quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Nilson Teixeira - Retomada forte é improvável

- Valor Econômico

É provável o início de um ciclo de aperto monetário ainda neste semestre, quiçá neste trimestre

A restrição fiscal torna improvável que o consumo do governo cresça muito neste ano. Ao mesmo tempo, a limitada abertura comercial do país e as exportações mais concentradas em commodities indicam uma atividade no curto prazo menos elástica ao aumento da demanda global. Assim, as exportações líquidas dificilmente crescerão o suficiente para estimular muito a economia em 2021, a não ser pelo efeito-base positivo.

O comunicado e a ata da reunião de janeiro do Copom retiraram a orientação sobre a estabilidade da taxa Selic por um período mais longo e indicaram riscos inflacionários mais significativos do que os assinalados anteriormente. Isso elevou a probabilidade do início de um ciclo de aperto monetário ainda neste semestre, quiçá neste trimestre. Um aumento de juros desaceleraria a atividade, ainda mais se o ciclo for concentrado neste ano, mesmo se inferior aos 600 pontos base apreçados na curva de juros até o fim de 2022.

Em um contexto de dúvidas sobre a implementação de ajustes na economia, uma alta da taxa Selic dificultaria um recuo relevante dos juros mais longos, mantendo alto o custo dos investimentos. A elevada capacidade ociosa na economia, o início claudicante da vacinação e os repetidos atritos políticos reforçam a percepção de que é improvável o início de um vigoroso ciclo de investimentos.

Portanto, a continuação da retomada em 2021 dependerá ainda mais do crescimento do consumo das famílias. A recuperação da massa salarial poderia incentivar essa expansão, mesmo em um contexto de diminuição dos estímulos fiscais e monetários. O Caged registrou alta de 1,5 milhão de postos de trabalho formais entre julho e novembro, depois da perda de 1,4 milhão de postos entre abril e junho, enquanto a Pnad-Contínua indicou elevação de 2,6 milhões de empregos em setembro e outubro, após a destruição de 12,9 milhões no ano até agosto. Apesar de favoráveis, esses números precisam ser comemorados com parcimônia, face aos conhecidos problemas de suas contabilizações durante a crise sanitária e à enorme quantidade de beneficiários do Auxílio Emergencial (AE) - cerca de 55 milhões em novembro.

Um forte crescimento do PIB no 4º trimestre - projeção da Macro Capital de 2,5% ante o 3º trimestre - daria maior peso ao argumento de que o fim do AE não desacelerará a atividade significativamente. A continuação da expansão da atividade poderia ser alavancada com a utilização de parte da ampliação da poupança das famílias gerada com as transferências governamentais. Essa dinâmica exigiria um abrandamento mais rápido da crise de saúde pública para garantir a normalização da economia e, em especial, do setor de serviços. O aprofundamento da pandemia e um processo de imunização muito lento, porém, frearia a recuperação do mercado de trabalho e, provavelmente, exigiria a utilização da poupança precaucional apenas como substituta para a recuperação mais firme da massa salarial.

Outro fator favorável à manutenção de um maior crescimento no início deste ano está associado à possível recomposição de estoques em alguns setores importantes. Essa decisão reforçaria a interpretação de que o fim do AE não será tão determinante em 2021. Ao estimular a economia no início do ano, a recomposição de estoques poderia, porém, simplesmente mascarar provisoriamente as consequências negativas desse encerramento.

Em sentido contrário, o significativo aumento de preços dos últimos meses contribuirá para um menor consumo neste ano, ao diminuir o poder de compra da população - a inflação alcançou 4,5% em 2020 sem uma correspondente alta dos salários.

Uma maior desaceleração do consumo das famílias seria provável também no caso de uma pior evolução da pandemia, em função de uma vacinação mais lenta fomentada pela inépcia do Ministério da Saúde e pela dificuldade de obtenção de insumos. O surgimento de mutações do vírus mais contagiosas e resistentes à vacinação reduziria a efetividade da imunização e desestimularia os consumidores, exigindo medidas mais restritivas de distanciamento social e novas vacinações.

Outros fatores também tendem a conter a expansão do consumo da população, sendo o fim do AE o mais notório - o programa transferiu cerca de R$ 295 bilhões para os seus beneficiários em 2020, sendo R$ 82 bilhões na sua extensão de setembro a dezembro.

O declínio da massa salarial ampliada real - recuo anual de 6% no acumulado entre abril e outubro - teria diminuído a atividade muito mais, se não fosse a contribuição das transferências governamentais, em particular para o grupo de menor renda. O aumento da avaliação ruim/péssimo do governo Bolsonaro de 32% em dezembro para 40% em janeiro é um indicativo do impacto do término do AE, muito embora também seja relacionada à evolução da pandemia, em particular à tragédia da falta de oxigênio em Manaus.

Os riscos negativos para o crescimento do consumo têm reforçado o clamor por uma nova extensão do AE, ainda mais em um ambiente de elevado desemprego e de acirrada disputa pelas presidências das duas casas legislativas.

Sob uma condição específica, eu seria favorável à extensão do AE até meados do ano. O Congresso precisaria de antemão aprovar medidas que garantissem a convergência para um superávit primário em poucos anos e, consequentemente, sinalizar o recuo da dívida pública ainda na 1ª metade desta dé cada. Sou cético, porém, sobre o cumprimento dessa condição. O Congresso prorrogou o auxílio até dezembro e não aprovou nenhuma medida que garantisse o equilíbrio fiscal. O risco da nova prorrogação do AE é o Congresso decretar o estado de calamidade e instituir crédito extraordinário para custear essa extensão, sem antes aprovar a PEC Emergencial e outras medidas de austeridade.

Caso a economia desacelere bastante e a pandemia piore, o Brasil pode enfrentar um dilema: o aumento da miséria, com o encerramento definitivo do AE; ou o recrudescimento dos temores de insolvência fiscal, com a extensão do auxílio, mas sem a aprovação de medidas fiscais substanciais. Não seria uma decisão fácil.

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