Lição
para o Brasil é de que não se deve abrir mão dos próprios interesses em prol de
aparente modernidade
O
novo governo dos EUA, de Joe Biden,
deve implementar um programa já anunciado na sua campanha que visa a promover a
compra de produtos de origem local. O Buy American não é propriamente
novo, já fora implementado em vários outros governos, tanto de republicanos
como de democratas.
O
programa tem um impacto econômico expressivo. São cerca de US$ 400 bilhões de
compras do governo federal, montante que pode ser significativamente ampliado
para alguns trilhões, se vier acompanhado de investimentos voltados para
combater os efeitos da crise da pandemia. Uma vez adotado, terá impactos
significativos, considerando seu efeito multiplicador para a atividade
econômica como um todo e a geração de empregos.
A iniciativa é acompanhada de perto pelos parceiros comerciais dos EUA, pois na prática poderá significar restrições de acesso de exportadores ao mercado. Na verdade, embora haja limitações de restrição de mercados anteriormente assumidas pelos norte-americanos na Organização Mundial do Comércio (OMC), sempre há brechas para a adoção de alguma forma de protecionismo.
Proteger
mercados domésticos, exigir conteúdo nacional e outras medidas de cunho
protecionista podem parecer uma contradição para um país tido como liberal do
ponto de vista econômico. Mas sempre houve uma enorme distância entre o
discurso liberalizante e a prática intervencionista.
Alexander
Hamilton, primeiro secretário do Tesouro norte-americano (1789-1795), foi um
dos principais formuladores de políticas protecionistas de estímulo de
desenvolvimento da indústria manufatureira nos EUA. Seu trabalho Reports
of the Secretary of the Treasury on the subject of manufactures (1791)
trouxe muitos conceitos e análises defendendo a proteção a indústrias
nascentes, posteriormente aprofundados por Friedrich List (1789-1846),
especialmente no seu livro The National System of Political Economy (1841).
A
partir desses princípios, com idas e vindas políticas e econômicas, as
políticas públicas norte-americanas jamais deixaram de fazer uso de
instrumentos de fomento para viabilizar e desenvolver a sua indústria, num
conceito mais amplo, integrada à agricultura e aos serviços. Toda essa
experiência de desenvolvimento, tanto dos EUA como de muitos países hoje entre
os mais ricos, está fartamente documentada. Não se trata de sugerir imitar a
sua trajetória, mas de levar em conta mais a prática do que o discurso no
tocante às decisões de políticas a serem adotadas.
A
grande lição para o Brasil é
de que não se deve abrir mão dos próprios interesses em prol de uma aparente
modernidade. Mais ainda pelo fato de sermos uma nação com enormes desafios pela
frente, cujas debilidades se agravaram na pandemia.
É
preciso conduzir as políticas de desenvolvimento com foco nas oportunidades a
serem geradas. Limitações autoimpostas, como o teto de gastos (EC95), por
exemplo, têm de ser revistas, considerando as necessidades que se apresentam.
Da mesma forma, uma eventual abertura comercial deve levar em conta o desafio
de reverter a desindustrialização em curso.
Para
além da reversão do retrocesso na área, é imprescindível integrar de outra
forma nossa atividade produtiva aos preceitos da indústria 4.0, da
nanotecnologia, da internet das coisas e da tecnologia 5G.
São enormes desafios, mas o Brasil conta, além da sua tradição industrial, com
economias de escala e de escopo para enfrentá-los.
Isso,
no entanto, não ocorrerá de forma automática, apenas contando com as forças do
mercado, embora estas devam fazer parte, obviamente, da estratégia. É
necessário um claro projeto de desenvolvimento, no qual estejam explícitos os
papéis tanto das unidades federativas como das empresas, dos trabalhadores e
dos institutos de pesquisa e sua relação com a universidade.
*Professor-doutor, diretor da FEA-PUC-SP e presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), publicou recentemente ‘O mito da austeridade’ (Editora Contracorrente)
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