A prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) na terça-feira serviu para transmitir um recado aos bolsonaristas que, como ele, fazem pouco da democracia, se comportam como valentões ginasianos diante das instituições e defendem abertamente uma ditadura. Em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) referendou a prisão decretada na véspera pelo ministro Alexandre de Moraes. Foi uma forte demonstração de unidade num momento de divisões na mais alta Corte do país.
A
Procuradoria-Geral da República imediatamente denunciou Silveira pelo conteúdo
do vídeo em que instiga agressões físicas a ministros do Supremo, xinga e
desqualifica a instituição, além de defender o AI-5, ato da ditadura que
permitiu a cassação de juízes e parlamentares, prisões, tortura e mortes. Cabe
agora à Câmara tomar uma decisão sobre o destino do deputado. Ele precisa ser
afastado do mandato.
Não
há a menor condição de alguém com o pensamento antidemocrático e defensor da
violência continuar a ocupar assento num Parlamento democrático. Silveira,
expoente das falanges radicais do bolsonarismo, já é investigado em inquéritos
conduzidos por Moraes sobre manifestações antidemocráticas e desinformação. Na
iminência de ser preso, repetiu as agressões em seu perfil no Twitter,
reforçando a justificativa da prisão em “flagrante delito”, sem direito a
fiança.
Decisões
como a de Moraes costumam ser criticadas com base no direito à liberdade de
expressão e na imunidade parlamentar. Em seu voto, porém, o ministro demonstrou
que são inconstitucionais tanto manifestações que tentam “aniquilar a força do
pensamento crítico” quanto as que procuram destruir o regime democrático e as “instituições
republicanas”.
Além de acusar Silveira por desrespeitar a Carta, difundir ideias contra a ordem constitucional e o Estado de direito, Moraes também o enquadrou, por ironia, na Lei de Segurança Nacional, herdada da ditadura tão defendida por ele. Tal lei não poderia ser mais clara ao definir os crimes. “Atentar contra a democracia, contra o estado de direito, não configura exercício da imunidade parlamentar”, afirmou Moraes. “Em nenhum país se confunde imunidade com impunidade.”
Uma
sucessão de fatos preocupantes precedeu a crise. O vídeo de Silveira foi
lançado logo depois da controvérsia que cercou o lançamento do depoimento do
general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, revelando ter contado
com o aval do Alto-Comando para o tuíte publicado às vésperas do julgamento de
um habeas corpus em favor do ex-presidente Lula em 2018, classificado pelo
general como “alerta”, mas entendido como ameaça.
O
ministro Edson Fachin, relator daquele processo, afirmou que “a declaração de
tal intuito, se confirmado, é gravíssima e atenta contra a ordem
constitucional”. Foi seguido pelo ministro Gilmar Mendes, que, respondendo a
uma ironia de Villas Bôas a respeito da nota de Fachin, disse: “A harmonia
institucional e o respeito à separação entre os Poderes são valores
fundamentais da nossa República. Ao deboche daqueles que deveriam dar o
exemplo, responda-se com firmeza e senso histórico: Ditadura nunca mais!”.
Tais
palavras em defesa da democracia deveriam inspirar a Câmara a afastar Silveira,
para que depois ele responda à denúncia, seja julgado e punido nos termos da
lei.
Governo está mais empenhado em dar armas do que vacinas ao país – Opinião / O Globo
Depois de um carnaval atípico, que só se fez notar pelas aglomerações irresponsáveis, o país assistiu ontem à Quarta-Feira de Cinzas da campanha de vacinação. Iniciada há um mês, já seguia a conta-gotas, com contratempos como as “vacinas de vento”. Agora, nem isso. Por falta de doses, ao menos quatro capitais —Rio, Salvador, Cuiabá e Curitiba — e dezenas de outras cidades tiveram de interromper a vacinação. A situação não é mais trágica porque municípios reservaram estoque para a segunda dose, que precisa ser aplicada dentro dos prazos prescritos e não ao sabor da incompetência do Ministério da Saúde.
Com
razão, gestores de todo o país estrilaram. A Frente Nacional de Prefeitos
atribuiu a escassez “aos sucessivos equívocos do governo federal” e cobrou uma
solução imediata. A Confederação Nacional dos Municípios disse ser “necessária,
urgente e inevitável” a demissão do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. E onde
está o governo? O presidente Jair Bolsonaro, em sua folga no litoral de Santa
Catarina, fez o de sempre: provocou aglomerações e desprezou o uso de máscaras.
Pazuello, depois da grita generalizada, apresentou ontem, durante reunião com
governadores, um cronograma de vacinas em que promete entregar 231 milhões de
doses até julho.
O
fiasco das vacinas era previsível diante da gestão desastrosa na pandemia. O
governo fez tudo errado. Por omissão, viu-se refém de única opção, a vacina de
Oxford/AstraZeneca, que será produzida pela Fiocruz. Devido ao atraso na
chegada dos insumos, o cronograma foi para o espaço, e as primeiras doses só
devem ser entregues em março. O que ainda mantém a incipiente vacinação são as
doses da chinesa CoronaVac, produzida no Instituto Butantan. A mesma que
Bolsonaro demonizou e disse que não compraria. Não teve escolha.
A
vacina da Pfizer, usada no mundo inteiro, foi desprezada, por motivos que ainda
precisam ser esclarecidos. Agora, o governo diz querer adquirir 30 milhões de
doses da russa Sputnik V e da indiana Covaxin, que nem eram cogitadas.
Bolsonaro alega que tem R$ 20 bilhões para comprar vacinas, mas que não há
doses disponíveis. Deveria ter atentado para assegurá-las meses atrás. Se o
governo perdeu o timing, a culpa é exclusivamente dele.
Embora
Bolsonaro e Pazuello estejam alheios à tragédia, a situação é gravíssima. O
Brasil está há semanas com média de mortes por Covid-19 acima de mil, patamar
superior aos piores momentos da pandemia. Com um agravante: a nova variante do
Sars-CoV-2 que surgiu em Manaus e se alastra pelo país. É praticamente certo
que a nova cepa seja mais contagiosa. Ela representa preocupação adicional em
relação à ocupação dos hospitais.
Enquanto
uma segunda onda de Covid-19 varre o país de forma inclemente e faz acelerar o
conta-giros macabro das mortes — o número já passa dos 240 mil —, a imunização
patina na inépcia de um governo que, em vez de vacinas, está mais empenhado em
oferecer armas aos cidadãos. É uma questão de escolha, entre a vida e a morte.
Sem vacina e sem economia – Opinião / O Estado de S. Paulo
Vacina
é hoje um insumo essencial para retomada econômica, mas Jair Bolsonaro
mostra-se incapaz de entender essa verdade
Sobram máquinas e equipamentos parados, enquanto a economia rasteja, e há mão de obra ociosa em todo o País, por causa do desemprego, mas falta vacina para conter a covid-19 e abrir espaço a uma recuperação mais ampla. Vacina é hoje um insumo essencial para uma firme retomada econômica na maior parte do mundo, como têm dito e repetido dirigentes do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e de outras instituições multilaterais. Vacinação foi um dos primeiros assuntos mencionados pela economista Ngozi Okonjo-Iweala logo depois de anunciada, na segunda-feira, sua escolha para dirigir a Organização Mundial do Comércio (OMC). O presidente Jair Bolsonaro mostra-se incapaz, até hoje, de entender essa verdade simples.
“O
aumento do número de casos de covid-19 representa um risco do processo de
recuperação econômica”, segundo o Boletim Macro, edição de janeiro, da Fundação
Getúlio Vargas (FGV). Essa incerteza, somada a outros fatores, como a suspensão
do auxílio emergencial, levou a uma redução das expectativas em relação ao
ritmo da atividade neste início do ano. Economia fraca no primeiro semestre e
crescimento a partir do segundo compõem o cenário apresentado no boletim.
Risco
de recessão, com recuo do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro e no segundo
trimestres, é apontado por vários analistas mencionados nesta segunda-feira em
reportagem do Estado. Outras equipes, pouco mais
otimistas, projetam retração no período de janeiro a março e baixo crescimento
nos três meses seguintes.
A
melhora do quadro, em todos os casos, é associada a um possível ganho de
impulso da vacinação, depois de um começo muito lento e muito mal preparado
pelas autoridades federais. Sinais de escassez de vacinas em vários municípios,
incluídas grandes capitais, comprovam a escandalosa inépcia do ministro da
Saúde, estrito cumpridor de ordens do presidente da República.
O
ano terminou com um Natal fraco, queda de 6,1% nas vendas do varejo, setor de
serviços ainda estagnado e a indústria avançando mais devagar que nos meses
anteriores. Nada sugere maior atividade no início de ano nem melhora
significativa no mercado de emprego (14 milhões de desocupados, 14,1% da força
de trabalho, no período setembro-novembro, segundo os últimos dados). A
disposição de empresários e consumidores, no começo de ano, reflete esse
desempenho medíocre, ou abaixo disso, da economia brasileira.
Em
janeiro, o Índice de Confiança do Consumidor medido pela FGV caiu pela quarta
vez seguida e atingiu o menor nível desde junho, quando se recuperava da queda
recente. O Índice de Confiança do Empresário caiu, igualmente, em relação ao
nível de dezembro.
Também
a Confederação Nacional da Indústria detectou menor disposição do empresariado.
O Índice de Confiança do Empresário Industrial caiu 1,4 ponto entre janeiro e
fevereiro, na segunda queda consecutiva, e chegou a 59,5 pontos. Manteve-se na
área positiva, acima de 50 pontos, mas a piora de humor desde o início do ano
se agravou.
Medíocre
talvez seja uma palavra suave para qualificar o desempenho econômico previsto,
nas instituições financeiras e nas principais consultorias, para 2021. A
mediana das últimas projeções ficou em 3,43%. Para isso, no entanto, bastará a
economia manter a atividade alcançada no trimestre final de 2020, 3,14%
superior à do período de julho a setembro, segundo o índice estimado pelo Banco
Central.
Sem
o auxílio emergencial, mais de 17 milhões de pessoas caem de novo no estado de
pobreza, ampliando para cerca de 62 milhões o contingente de indivíduos com
renda diária inferior a US$ 5,50. Passada a Quarta-feira de Cinzas, o governo
ainda espera do Congresso medidas para restabelecer, em condições mais
limitadas, o socorro financeiro abandonado, por falta de previsão e de
planejamento, na virada do ano. Quanto às demais condições necessárias à
sustentação da economia, continuam obscuras. Quando se trata de previsão e de
planejamento, estão empatados, ou quase, os Ministérios da Economia e da Saúde.
Imunização claudicante – Opinião / O Estado de S. Paulo
Sem
vacinas suficientes, crise atingirá um patamar inimaginável no Brasil
Em meio à maior tragédia que se abateu sobre o País em mais de um século, a Nação ainda se vê refém de um presidente da República insensível às dores de parentes e amigos das mais de 241 mil vítimas fatais da covid-19 e às aflições de seus concidadãos. Vê-se enredada pela espessa teia de descaso, incompetência e ergofobia de um presidente incapaz de entender a gravidade da crise que o País atravessa e de adotar as melhores medidas possíveis para acabar de uma vez com o flagelo sanitário, social e econômico. A principal delas é uma massiva e rápida campanha de vacinação. Mas a vacinação claudica, para aflição dos brasileiros.
Um
mês após o tímido início da imunização contra a covid-19 no País, a tibieza do
governo federal levou ao esgotamento da pouca quantidade de doses que até agora
foram destinadas à proteção dos grupos prioritários. E não há previsão segura
de quando novos lotes de imunizantes serão enviados aos municípios.
Na
cidade do Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes (DEM-RJ) informou o óbvio:
sem vacinas suficientes, o Rio foi obrigado a interromper o programa de
vacinação por pelo menos uma semana. A situação dramática não é muito diferente
em outras capitais, como Salvador, Cuiabá e Curitiba. Todas estão na iminência
de ter o estoque de doses zerado nos postos de saúde.
O
Ministério da Saúde segue a reboque dos acontecimentos, quando em um país
minimamente funcional deveria ser o maior protagonista das ações federais no
combate à pandemia, principalmente a aquisição de vacinas. Mas, talvez
preocupado com sua defesa nas esferas administrativa e criminal, Eduardo
Pazuello se mostra muito aquém do que se espera de um ministro da Saúde,
especialmente em um momento como este.
Basta
lembrar que, há poucos dias, em audiência no Senado, Pazuello foi incapaz de
dizer quando o País terá vacinas o bastante para imunizar toda a população. Uma
pergunta básica que um bom ministro da Saúde saberia responder prontamente.
Agora,
às pressas, o ministro procrastinador rascunha um plano de vacinação e anuncia,
depois de intensa pressão de governadores e prefeitos, a compra de 231 milhões
de doses de imunizantes até julho, “o suficiente para dar tranquilidade de
proteção à população contra essa doença”, disse Pazuello, especialista em fazer
promessas, mas não em cumpri-las.
Não
surpreende que, diante da perigosa inoperância do Ministério da Saúde, a
Confederação Nacional dos Municípios (CNM) tenha pedido a demissão de Pazuello
por “ter reiteradamente ignorado os prefeitos do Brasil e não ter acreditado na
vacinação como a saída para a crise”, disse em nota a entidade municipalista.
Na
verdade, o intendente Pazuello não ocupa o cargo que ocupa por sua competência.
Ele lá está com a “missão” de cumprir as ordens de Jair Bolsonaro. Caso seja
destituído do cargo pelo presidente, nada indica que seu substituto fará muito
diferente. Ao País interessa muito mais uma radical mudança da política de
saúde do governo federal em relação à pandemia.
Entre
um banho de mar e outro, Bolsonaro não dá sinais de que isso vai ocorrer. Suas
preocupações passam ao largo da imunização em massa da população, única maneira
de salvar vidas e permitir a tão desejada retomada da atividade econômica.
Países que apostaram na vacinação de seus cidadãos como o caminho para sair da
crise já começam a colher os frutos da boa decisão. Veja-se o que ocorre em
Israel. É notável a queda do número de internações e mortes à medida que mais
pessoas são vacinadas. Mesmo nos Estados Unidos, país que ainda mantém uma
média de mil mortes diárias, pouco a pouco se observa a queda nas internações e
nos óbitos. A média nacional já foi de 3 mil mortes por dia.
Não
há outra saída para essa crise que não seja a vacinação de todos os brasileiros
o mais rápido possível. Trata-se da mais alta prioridade nacional. A sociedade
já se mobiliza em torno dessa causa. Mas, sem a pronta ação do governo, essa
crise não terá fim tão cedo e, pior, poderá atingir um patamar inimaginável.
Desarmamento nuclear: novo começo – Opinião / O Estado de S. Paulo
Prorrogação
do tratado de redução de armas entre EUA e Rússia é essencial à paz mundial
No final de janeiro, os presidentes das duas superpotências nucleares, Joe Biden, dos EUA, e Vladimir Putin, da Rússia, concordaram, em conversa por telefone, em prorrogar por mais cinco anos o Tratado de Redução de Armas Estratégicas (New START). De toda a bateria de decretos e atos administrativos disparada por Biden e sua equipe para desarmar as políticas mais deletérias de Donald Trump, a prorrogação era a mais urgente do ponto de vista da segurança global. Sem ela, pela primeira vez desde 1972 não haveria nenhum tratado bilateral impedindo os dois países de incrementar seus arsenais nucleares.
Este
não foi o único tema da conversa. Em nota, a Casa Branca declarou que Biden
“reafirmou” o “forte apoio” dos EUA à soberania da Ucrânia, e abordou o ataque
cibernético à SolarWinds, as ameaças a soldados americanos no Afeganistão e a
interferência russa nas eleições de 2020. Além disso, Biden reprovou o
envenenamento e a prisão do líder oposicionista Alexei Navalny.
Todas
essas questões geopolíticas – assim como as relativas à China – exigirão um
concerto tão complexo quanto urgente entre os EUA e seus aliados. Mas no campo
bilateral a prorrogação do New START é um passo crucial para a restauração da
normalidade no espectro nuclear.
O
tratado foi assinado em 2010, quando Biden era vice-presidente de Barack Obama,
e deu por encerrada a chamada guerra fria. Em substituição aos tratados
anteriores (START I e II), ambos os países se comprometeram a reduzir o seu
arsenal atômico pela metade, limitando o estoque de cada parte a 1.550 ogivas e
a 800 bombardeiros pesados, lançadores de mísseis balísticos intercontinentais
e lançadores submarinos. Também foi acordado o monitoramento recíproco, remoto
e por satélite, além de 18 inspeções anuais in loco.
Revertendo
décadas de consenso bipartidário sobre a não proliferação de armas nucleares,
Trump reacendeu os piores temores da guerra fria. Sob seu comando, além das
ameaças de se retirar da Otan, os EUA se retiraram do Tratado de Forças
Nucleares de Alcance Intermediário, do Tratado de Forças Nucleares com o Irã –
hoje à beira do colapso – e do Tratado Open Skies, que permite aos EUA e seus
aliados realizar voos de monitoramento sobre a Rússia. O New START era o
próximo a cair.
Todo
esse catálogo de ações temerárias dá uma ideia do desafio de Biden para
restaurar a agenda de desarmamento global.
De
um modo geral, essa agenda implica retomar o desarmamento nuclear como um
empreendimento mundial e reconstruir uma coalizão em apoio à redução dos riscos
nucleares. Não será tarefa fácil. Os demais membros do Conselho de Segurança da
ONU, China, França e Reino Unido, têm resistido às pressões para discutir
reduções em seus estoques enquanto Rússia e EUA não se comprometerem a reduzir
os seus em níveis muito inferiores aos atuais. Índia, Israel, Coreia do Norte e
Paquistão também relutam em submeter seus arsenais a um controle externo e
estão investindo em sua modernização.
Recosturar
e reforçar os pactos com a Rússia é peça-chave nesse processo de estabilização.
Além disso, será crucial envolver a China em discussões trilaterais, não apenas
para explorar questões relacionadas aos armamentos nucleares, mas outras opções
estratégicas, como mísseis de defesa, armas avançadas convencionais e armas
antissatélite, além da construção de mecanismos de confiança mútua, como um
centro de advertências contra riscos iminentes ou estratégias conjuntas para
lidar com ataques cibernéticos aos centros de comando nuclear. Ao concordarem
em mobilizar forças-tarefa para “urgentemente consumar a prorrogação” do New
START antes que ele expirasse em 5 de fevereiro, Rússia e EUA deram um primeiro
e promissor passo nessa direção. Isso lhes dará tempo para discutir planos de
redução mais ambiciosos e capazes de abranger outros sistemas táticos e
estratégicos.
Há
75 anos o mundo vive sob a “espada nuclear de Dâmocles”, nas palavras de John
Kennedy. É incerto por quanto tempo perdurará essa terrível ameaça. Mas, sob a
administração de Biden, a espada deve ao menos se manter menos instável e
afiada.
Caso de cassação – Opinião / Folha de S. Paulo
Embora
prisão seja questionável, deputado que atacou STF merece perder mandato
O
que há de certo no caso do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) é que o
parlamentar preso
em flagrante por decisão do Supremo Tribunal Federal não tem estatura
moral para o cargo que ocupa.
Suas
imprecações em vídeo de quase 20 minutos contra ministros do STF e a própria
corte são dignas apenas de um ferrabrás de botequim, jamais do que se espera de
um legislador da República.
A
fala traz uma impressionante concentração de crimes contra a honra, cuja prova
é a própria gravação. Inclui também declarações que podem ser descritas como
crimes mais graves contra a ordem pública, tipificados na famigerada Lei de
Segurança Nacional.
Neste
aspecto, porém, o enquadramento é mais complexo e depende de outras
circunstâncias que o despacho
do ministro Alexandre de Moraes, que determinou a prisão do deputado, não
contempla.
Mandar
prender um parlamentar é ato dos mais graves. A Constituição só permite fazê-lo
em caso de flagrante de crime inafiançável. Tal condição parece questionável no
episódio em tela.
Esse
não é o único problema. A prisão surgiu no âmbito do inquérito das fake news,
talvez a mais heterodoxa das iniciativas recentes do STF, que dividiu a própria
corte —mais tarde, os ministros que se opuseram ao inquérito e o
procurador-geral, que também o fizera, acabaram por aceitá-lo.
De
todo modo, o caso testa os limites da liberdade de expressão no Brasil. Em
tese, a Constituição assegura a todos o direito de dizer o que pensam
—inclusive declarações contra a democracia.
Mais
ainda, parlamentares são, nos termos da Carta, invioláveis civil e penalmente
por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos; em contrapartida, estão
sujeitos ao julgamento dos pares em caso de eventuais infrações éticas.
A
legislação proíbe que pessoas, com ou sem mandato, engajem-se em ações para
mudar fora dos trâmites previstos o regime em vigor —mesmo que utilizando-se
apenas de palavras, como ocorre no caso da incitação. Quando a simples
comunicação de uma ideia, permitida, torna-se uma incitação, proibida, é a
matéria-prima do Direito.
Independentemente
da prisão de Silveira, é fundamental que a Câmara dos Deputados abra processo
ético contra o parlamentar e decida se ele, com seu vídeo, quebrou ou não o
decoro do cargo.
Cumpre
apontar que todo deputado, ao tomar posse, promete defender e cumprir a Constituição
e as leis do país. Nesse sentido, cabe ao partido abrir um processo disciplinar
contra o deputado e expulsá-lo de seus quadros; o Legislativo, se não quiser
pôr em risco a reputação da democracia brasileira, precisa decidir pela
cassação.
Tragédia manauara – Opinião / Folha de S. Paulo
Responsabilidade
de governadores e prefeitos por mortes também deve ser apurada
Num
país que já perdeu mais de 240 mil vidas para a Covid-19, as pouco mais de
7.000 mortes ocorridas em Manaus podem parecer pouco. Em perspectiva, porém, as
vítimas manauaras indicam quão tenebrosa se torna a pandemia quando governantes
a menosprezam.
Só
nos primeiros 45 dias de 2021 pereceram na capital do Amazonas 3.572 pessoas.
Mais que as 3.380 falecidas no ano inteiro de 2020, e o equivalente a 8% do
total brasileiro neste ano, embora a cidade abrigue 1% da população nacional.
A
taxa de mortalidade acumulada ali desde a irrupção da Covid passa dos 3.200
óbitos por milhão de habitantes. A cifra supera o décuplo da média mundial de
311 mortes/milhão. São números para envergonhar qualquer brasileiro, mais ainda
autoridades que admitiram tamanha tragédia.
As
atenções e críticas se concentram no Ministério da Saúde e seu bisonho titular,
o general Eduardo Pazuello. Com justiça, por incapaz de prever e agir para
remediar em tempo o colapso no fornecimento de oxigênio para UTIs convertidas
em câmaras de asfixia —para não mencionar a indignidade de promover a inócua
cloroquina.
Deficiências
nos serviços de saúde dos estados do Norte acumularam-se ao longo de décadas.
No Amazonas registram-se 5.398 médicos, 1,3 por mil habitantes, contra a média nacional
de 2,27; na capital ficava a maioria dos leitos de UTI no início da epidemia, à
proporção de 2,44 por 10 mil habitantes, ante 4,57 na média das capitais.
Às
pressas, abriram-se no ano passado 137 vagas de tratamento intensivo em
hospitais públicos para enfrentar a invasão do novo coronavírus. Entre julho e
outubro de 2020, porém, o governo do Amazonas, chefiado por Wilson Lima (PSC),
desativou 117 desses leitos.
Não
bastasse tal imprevidência, com UTIs já no limite de 85% de lotação, o
governador reverteu a determinação de fechar o comércio não essencial durante
as festas de dezembro, após manifestações de protesto em Manaus. O resultado
trágico hoje todos conhecem.
O
governo Jair Bolsonaro carrega, decerto, o peso maior de responsabilidade pelas
mortes evitáveis —por pregar contra o distanciamento social, propagandear
falsas curas e resistir o quanto pôde a planejar a vacinação.
A
constatação não implica, contudo, isentar governadores e prefeitos de
responsabilidade. Todos precisam ter suas ações e omissões investigadas com
rigor.
Após uma década, risco de inflação entra em cena nos EUA – Opinião / Valor Econômico
Se
nem uma dose tão poderosa de incentivos for capaz de produzir uma inflação
baixa, é difícil imaginar o que o fará
Há
mais de uma década o Federal Reserve americano tenta, sem sucesso, fazer com
que a inflação alcance a meta de 2%. Mas a sequência de três pacotes de
estímulo em um ano, em especial os dois últimos (US$ 900 bilhões em dezembro,
no governo Trump e US$ 1,9 trilhão proposto por Joe Biden) pode, talvez,
realizar a tarefa. Eles formarão um poderoso conjunto de estímulos de 13% do
PIB, algo só visto nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. A volta
da inflação antes do esperado - o Fed não prevê que ela atinja 2% até o fim de
2023 - encontrará países e empresas muito endividados e ativos financeiros
supervalorizados diante da perspectiva de taxas de juros baixas a perder de
vista - um cenário propício para uma grande crise. Os índices de inflação não
mostram ainda esse perigo, o que não significa que ele não exista.
O
alerta do perigo inflacionário partiu de um economista insuspeito, Lawrence
Summers, que trabalhou com os democratas como secretário do Tesouro na gestão
de Bill Clinton e presidente do Conselho Econômico Nacional de Barack Obama. Fã
dos estímulos fiscais e monetários, Summers é o autor da interpretação de que a
inflação e os juros caíram para perto do zero por um excesso de poupança sobre
os investimentos decorrente de mudanças demográficas e tecnológicas: a
“estagnação secular”. Desta vez, porém, ele acha que o pacote contra a pandemia
do presidente Joe Biden passou do ponto e produzirá “pressões inflacionárias de
um tipo não visto em uma geração”.
Embora
os números isolados de um mês tenham significado limitado, eles indicam que a
economia americana está acelerando seu crescimento. As vendas no varejo
cresceram 5,3% em janeiro, cinco vezes mais que a previsão de consenso (0,9%).
Este e outros indicadores (a produção industrial cresceu 1% em janeiro) podem
levar o PIB do primeiro trimestre a crescer algo como 7% anualizado, segundo
projeções da Oxford Economics. As vendas do varejo já estão 7,8% acima do nível
pré-pandemia. Os preços ao produtor subiram 1,3% em janeiro e 1,7% ante janeiro
de 2020, diante de uma expectativa de 0,4%.
Desde
a crise de 2008, os EUA (e a União Europeia) executaram pacotes de estímulos
monetários de magnitude sem precedentes na história do capitalismo. As
economias mais avançadas levaram uma década para voltar ao ponto em que estavam
antes de 2008, e ainda sob riscos nada desprezíveis de deflação. Com a
pandemia, foi a vez dos estímulos fiscais, relativamente ausentes na Grande
Recessão. No primeiro semestre de 2020, o Congresso aprovou US$ 2 trilhões em
ajuda financeira, a maior parte para socorrer consumidores, empresas e governos
estaduais dos efeitos da parada súbita da economia.
Summers
acha que os EUA não precisam agora de tamanho estímulo quando, sem ele, o FMI
prevê um crescimento de 5,1% e o Morgan Stanley, de 6,5%. Segundo Summers, o
US$ 1,9 trilhão adicional de Biden equivale ao triplo da queda do produto
observada, ou a cinco vezes a perda dos salários durante a pandemia. Com o novo
pacote, mais da metade dos desempregados terão aumento de renda em relação a
sua situação anterior. Isto já aconteceu antes de sua aprovação. Entre janeiro
de 2020 e janeiro deste ano, segundo Summers, os gastos de consumo da população
de baixa renda avançou 13%.
A
demanda, que não precisaria de incentivos, pode ainda receber a ajuda da
poupança acumulada durante a pandemia. Ela saiu de US$ 200 bilhões em março de
2020 para US$ 1,5 trilhão em dezembro. O detalhe importante é que Summers
considera que não se deve gastar tanto dinheiro para estimular a demanda, não
porque isso seja em princípio errado, mas porque seria melhor e mais profícuo
realizar investimentos, que têm efeitos mais abrangentes e duradouros sobre o
crescimento.
Os juros de longo prazo estão subindo e os títulos que protegem da inflação pagam mais de 2%. O grande problema é que se a inflação começar a subir logo a política monetária não poderá reagir como sempre, elevando rapidamente as taxas. A reversão da expectativa de uma política frouxa até pelo menos 2023, dada pelo Fed, terá efeitos tão destrutivos que o “taper tantrum” de 2013 parecerá inofensivo. Tudo depende do ritmo do crescimento e de se o Fed terá tempo de fazer mudança de orientação gradual e ordenada. Mas há mais em jogo: se nem uma dose tão poderosa de incentivos for capaz de produzir uma inflação baixa, é difícil imaginar o que o fará.
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