Para
derrotá-lo, a união do centro em torno de propostas factíveis e um candidato
competitivo
A
democracia necessita de civilidade, instituições e lideranças exemplares para
prosperar. Os valores e princípios que moldaram o florescimento da liberdade,
do Estado de Direito, da igualdade de oportunidades e da criação de riqueza por
meio da economia de mercado livraram milhões de pessoas de três males que
acometeram a humanidade durante séculos: a tirania, a miséria e a barbárie.
Mas
as democracias não são perfeitas. Elas enfrentam crises que as obrigam a rever
crenças, valores e leis. Nos Estados Unidos, a escravidão era um direito
constitucional no século 18, mas foi abolida na segunda no século 19. O apartheid racial
só foi sepultado em 1964, quando se aprovou a Lei dos Direitos Civis. Em 2008
os americanos elegeram Barack Obama, o primeiro presidente negro do País.
Crises
costumam liberar os glóbulos brancos das democracias, permitindo que elas
evoluam de maneira gradual para adaptar as instituições, as leis e os costumes
aos novos tempos. A democracia norte-americana deve sair mais forte da era
Trump. O presidente que dizimou a civilidade na política e buscou destruir a
credibilidade das instituições foi expurgado do poder pelos eleitores. O
Partido Republicano, que agiu de maneira oportunista e abandonou suas bandeiras
para surfar no populismo de Trump, foi dilacerado. As fissuras internas entre a
ala histórica e os trumpistas demandarão um penoso esforço para desintoxicar o
partido do populismo e resgatar seus valores e ideais. A intolerância e o ódio
desencadeados pelo populismo acirraram a divisão política, econômica e social,
obrigando os Estados Unidos a enfrentar os reais problemas: a questão racial, a
crescente desigualdade de oportunidades e a raivosa política de identidade que
minou a civilidade e a tolerância no País.
Joe Biden assumiu a presidência dos Estados Unidos prometendo restaurar a decência na política. Não há missão mais importante neste momento. Restaurar a decência significa respeitar a Constituição, as leis e as instituições, e não se sublevar contra elas quando as decisões não nos agradam. Implica honrar o mandato, travando o debate político no âmbito das regras do jogo, da civilidade e da cordialidade, e repudiando os atalhos do ódio e da intolerância, que esgarçam a confiança na democracia. Requer esclarecer a opinião pública e ter a coragem de frustrar alguns eleitores para defender os interesses da nação e das futuras gerações.
O
Brasil pode extrair lições importantes da experiência norte-americana. Os
efeitos colaterais do populismo podem ser mitigados com três medidas.
Primeira:
a imprensa séria não pode agir como as redes sociais – que muitas vezes atuam
como a cracolândia da informação. Precisa concentrar-se em noticiar os fatos
que afetam o destino do País, mas necessita de discernimento para ignorar o
turbilhão de impropérios que alimentam o Twitter dos populistas e de seus
seguidores. Ao dar projeção nacional ao palavrório irresponsável que encanta a
tribo dos radicais, a imprensa contribui para alimentar a covid do populismo. A
indiferença é um potente antibiótico, sem a luz dos holofotes o vírus perece.
Segunda:
os contrapesos constitucionais têm de agir para preservar a democracia. O Congresso
precisa aprovar as reformas para tirar o País do atoleiro do baixo crescimento
e libertar a Nação do cativeiro de privilégios concedidos ao corporativismo
público e privado. Esses males comprometem a qualidade do serviço público, a
eficiência do governo e a credibilidade das instituições democráticas. É
imperioso que o Judiciário restaure o seu papel de guardião das leis e da
Constituição e abandone o voluntarismo de juízes e de promotores que
transformaram a interpretação da lei num vespeiro de insegurança jurídica. Por
fim, tanto o Legislativo como o Judiciário devem exercer o seu papel
fiscalizador e empregar os contrapesos constitucionais para frear as tentativas
espúrias de governantes populistas que buscam achincalhar o Estado de Direito e
as instituições democráticas.
Terceira:
o centro democrático precisa se organizar rapidamente. Hoje, sua atuação é
marcada pela absoluta ausência de ideias, propostas e liderança. Como diz o
poeta W. B. Yeats, “o centro não se sustenta. Os melhores sem suas convicções,
os piores com as mais fortes paixões”. A maioria dos eleitores precisa estar
convencida de que existem alternativas concretas e líderes preparados para
livrar o País do desastroso legado populismo: aumento recorde da pobreza e do
desemprego, baixo crescimento econômico, calamitosa gestão da crise da
pandemia, descrédito internacional e governos incompetentes e incapazes de
reformar o Estado.
Em 1994 o centro tinha um plano (o Real) antes do surgimento da sua candidatura (Fernando Henrique Cardoso). Quando Fernando Henrique se tornou o rosto do Plano Real, venceu o populismo no primeiro turno em 1994 e em 1998. Somente a união do centro em torno da construção de propostas factíveis e de uma candidatura competitiva podem derrotar o populismo nas urnas em 2022.
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