É
provável o início de um ciclo de aperto monetário ainda neste semestre, quiçá
neste trimestre
A
restrição fiscal torna improvável que o consumo do governo cresça muito neste
ano. Ao mesmo tempo, a limitada abertura comercial do país e as exportações
mais concentradas em commodities indicam uma atividade no curto prazo menos
elástica ao aumento da demanda global. Assim, as exportações líquidas
dificilmente crescerão o suficiente para estimular muito a economia em 2021, a
não ser pelo efeito-base positivo.
O
comunicado e a ata da reunião de janeiro do Copom retiraram a orientação sobre
a estabilidade da taxa Selic por um período mais longo e indicaram riscos
inflacionários mais significativos do que os assinalados anteriormente. Isso
elevou a probabilidade do início de um ciclo de aperto monetário ainda neste
semestre, quiçá neste trimestre. Um aumento de juros desaceleraria a atividade,
ainda mais se o ciclo for concentrado neste ano, mesmo se inferior aos 600
pontos base apreçados na curva de juros até o fim de 2022.
Em um contexto de dúvidas sobre a implementação de ajustes na economia, uma alta da taxa Selic dificultaria um recuo relevante dos juros mais longos, mantendo alto o custo dos investimentos. A elevada capacidade ociosa na economia, o início claudicante da vacinação e os repetidos atritos políticos reforçam a percepção de que é improvável o início de um vigoroso ciclo de investimentos.
Portanto,
a continuação da retomada em 2021 dependerá ainda mais do crescimento do
consumo das famílias. A recuperação da massa salarial poderia incentivar essa
expansão, mesmo em um contexto de diminuição dos estímulos fiscais e
monetários. O Caged registrou alta de 1,5 milhão de postos de trabalho formais
entre julho e novembro, depois da perda de 1,4 milhão de postos entre abril e
junho, enquanto a Pnad-Contínua indicou elevação de 2,6 milhões de empregos em
setembro e outubro, após a destruição de 12,9 milhões no ano até agosto. Apesar
de favoráveis, esses números precisam ser comemorados com parcimônia, face aos
conhecidos problemas de suas contabilizações durante a crise sanitária e à
enorme quantidade de beneficiários do Auxílio Emergencial (AE) - cerca de 55
milhões em novembro.
Um
forte crescimento do PIB no 4º trimestre - projeção da Macro Capital de 2,5%
ante o 3º trimestre - daria maior peso ao argumento de que o fim do AE não
desacelerará a atividade significativamente. A continuação da expansão da
atividade poderia ser alavancada com a utilização de parte da ampliação da
poupança das famílias gerada com as transferências governamentais. Essa
dinâmica exigiria um abrandamento mais rápido da crise de saúde pública para
garantir a normalização da economia e, em especial, do setor de serviços. O
aprofundamento da pandemia e um processo de imunização muito lento, porém, frearia
a recuperação do mercado de trabalho e, provavelmente, exigiria a utilização da
poupança precaucional apenas como substituta para a recuperação mais firme da
massa salarial.
Outro
fator favorável à manutenção de um maior crescimento no início deste ano está
associado à possível recomposição de estoques em alguns setores importantes.
Essa decisão reforçaria a interpretação de que o fim do AE não será tão
determinante em 2021. Ao estimular a economia no início do ano, a recomposição
de estoques poderia, porém, simplesmente mascarar provisoriamente as
consequências negativas desse encerramento.
Em
sentido contrário, o significativo aumento de preços dos últimos meses
contribuirá para um menor consumo neste ano, ao diminuir o poder de compra da
população - a inflação alcançou 4,5% em 2020 sem uma correspondente alta dos
salários.
Uma
maior desaceleração do consumo das famílias seria provável também no caso de
uma pior evolução da pandemia, em função de uma vacinação mais lenta fomentada
pela inépcia do Ministério da Saúde e pela dificuldade de obtenção de insumos.
O surgimento de mutações do vírus mais contagiosas e resistentes à vacinação
reduziria a efetividade da imunização e desestimularia os consumidores,
exigindo medidas mais restritivas de distanciamento social e novas vacinações.
Outros
fatores também tendem a conter a expansão do consumo da população, sendo o fim
do AE o mais notório - o programa transferiu cerca de R$ 295 bilhões para os
seus beneficiários em 2020, sendo R$ 82 bilhões na sua extensão de setembro a
dezembro.
O
declínio da massa salarial ampliada real - recuo anual de 6% no acumulado entre
abril e outubro - teria diminuído a atividade muito mais, se não fosse a
contribuição das transferências governamentais, em particular para o grupo de
menor renda. O aumento da avaliação ruim/péssimo do governo Bolsonaro de 32% em
dezembro para 40% em janeiro é um indicativo do impacto do término do AE, muito
embora também seja relacionada à evolução da pandemia, em particular à tragédia
da falta de oxigênio em Manaus.
Os
riscos negativos para o crescimento do consumo têm reforçado o clamor por uma
nova extensão do AE, ainda mais em um ambiente de elevado desemprego e de
acirrada disputa pelas presidências das duas casas legislativas.
Sob
uma condição específica, eu seria favorável à extensão do AE até meados do ano.
O Congresso precisaria de antemão aprovar medidas que garantissem a
convergência para um superávit primário em poucos anos e, consequentemente,
sinalizar o recuo da dívida pública ainda na 1ª metade desta dé cada. Sou
cético, porém, sobre o cumprimento dessa condição. O Congresso prorrogou o
auxílio até dezembro e não aprovou nenhuma medida que garantisse o equilíbrio
fiscal. O risco da nova prorrogação do AE é o Congresso decretar o estado de
calamidade e instituir crédito extraordinário para custear essa extensão, sem
antes aprovar a PEC Emergencial e outras medidas de austeridade.
Caso a economia desacelere bastante e a pandemia piore, o Brasil pode enfrentar um dilema: o aumento da miséria, com o encerramento definitivo do AE; ou o recrudescimento dos temores de insolvência fiscal, com a extensão do auxílio, mas sem a aprovação de medidas fiscais substanciais. Não seria uma decisão fácil.
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