzinho da pandemia”. Em
janeiro, falou contra a vacina, só mudando o discurso ocasionalmente. A
tragédia de Manaus tem a marca de um governo central propagandista da
cloroquina e avesso às orientações da ciência. Davos fica muito longe do mundo
bolsonariano.
Bolsonaro emperra privatizações – Opinião | O Globo
Resistência
do presidente à venda do controle da Eletrobras força saída de gestor que
saneava estatal
A
saída de Wilson Ferreira Júnior da Eletrobras é mais uma demonstração do
presidente Jair Bolsonaro de que seu verdadeiro pensamento econômico é muito
diferente dos compromissos liberais que assumiu na campanha, reforçados pelo
convite a Paulo Guedes para o robustecido Ministério da Economia. Depois de
trabalhar desde o governo Temer no projeto de privatização do controle da
holding do setor elétrico, Ferreira Júnior desistiu por falta de apoio
político.
O
último empurrão para sua saída foi a declaração do candidato de Bolsonaro à
presidência do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de que o projeto que permite a
venda do controle da Eletrobras não estará entre suas prioridades se vencer a
eleição. Pacheco se saiu com uma tentativa de agradar a todos os públicos.
Disse ser favorável a desestatizações, mas contra um “entreguismo sem
critério”.
Quem
conhecia o perfil parlamentar e ideológico de Bolsonaro sabia bem que ele não
combinava com o discurso liberal, feito sob encomenda para a campanha de 2018.
Ex-capitão, atuou a vida toda como uma espécie de líder sindical dos militares
de baixo escalão e policiais, em especial PMs. Natural que herdasse os cacoetes
nacionalistas comuns àqueles militares que enxergam setores estratégicos por
toda parte e acabam por parir aberrações como a reserva de mercado da
informática.
Não
dava, por isso, para levar a sério o R$ 1 trilhão em privatizações proclamado
por Guedes na campanha, sem jamais especificar de onde viria a dinheirama.
Quando ficou claro quem resistia às privatizações (o presidente), o empresário
Salim Mattar desistiu da Secretaria de Desestatização. Com Ferreira Júnior, foi
semelhante. Depois de pedir demissão, ele agradeceu a ajuda de Guedes e do
ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque — e pediu apoio de Bolsonaro à
venda do controle da empresa. Sintomático.
Privatizar
é a única alternativa para evitar que a Eletrobras volte a depender do Tesouro.
A empresa reduziu seu endividamento na gestão Ferreira Júnior e obteve quase R$
11 bilhões de lucro em 2019. Estava pronta para ser oferecida no mercado.
Agora, cresceu o risco para os investimentos em geração e distribuição de
energia.
No
começo do governo, Eletrobras, Correios e Porto de Santos eram os três
compromissos de privatização assumidos por Guedes. Até agora, nenhum saiu do
papel. O governo não se desfez de nenhuma grande estatal. Bolsonaro e os
políticos do Centrão têm outros planos para elas.
É
enorme o risco de os feudos políticos em que a Eletrobras é dividida se
fortalecerem. Os mineiros, como Pacheco, têm apreço por Furnas, enraizada no
estado. Os entendimentos em torno da estatal são pluripartidários. Políticos
nordestinos contam com a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). No
governo Lula, ficaram célebres os conflitos entre a ministra Dilma Rousseff e o
grupo do ex-presidente Sarney, avalista de Edison Lobão no Ministério de Minas
e Energia. É uma cultura que voltará a prosperar.
Planeta observa com atenção o minueto ensaiado por Biden e Xi – Opinião | O Globo
Da
relação entre o novo presidente americano e seu par chinês, depende o rumo da
economia global
Uma
das incógnitas que mobilizam as atenções neste início de 2021 é o minueto
diplomático ensaiado pelo presidente americano, Joe Biden, e seu par chinês, Xi
Jinping. Depois da guerra comercial e do enfrentamento promovidos por Donald
Trump, Biden trouxe de início a esperança de uma reviravolta na relação com os
chineses. Mas, se seu governo começou desfazendo equívocos de Trump na
imigração e na questão climática, a relação comercial com a China é tema bem
mais complexo.
Xi
fez acenos claros a Biden em seu discurso no Fórum Econômico Mundial (realizado
de forma virtual, não na estância suíça de Davos, como de costume). “A
humanidade tem apenas uma Terra e um futuro”, afirmou. “Lutar contra a pandemia
é a tarefa mais urgente diante da comunidade internacional.” Conclamou a
cooperação na pesquisa de vacinas e no meio ambiente. Defendeu a “competição
justa”, como na pista de corrida, não no ringue de luta. Concluiu de modo
explícito: “Envolver-se em grupelhos, numa nova Guerra Fria, em exclusão,
ameaças e intimidação contra os outros, alertar para o desacoplamento, cortes
de suprimentos e sanções a toda hora só pode incentivar divisão e até
conflito.”
Em
que pese o tapete estendido, Biden não deverá trazer mudança significativa à
política comercial protecionista adotada por Trump, ao menos no primeiro momento.
A relação deverá perder a estridência, mas a essência do conflito
sino-americano persiste. Dificilmente Biden reverá a decisão do ex-secretário
de Estado Mike Pompeo, que tachou de “genocida” o tratamento dos uigures em
Xinjiang.
Também
não abrirá mão das tarifas impostas por Trump sem concessões do outro lado.
Sinal disso foi a decisão de impor preferência a produtos americanos nas
compras estatais. A China é notória pelos subsídios, pela proteção a empresas
locais, pela pirataria tecnológica e pela política de “campeões nacionais”. Em
vez de impor barreiras para proteger empregos nos Estados Unidos, o provável é
Biden tentar romper as chinesas. Para isso, deverá lançar mão de negociações
multilaterais, já que europeus têm queixas idênticas em relação ao
protecionismo chinês.
Por
enquanto, os Estados Unidos são o país que mais sofre com a pandemia. Não só
por somar mais mortos, mas porque a ruptura das cadeias globais de suprimentos
encareceu o transporte, a importação de matérias-primas e abala a produção e a
economia. Biden não cederá fácil aos apelos de Xi para que tudo volte ao que
era antes de Trump. Mas, onde Trump via um jogo de soma zero, ele sabe quanto a
cooperação sugerida por Xi pode beneficiar os dois motores da economia global.
Da relação que estabelecer com ele, dependem os rumos do planeta nos próximos
anos.
A última de Pazuello – Opinião | Folha de S. Paulo
Agora
sob investigação, ministro volta a Manaus e se isenta de novo por fracasso
Não
foi por falta de aviso. Quando Jair Bolsonaro pôs para correr do Ministério da
Saúde o segundo médico com formação para enfrentar a Covid e plantou ali um
general da ativa, multiplicaram-se alertas de que militarizar a pasta era
ofensiva fútil contra a pandemia.
Eduardo
Pazuello chegou com fama de especialista em logística, e os resultados estão à
vista de todos no descalabro de Manaus.
Sem
condições técnicas mínimas para liderar o combate, o general notabilizou-se por
colher fracassos seguidos, promover charlatanices, mentir para o público e
ainda pontificar sobre o certo e o errado em comunicação.
O
ministro se encontra agora sitiado por várias instituições. A
Procuradoria-Geral da República, depois de negar-se a investigar a
responsabilidade do presidente na crise sanitária, escolheu o caminho fácil de
fustigar Pazuello pedindo licença para investigar sua conduta desastrosa.
O Supremo
Tribunal Federal deixou o sinal livre para abertura do
inquérito e deu cinco dias à Polícia Federal fazer a oitiva do ministro. O
depoimento poderá transcorrer na própria capital amazonense flagelada, para
onde Pazuello foi despachado pelo Planalto só com passagem de ida.
Há
mais. O Tribunal de Contas
da União exige que o ministro explique o dispêndio de verbas do
SUS para compra e distribuição de cloroquina no fictício tratamento precoce de
Covid promovido pelo governo Bolsonaro. Até para o TCU parece claro, mesmo
tardiamente, que a manobra diversionista carrega o fumo de ilegalidade.
Pazuello
se aferra à tática de tentar encobrir com palavras o malefício que produz com
atos e omissões. Justifica a hecatombe manauara com a hipotética
transmissibilidade aumentada pela mutação do coronavírus e com uma referência a “gargalos de
décadas” na saúde pública do estado nortista.
Se
deficiências são conhecidas há decênios, e tendo sido alertado dias antes do
colapso no fornecimento de oxigênio, por que não agiu a tempo de impedir que
pacientes morressem sufocados? A real especialidade de Pazuello, até aqui, foi
eximir-se de responsabilidade.
Entre
suas esquivas assoma a de dizer que sua pasta nunca recomendou cloroquina.
Talvez acredite que, para fazer o desmando desaparecer, bastaria retirar do ar
uma nota mendaz e um aplicativo do ministério com código viciado para
disseminar a panaceia cientificamente insustentável.
Pazuello
não faz mais do que seguir o exemplo de Bolsonaro ao isentar-se de responder
pelos próprios atos. O presidente, no entanto, conta com a prerrogativa e o
hábito de livrar-se dos auxiliares quando se tornam incômodos.
Atrasobras – Opinião Folha de S. Paulo
Saída
do presidente da Eletrobras explicita impasse político na privatização
Entre
as maiores estatais federais, a Eletrobras é a que se encontra em processo mais
avançado de privatização. O que não quer dizer grande coisa: o executivo Wilson
Ferreira Junior anunciou que deixará o comando da empresa por não
acreditar mais em sua venda.
Ele
ocupa o cargo de presidente desde 2016, quando o governo Michel Temer começou a
preparar a desestatização. Com a notícia da saída, o valor de mercado da
companhia despencou de R$ 47,5 bilhões para R$ 43,2 bilhões somente nesta
terça-feira (26).
Nos
últimos anos, a Eletrobras passou por um programa de corte de despesas,
principalmente com pessoal, e venda de ativos. O próximo passo será, ou seria,
a União deixar de ser a controladora da empresa, por meio de emissão e venda de
novas ações com direito a voto, segundo projeto enviado ao Congresso em
novembro de 2019.
Explicitado
pela renúncia de Ferreira Junior, o impasse em torno da privatização não
deveria surpreender ninguém a esta altura. Desde Temer eram evidentes as
resistências de deputados e senadores à alienação da gigante estatal, que reúne
69 subsidiárias contadas no ano passado —uma joia na coroa do fisiologismo
político nacional.
Ao
apego de parlamentares a cargos e verbas somam-se o corporativismo sindical e o
estatismo do presidente Jair Bolsonaro, agora mais empenhado nas negociações
com o centrão. São muitos obstáculos, sem dúvida, à frente do ministro Paulo
Guedes, da Economia, que já não é conhecido pela capacidade de levar
projetos adiante.
Paradas
por mais de uma década, as vendas de empresas federais voltaram à agenda do
governo após a devastação promovida pela administração petista, em especial, na
Petrobras e na Eletrobras.
Evitar
corrupção, empreguismo, investimentos antieconômicos e manipulações ruinosas de
preços são objetivos meritórios, mas não devem ser os únicos em uma
privatização. Tampouco a preocupação do governo de turno pode se limitar ao
caixa —há que garantir concorrência e expansão dos serviços prestados aos
consumidores.
Reconheçam-se
as dificuldades técnicas e políticas da tarefa, que seriam consideráveis mesmo
para um governo de maiores convicções e habilidades. Por ora é fundamental que
ao menos se preservem gestões profissionais nas empresas, enquanto se conduzem
programas de ajuste, com corte de despesas, ativos e subsidiárias.
Questões ambientais vão afetar comércio com os EUA – Opinião | Valor Econômico
A
carta enviada por Bolsonaro a Biden foi um bom passo, mas Washington vai
demandar mais ações concretas em relação ao ambiente
Uma
das frentes em que provavelmente o governo brasileiro mais vai ter que se
esforçar para construir as relações com a nova administração dos Estados Unidos
é a comercial. O realinhamento praticamente cego do governo de Jair Bolsonaro
às propostas comerciais, políticas e ideológicas do ex-presidente Donald Trump
quase nada rendeu em termos de aumento de exportações e importações, nem livrou
o Brasil das tarifas e cotas que Trump impôs ao restante do mundo.
O
comércio entre o Brasil e os Estados Unidos teve, em 2020, o pior resultado
desde a crise financeira de 2009. As exportações brasileiras para os Estados
Unidos encolheram 27,8%, para US$ 21,4 bilhões. E as importações diminuíram
19,8%, somando US$ 24,1 bilhões. O saldo deficitário em US$ 2,7 bilhões para o
Brasil é o pior em seis anos. O fluxo comercial entre os dois países caiu
23,8%, para US$ 45,6 bilhões, segundo levantamento da Câmara Americana de
Comércio, menos da metade dos US$ 101,7 bilhões em trocas com a China.
Principal parceira comercial do Brasil, com 28,4% de participação, a China é
frequentemente criticada por apoiadores de Bolsonaro e sua própria família.
A
pandemia, a retração econômica global e o câmbio ajudaram a reduzir os negócios
entre o Brasil e os Estados Unidos em 2020. Mas houve forte influência das
limitações impostas pelo governo Trump. Descrente do multilateralismo e das
negociações em fóruns internacionais como a Organização Mundial do Comércio
(OMC), Trump geralmente preferiu impor cotas e sobretaxas sem muito espaço para
negociação. As exportações de produtos siderúrgicos, importantes no comércio
bilateral, foram das mais prejudicadas pelas restrições colocadas em vigor
desde 2018, que tiveram efeito nos anos seguintes, especialmente em 2020.
Já
em março de 2018, Trump impôs cotas para o aço brasileiro e taxou em 10% as
compras de alumínio do país - apenas essas duas medidas tiveram impacto
negativo de US$ 1,2 bilhão na balança comercial. A medida foi tomada por meio
da Seção 232, sob o argumento que as compras ameaçavam a segurança nacional dos
Estados Unidos. Diversos países, como Rússia, Índia, Turquia, e a União
Europeia abriram reclamações na OMC contra os americanos.
Neste
último ano de governo, Trump foi especialmente ativo em distribuir cotas e
sobretaxas. Aumentou a taxa sobre chapas de alumínio importadas do Brasil e
mais 17 países. Abriu investigação contra o Brasil e outros países por taxação
de serviço digital, para defender empresas americanas como o Google e a Amazon.
Em agosto, lançou novas ameaças sobre as importações caso Brasília não
reduzisse as tarifas do etanol americano. Mesmo sendo o país um dos maiores
produtores do etanol de cana, Bolsonaro cedeu, mas não ganhou nada em troca. Já
nos últimos dias de Trump em Washington, o Congresso americano não renovou o
Sistema Geral de Preferências (SGP), vantagens concedidas às compras de países
em desenvolvimento, o que pode prejudicar alguns produtos brasileiros.
Esses
problemas estão longe de uma solução. O Brasil não é claramente uma prioridade
do governo Biden no campo comercial. A China, que emerge da pandemia ainda mais
forte, é certamente o principal motivo de preocupação, como competidor no
cenário global. Durante o governo de Trump, ações comerciais atingiram
importações de produtos chineses que somam mais de US$ 360 bilhões. A
preocupação com a China certamente é de Biden. Isso ficou evidente na escolha
de Katherine Tai pelo novo presidente para o comando do US Trade Representative
(USTR), que cuida das relações comerciais de Washington. Fluente em mandarim,
ela foi a chefe de fiscalização da China no escritório do organismo.
Para negociar com o governo Biden, Brasília deve se preparar para uma conversa diferente. Para começar, o ponto mais sensível deve ser a questão ambiental, como indicou Biden ainda na campanha presidencial, quando mencionou o Brasil e as queimadas na Amazônia em debate com Trump. A questão ambiental deverá ser transversal, pontuando todas as frentes de discussão do novo governo americano, que ainda contará com apoio dos europeus em relação ao tema. A carta enviada por Bolsonaro ao novo presidente americano foi um bom passo, mas tudo indica que Washington vai demandar ações concretas do governo brasileiro diante do aumento recorde de desmatamentos e queimadas no país registrado no ano passado.
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