A
nova “cláusula de calamidade” será usada em 2022
O
governo ainda não explicitou a sua proposta para o “novo marco fiscal”, que
negocia com os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do
Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). As fontes consultadas pelo Valor informaram, no
entanto, que a preocupação das autoridades é aprovar um marco legal que permita
ajustar as contas públicas do próximo ano, principalmente na eventualidade de
que a pandemia da covid-19 se prolongue por mais alguns meses.
Algumas
notícias desencontradas dificultam a compreensão do que está acontecendo. Em
primeiro lugar, a prorrogação do auxílio emergencial, com benefício mensal em
valor substancialmente inferior ao concedido no ano passado, não depende de
novos cortes de despesas ou de medidas fiscais adicionais. Simplesmente porque
elas já foram adotadas para este ano e constam da proposta orçamentária para
2021, que ainda está em análise pelo Congresso Nacional.
A lei complementar 173/2020 proibiu, até 31 de dezembro de 2021, que a União, Estados e municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia concedam aumento, reajuste ou qualquer vantagem salarial aos membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos. A LC abriu exceção para aqueles aumentos que já tinham sido aprovados pelo Congresso anteriormente, como foi o caso do reajuste para os militares.
O
presidente da República, os governadores e os prefeitos ficaram proibidos
também de criar emprego, cargo ou função que implique aumento de despesa,
realizar concurso, admitir ou contratar pessoal a qualquer título, criar ou
majorar auxílios, vantagens, bônus ou abonos, criar despesa obrigatória de
caráter continuado e de adotar medida que implique reajuste de despesa acima da
variação da inflação.
Todas
as proibições estão previstas no artigo 8º da LC 173, que passou a ser
conhecido na área técnica como “cláusula de calamidade pública”. Ela foi uma
compensação às imensas despesas da União para preservar os brasileiros e a
economia dos efeitos nefastos da pandemia. Quando elaborou a proposta
orçamentária para 2021, em agosto do ano passado, o governo adotou as medidas
definidas no artigo 8º da LC 173. A “cláusula de calamidade pública” está,
portanto, sendo cumprida.
O
problema é que, embora a pandemia tenha arrefecido no segundo semestre de 2020,
se intensificou no início deste ano, apresentando agora uma segunda onda, tão
letal quanto a primeira. Discutiu-se muito a prorrogação do decreto de
calamidade pública editado pelo presidente Jair Bolsonaro, mas a equipe
econômica avaliou que a medida não seria necessária. O número de óbitos não
parava de diminuir e a economia estava recuperando em “V”.
Com
base nessa avaliação, o governo concluiu que não seria necessário prorrogar o
auxílio emergencial. E, por isso, não há previsão, na proposta orçamentária
para 2021, de despesa com o benefício. Assim, a meta de déficit primário para
este ano, proposta pelo governo em dezembro do ano passado, foi definida sem
essa despesa.
Agora,
diante da segunda onda da covid-19, o governo decidiu prorrogar o auxílio, que
custará algo próximo de R$ 30 bilhões. Com essa despesa, não será possível
cumprir a meta fiscal estabelecida. O governo precisa, portanto, de um
dispositivo legal que o desobrigue de cumprir a meta. No ano passado, a LC 173
deu essa permissão. Agora, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que
precisa de uma “PEC de Guerra” com a mesma permissão.
Necessita
também, segundo informou, de uma “cláusula de calamidade pública”, que defina
as medidas a serem adotadas para conter as despesas, nos moldes do artigo 8º da
LC 173, compensando a elevação do endividamento público provocada pelo
pagamento do novo auxílio emergencial. Guedes precisa da “cláusula” para
elaborar a proposta orçamentária de 2022. Isto significa que, se ela for
aprovada, os membros de Poder e os servidores não terão aumento salarial também
no próximo ano.
Há
uma novidade na proposta de Guedes. Ele quer que a “cláusula de calamidade”
seja permanente e mais ampla. Ou seja, que ela possa ser acionada em qualquer
calamidade que assole o país, um Estado ou município brasileiro. E que não
tenha prazo determinado, como ocorreu com a LC 173, cuja cláusula só vale até
31 de dezembro deste ano.
Não
está claro qual será a amplitude do conceito de “calamidade”. A situação de
insolvência das contas públicas também está incluída no conceito? Se estiver,
qual será o limite de deterioração das contas que será considerado como
“calamidade”? Não ficou claro também quais serão as medidas de ajuste. A única
indicação obtida pelo Valor é
que a relação de medidas será maior do que a lista da LC 173.
A
prorrogação do auxílio cria outra dificuldade para o governo. Como não havia
previsão de pagamento do benefício neste ano, a equipe econômica não incluiu a
despesa no montante de títulos que o Tesouro Nacional será obrigado a emitir
neste ano para pagar despesas primárias.
A
Constituição determina que o endividamento público não pode aumentar acima das
despesas de capital (investimentos e amortizações). O princípio é conhecido
como “regra de ouro” das finanças públicas. Para emitir títulos para pagar
despesas correntes, o governo necessita de autorização do Legislativo. O pedido
de crédito suplementar precisa ser aprovado por maioria absoluta de deputados e
de senadores.
A
proposta orçamentária deste ano prevê que o governo deverá emitir R$ 453,7
bilhões em títulos para cumprir “a regra de ouro”. Com o novo auxílio, o valor
vai aumentar. A despesa com o benefício não está submetida ao teto de gastos da
União. Ele será pago com crédito extraordinário, que fica fora do teto.
Por fim, é importante observar que tentar criar uma “cláusula de calamidade pública” abrangente e permanente por meio de PEC é um risco considerável, pois ela precisa ser aprovada por três quintos de senadores e deputados, em dois turnos. Talvez fosse melhor criar a “cláusula” por projeto de lei complementar.
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