Parlamentares
ficam soltíssimos para defender interesses pessoais e grupais
Há
o presidencialismo de coalização, descrito como uma combinação do
presidencialismo com o apoio de uma coalizão multipartidária no Legislativo.
Segundo o cientista político Sérgio Abranches, que criou esse conceito, “... é
um requisito imprescindível da governabilidade no modelo brasileiro. Nem todos
os regimes presidenciais multipartidários dependem tanto de uma coalizão
majoritária. No Brasil, as coalizões não são eventuais, são imperativas. Nenhum
presidente governou sem o apoio e o respeito de uma coalizão. É um traço
permanente de nossas versões do presidencialismo de coalizão”.
E
há o presidencialismo de cooptação. Nele o presidente busca o apoio de parlamentares
por meio do toma lá verbas e cargos e o dá cá apoio parlamentar. Outra
diferença relativamente ao de coalização é que essa troca se dá com
parlamentares específicos, ou um grupos deles, e pode ser feita mesmo
contrariando a orientação das lideranças e dos programas partidários.
A
recente eleição para a presidência da Câmara e a do Senado foi bem mais na
linha da cooptação do que da coalizão. Meu artigo anterior neste espaço
destacou a reportagem deste jornal Por eleição, Planalto libera R$ 3 bi a parlamentares,
publicada em 29 de janeiro. Nela, o que chamou a atenção foi a grande dimensão
desse valor, a coincidência dos entendimentos com o período pré-eleitoral nas
duas Casas e o amplo alcance de negociações individuais. O ex-presidente da
Câmara Rodrigo Maia, que tentou articular uma candidatura em oposição à apoiada
pelo Executivo, até reclamou quanto à cooptação praticada.
O senador Tasso Jereissati, em entrevista ao jornal O Globo digital no domingo passado, afirmou: “... esse período agora é diferente, (...) todos os partidos, todos, foram triturados (...) pelo processo eleitoral de Senado e Câmara. (...) Sempre teve isso, mas os partidos também tinham um grande peso. Agora os partidos foram ignorados como se não existissem. (...) o processo (...) nas duas Casas do Congresso foi na base da captação de votos individual”.
A
cooptação individualizada envolveu grupos de tamanho relevante no contexto das
organizações partidárias, mas também houve dentro delas grupos contrários à
cooptação, com o que vieram rachas partidários marcados por posições opostas na
eleição. O mais evidente foi no DEM, de Rodrigo Maia, onde alcançou o grupo
dele em contraposição ao do ex-prefeito de Salvador Antônio Carlos Magalhães
Neto. Os dois até trocaram impropérios em declarações à imprensa.
Outro
racha muito citado foi no PSDB. Aí a liderança do governador João Doria
alcançava deputados que votaram em Baleia Rossi, o candidato articulado por
Rodrigo Maia. Mas houve também quem optasse por Arthur Lira, o candidato de
Bolsonaro. O deputado tucano Aécio Neves, uma liderança em evidente declínio
nacional, ainda assim foi apontado por Doria como um dos mobilizadores desse
apoio, novamente com troca de insultos entre as partes.
Esses
dois partidos terão enorme trabalho para recuperar sua identidade programática,
e arregimentar seus membros em torno dela, se quiserem ter uma influência de
peso nas eleições de 2022. Tudo isso tem como pano de fundo um sistema
partidário e eleitoral que cria incentivos para os parlamentares buscarem as
cooptações. Não havendo o voto distrital, eles não são cobrados pelos eleitores
ao longo de seus mandatos, nem tomam por si a iniciativa de relatar o que
fazem, ficando assim soltíssimos para defender interesses pessoais e de grupos
que os pressionam. Esse comportamento é também aético, pois se desvia do que,
como representantes do povo, e não de si mesmos ou desses grupos, deveria
marcar as atitudes parlamentares, a defesa do bem comum.
Temas
como a retomada do crescimento econômico, o enorme tamanho e a
disfuncionalidade do Estado brasileiro, as carências educacionais, sanitárias,
ambientais e tecnológicas, a imagem do Brasil no plano internacional, onde está
bem atrás dos países que mais avançam, nada disso parece despertar seu
interesse e o empenho em ações corretivas. Salvo exceções cada vez mais
excepcionais, o que os move mesmo é o interesse em renovar seus mandatos, para
o que focam nas distribuições de benesses, sem ponderar seus custos, e no apoio
político inquestionado a quem tem o poder de financiar seus projetos
eleitorais.
No
contexto desse poder, tem papel importante a enorme quantidade de cargos
governamentais a oferecer e a liberação de verbas de interesse exclusivo dos
parlamentares e de seus apoiadores, as quais constituem financiamento público
indireto de campanhas eleitorais, em prejuízo de candidatos não incumbentes.
Mas
a Constituição não diz que todos são iguais perante a lei? Ora, no Brasil é
costume dizer que leis são como vacinas: umas pegam, outras não. Assim, o
momento atual, o das vacinas previamente testadas, deveria servir para o País
buscar vacinas legais eficazes contra nossos muitos males
político-institucionais.
*Economista (UFMG, USP E HARVARD), professor sênior da USP. É consultor econômico e de ensino superior
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