As
empresas que não quiseram participar da compra das vacinas ficaram preocupadas
com o preço. Se aceitassem seguir com a ideia, iriam inflacionar o produto,
porque ele custa cinco vezes mais do que o valor pelo qual a AstraZeneca está
negociando. O outro motivo do racha é que algumas companhias queriam doar
integralmente. O objetivo era ajudar o SUS neste momento de crise de
suprimento. E existem problemas legais.
Há
outras divisões, segundo empresários. A iniciativa corre o risco de ficar
governista demais, até porque o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, quer tomar a
frente.
—
O Skaf está totalmente alinhado com o governo, que politizou muito essa questão
e nosso interesse era ajudar o Brasil — me disse um deles, falando do seu
desconforto.
Ontem,
depois que o plano deu sinais de fracasso, Skaf disse que as empresas só
comprariam o que não fosse oferecido ao governo. O fato é que existem outros
movimentos de empresários agindo de forma mais discreta e com mais interesse
público neste momento de crise aguda. O objetivo é ter todos os grupos
prioritários vacinados até agosto. Mas gostariam de duas coisas.
— Não queremos entrar na briga política e não queremos passar a ideia de que estamos fazendo isso para proteger apenas nossos funcionários, numa espécie de grande fura-fila. O preço complicou ainda mais porque estaríamos inflacionando a vacina e legitimando intermediários que desconhecemos. Além disso, a Europa está tendo problemas para receber essas vacinas — disse um dos executivos cuja empresa saiu do grupo.
Um
empresário que participou das discussões disse que foi surpreendido ontem
quando o presidente Bolsonaro, antes que houvesse concordância no setor privado
sobre o que fazer, tomou partido de um dos lados, exatamente o que queria
entregar ao governo apenas metade das doses compradas. Num encontro do Credit
Suisse, Bolsonaro anunciou que já havia concordado com essa compra de 33
milhões de doses.
Os
empresários quando decidiram se mobilizar para a compra de vacinas tinham
esperança de ajudar, como têm feito desde o começo desta pandemia com as suas
doações.
Uma
parte da elite empresarial está convencida de que o país tem que se proteger
como um todo. Outro grupo quer vacinar seus funcionários e contribuir com o
governo, doando metade das doses importadas. Está errado esse segundo grupo.
Não se salva uma parte da população — no caso trabalhadores do setor formal da
economia — quando está havendo uma tragédia deste tamanho. A única atitude
coerente seria adquirir para doar. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse
em dezembro que não poderia haver “vacinação paralela” no país, mas o governo
avisa que enviou carta à AstraZeneca liberando a compra. Já a farmacêutica nega
estar negociando com companhias brasileiras.
Do
ponto de vista legal, a compra pelas empresas é controversa. Daniel Wang,
professor de Direito do Ibre/FGV e especialista em direito da saúde, diz que a
vacina emergencial é regulada por uma Resolução de Diretoria Colegiada da
Anvisa e que a preferência é do governo federal. Dessa forma, não haveria
proibição se o governo abrisse mão da compra. Mas admite que o tema poderia ser
judicializado. O epidemiologista José Cássio de Moraes, professor da faculdade
de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, entende que se a vacina é
aprovada apenas para uso emergencial ela tem que ser destinada ao setor
público, especialmente em contexto de escassez de doses em uma pandemia. Mas
diz que o principal entrave, na sua visão, não é legal, mas ético e até mesmo
político.
—
É um absurdo que se faça concorrência com o setor público e as empresas
contribuam para aumentar o preço da vacina. Não acho que isso vá adiante,
porque o laboratório poderia ser processado por outros países que financiaram
as pesquisas e agora correm o risco de sofrer atraso na entrega das doses, como
acontece na Europa — afirmou.
Esse capítulo do setor privado na compra de vacinas é apenas um no meio de uma grande confusão feita por Bolsonaro na gestão da trágica crise que infelicita o Brasil. O presidente da República subestimou a pandemia, sabotou os esforços pela vacina, nomeou um ministro da Saúde para lhe bater continência. O general Pazuello deve sim ter sua gestão investigada, mas o presidente é o primeiro responsável por todos os erros do governo que elevaram o número de mortes de brasileiros
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