O
choque da covid-19 terá um efeito deletério permanente no ritmo de expansão da
economia
Recessões
são eventos recorrentes. Por diferentes razões, de tempos em tempos, a
atividade econômica cai e com ela o investimento, consumo e emprego. Em algum
momento, observa-se uma recuperação e a vida volta ao normal. Esta pode ser
rápida - em V, como dizem os economistas - ou lenta, mas os efeitos das crises
costumam ser transitórios. A crise atual, entretanto, a mais grave das últimas
décadas, deverá ter efeitos de médio e longo prazo que vão muito além do
roteiro acima. O país tende a ficar mais pobre, mais desigual, e o crescimento
pode se tornar permanentemente mais lento. O impacto duradouro se dará
principalmente através da educação.
Embora os indicadores educacionais tenham melhorado, a educação no Brasil permanece, em geral, de baixa qualidade. O problema atinge particularmente crianças e jovens mais pobres. Vindos de um ambiente doméstico menos escolarizado, eles já iniciam a vida estudantil em desvantagem, pois a evidência revela que a educação dos pais é fundamental na educação dos filhos. O problema poderia ser parcialmente sanado na escola, mas os indicadores de qualidade do ensino mostram que escolas públicas, onde os pobres estudam, são piores que as privadas frequentadas pelas crianças mais ricas.
A
situação se agrava no Ensino Médio, onde um currículo voltado ao acesso à
universidade, contendo muitas matérias (mal ministradas) aliena ainda mais o
aluno pobre. Ao atingir o Ensino Médio, e pouco aprender, muitos jovens pobres
escolhem abandonar o estudo e entrar no mercado de trabalho. Como não obtiveram
qualquer qualificação estão fadados, por toda a vida profissional, a
trabalharem em empregos ruins e de baixa remuneração. A recente reforma do
Ensino Médio de 2016 busca corrigir isso, mas o panorama ainda é desanimador.
Esse
quadro piorará muito com a pandemia, pois muitas escolas públicas não
funcionaram no ano passado, devido ao isolamento necessário para evitar o
contágio. Ao contrário das escolas privadas, que adotaram prontamente o ensino
à distância, na maioria das públicas não houve ensino remoto. E nas poucas em
que houve, o baixo acesso à rede móvel e à banda larga não permitiu às crianças
pobres assistir de forma satisfatória às aulas em seus computadores - muitos
alunos sequer possuem computadores ou tablets em casa - ou celulares. Assim,
perdeu-se um ano inteiro de ensino.
Se
em condições normais muitos jovens já não terminavam o Ensino Médio, agora o
abandono será ainda maior. Como tudo indica que a volta ao ensino presencial
não ocorrerá (plenamente) em 2021, haverá uma geração permanentemente menos
educada que a anterior, que já não estava bem na foto. O problema não será
revertido quando a covid-19 for derrotada. Depois de um ou dois anos fora da
escola, e já trabalhando por algum tempo, dificilmente os jovens voltarão a
estudar.
Haverá
uma geração menos qualificada que as anteriores permanentemente presa a
ocupações e empregos de baixa remuneração. Como aprenderam pouco e muitos
sequer terminaram o Ensino Médio, as opções no mercado de trabalho para esses
jovens serão piores do que já eram para as gerações anteriores. Muitos irão
para a informalidade e outros pularão, durante sua vida profissional, de
trabalhos precários para outros igualmente precários. Esses jovens não terão
jamais acesso a bons empregos. A pobreza no futuro será maior do que seria se
não houvesse ocorrido a pandemia.
Além
da maior pobreza, também a desigualdade aumentará em relação a um quadro de
normalidade. As crianças das classes médias e ricas, mal ou bem, continuaram
estudando, e suas perspectivas futuras no mercado de trabalho foram muito menos
afetadas. Esse grupo, provavelmente, não sofrerá a mesma perda de renda no
futuro, o que aumentará a distância em relação aos mais pobres.
O
choque da covid-19, além de aumentar a pobreza e a desigualdade, terá um efeito
deletério permanente no ritmo de expansão da economia, pois há hoje forte
evidência de que a educação é um importante determinante do crescimento de
longo prazo dos países.
Haveria
algo a fazer para amenizar essa situação? Talvez, desde que houvesse alguma
coordenação ou plano federal para enfrentar o problema. Mas, em 2020, mal se
ouviu falar do Ministério da Educação, de onde parece não ter saído nenhuma
ideia útil para amenizar ou corrigir, mesmo que parcialmente, a interrupção
quase que total do ensino público.
Parte
dos gastos com auxílio emergencial, por exemplo, poderia ter sido utilizada
para subsidiar a compra de tablets e o acesso à banda larga, como observado em
outros países. Professores poderiam ter sido treinados para dar aulas remotas -
muitos lavaram as mãos e se abstiveram de buscar soluções -, e algum esquema de
recuperação escolar poderia ter sido implementado. Aulas presenciais, para
turmas menores, poderiam ter sido tentadas já no segundo semestre. Entretanto,
pouco foi feito e as crianças foram basicamente abandonadas à própria sorte.
Muitos
parecem crer que a situação, embora gravíssima, seja temporária. E uma vez
terminada a pandemia, tudo voltará ao normal. Não será o caso. Além do déficit
de ensino das crianças menores, que exigirá um grande esforço para ser
corrigido, haverá um número enorme de jovens que não retornarão à escola.
Trata-se de um choque permanente que afetará não só a renda e a vida futura
dessas pessoas, mas também as perspectivas de longo prazo do país. Este será
ainda mais pobre e desigual.
*Pedro
Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e
Desenvolvimento
*Renato
Fragelli Cardoso é professor da EPGE-Fundação Getulio Vargas
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