EDITORIAIS
Butantan derruba versão do governo sobre
vacinas
O Globo
Num depoimento considerado “demolidor” por senadores da oposição, o diretor do Butantan, Dimas Covas, fez desmoronar os frágeis argumentos apresentados pelo Planalto para justificar a falta de vacinas. Na CPI da Covid, Covas revelou que o Ministério da Saúde ignorou oferta, em 30 de julho de 2020, para entrega de 60 milhões de doses da chinesa CoronaVac no último trimestre daquele ano. Disse ainda que, em dezembro, havia 5,5 milhões de doses prontas e 4 milhões em produção: “As doses estavam disponíveis, e o Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a começar a vacinação”.
Ele expôs o governo também ao desmontar a
versão do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Disse que não houve
interrupção nas negociações com o Butantan em outubro, depois de o presidente
Jair Bolsonaro desautorizar publicamente Pazuello, dizendo que não compraria a
CoronaVac, a que se referia como “vacina do Doria”. Covas afirmou que as
tratativas foram interrompidas no dia seguinte às declarações e só foram
retomadas meses depois — o contrato com o ministério foi assinado em janeiro de
2021, quando o governo comprou 46 milhões de doses com opção de comprar mais 54
milhões. De acordo com ele, hoje já daria para ter entregado 100 milhões.
A má vontade com a CoronaVac, manifestada por Bolsonaro em diversas ocasiões, ficou patente na falta de apoio ao Butantan para produzir a vacina, responsável por 75% das imunizações no Brasil. Covas disse que o instituto não recebeu um centavo do governo federal para construir uma fábrica que permitirá a autossuficiência — está sendo erguida com recursos privados. Ele ressaltou que foi uma postura diferente da adotada em relação à vacina Oxford/AstraZeneca, produzida pela Fiocruz com investimentos federais.
Como no depoimento do presidente da Pfizer
na América Latina, Carlos Murillo, Dimas Covas joga luz sobre os descaminhos
que levaram o Brasil à escassez crônica de vacinas, que se reflete numa
campanha que não deslancha — vacinamos até agora cerca de 20% da população com
a primeira dose e apenas 10% com as duas. Como já se tornou rotina nos últimos
meses, o Ministério da Saúde refez o calendário de entrega e divulgou a
previsão para junho com 8,4 milhões de doses a menos. Informou que a redução
foi motivada pelo atraso na produção da AstraZeneca pela Fiocruz.
É claro que os entraves não podem ser
atribuídos apenas à escassez. Ultimamente, os lotes enviados a estados e
municípios se tornaram mais regulares. No entanto a vacinação continua
patinando. O problema são os critérios adotados, nem sempre claros ou justos.
Além da priorização de certas categorias profissionais sem muito sentido, não
houve avaliação correta da quantidade de portadores de comorbidades. Hoje há
menos vacinas aplicadas que as entregues. Segundo críticos, adotar o critério
por idades daria mais agilidade.
O ritmo é lento num momento em que deveria
acelerar. Depois de breve trégua, o número de infectados voltou a subir. O
próprio ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que há dias dissera não vislumbrar
a possibilidade de uma terceira onda de contágio, voltou atrás diante do
agravamento dos indicadores e passou a admiti-la. Vacinação lenta e aumento nos
casos são o cenário propício para mais um capítulo de uma já conhecida história
de horror.
Abertura de espaços ao Centrão soa alarme
para uso dos fundos de pensão
O Globo
A saída de José Maurício Pereira Coelho da presidência da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (BB), é parte de uma nova onda no governo Bolsonaro para abrir espaço na máquina pública aos aliados do Centrão. Para acomodar indicações políticas, o governo também tem à disposição mais de 400 cargos nos conselhos de administração das empresas em que os fundos de estatais são acionistas.
Geralmente, eles investem em companhias com
projetos sólidos de longo prazo de maturação. Só a Previ, o maior, administra
ativos de mais de R$ 230 bilhões e conta com 430 mil participantes ao todo,
entre aposentados, funcionários ativos e dependentes. Bolsonaro também esteve
por trás de mudanças na cúpula da Funcef, fundo de pensão dos servidores da
Caixa, presidida por Pedro Guimarães, executivo próximo do Planalto.
Há regras para as indicações. No caso da
Previ, é preciso que o candidato seja funcionário do BB, segurado do fundo por
pelo menos dez anos, com experiência em áreas como financeira, administrativa,
jurídica, contábil e atuarial. Mas a influência política salta essas barreiras.
Sempre existem padrinhos a indicações para altos cargos em estatais. O Centrão
costuma ter currículos para apresentar nessas horas. Aproveita-se de Bolsonaro
como noutros tempos aproveitou o petismo.
O caso mais ilustrativo do que foi aquela
época é a empresa Sete Brasil. Projeto delirante na linha nacionalista de
substituição de importações, a Sete ganhou reserva de mercado para construir 28
navios-sonda e depois arrendá-los à Petrobras. Bancos estatais (BB e Caixa) e
privados (Santander, BTG Pactual, Itaú Unibanco) apoiaram o empreendimento, sob
o impulso dos fundos de pensão de estatais (Funcef, Petros e Previ). Em 2016, a
empresa, de cujo capital a Petrobras detinha 10%, entrou em recuperação
judicial sem ter entregado uma sonda sequer. A Operação Lava-Jato deixou claro
que se tratava de um projeto ditado mais por interesse político que econômico.
Quando a governança é sólida, os fundos
podem se tornar fortes investidores em projetos de longo prazo. Quando
fraqueja, a história é outra. Cargos em estatais e fundos dão acesso a recursos
longe das regras orçamentárias e da vigilância dos organismos de controle.
Quando não são usados simplesmente para desvios, como ocorreu com a Petrobras,
se tornam vetores de interesses políticos, em vez de funcionar em favor dos
cotistas ou acionistas.
A proximidade do PT com o Centrão deu
origem a vários projetos de natureza duvidosa como a Sete Brasil, depois
desmascarados pela Operação Lava-Jato. Entidades sob a esfera de influência do
Estado funcionavam na prática como máquina para gerar recursos a aliados e para
o próprio partido. Para Bolsonaro, o interesse imediato é aparentemente
garantir apoio nas eleições do ano que vem, entregando cargos bem remunerados
em troca de investimentos em regiões de interesse eleitoral. Mas é bom ficar de
olho. O avanço de Bolsonaro com o Centrão sobre fundos e estatais faz soar
todos os alarmes.
Com baixa proteção, Brasil encara ‘terceira onda’ da covid
Valor Econômico
Bolsonaro quer que o Supremo obrigue os
Estados a justificar a necessidade dos lockdowns
As ondas da pandemia estão formando um
contínuo quase sem interrupções e os especialistas dão como certo o início de
uma terceira escalada dos contágios, já a caminho. A Fiocruz estima que os
brasileiros poderão começar a se sentir protegidos quando 70% da população
estiver vacinada. Infectologistas calculam que hoje entre 20% e 25% da
população tem proteção contra o vírus, que tem sido mais veloz do que a
capacidade de o país se imunizar. Vacinação acelerada - e há falta de imunizantes,
é a única maneira de evitar o exasperante vai-e-vem dos lockdowns e de outras
restrições ao contato social. Apenas um brasileiro parece não estar preocupado
com mais de 454 mil mortes e nova aceleração dos contágios: o presidente Jair
Bolsonaro, que despreza qualquer medida de prevenção sanitária.
Os números mostram pressão permanente e
violenta sobre o sistema de saúde. A primeira onda foi-se quando a média de
mortes caiu a pouco menos de 1 mil por dia, no fim de setembro de 2020. Houve
reabertura do comércio, livre circulação e folga na capacidade das UTIs. Mas já
em novembro o número de casos e mortes começou a subir, indicando nova
progressão mortal do vírus. Em março e abril de 2021 a média de mortes diária
ultrapassou várias vezes 3 mil, até arrefecer - pouco. Nova rodada de
afrouxamento da mobilidade ocorreu quando as mortes mal haviam caído abaixo das
2 mil por dia e as UTIs ainda apresentavam na maioria das capitais 80% de
ocupação da capacidade, ou mais.
O Brasil então deve entrar em uma terceira
onda a partir do muito elevado patamar de 2 mil óbitos. A média dos casos
diários, de cerca de 25 mil na primeira onda e 56 mil na segunda, sobe há dias
e atingiu na quarta-feira 79.459. Oito Estados (5 do Nordeste) e o Distrito
Federal estão com hospitais funcionando com mais de 90% da capacidade. Já a
taxa de ocupação da rede do SUS é elevada em todo o país.
A busca incessante, em alta escala, da rede
de saúde diminuiu a qualidade do atendimento, pressionou a cadeia de
suprimentos, extenuou as equipes médicas e de apoio e acentou uma pressão
psicológica forte, advinda da percepção de que o vírus não dará mais trégua,
como ocorreu na primeira fase. Em Pernambuco, por exemplo, as UTIs trabalham
com mais de 90% da capacidade desde 26 de fevereiro, ou seja, há três meses
ininterruptos. No Rio, o segundo em número de mortes, a situação é a mesma
desde o início de março, com a diferença de que o Estado praticamente eliminou
as restrições sanitárias relevantes, desconsiderando a capacidade de
atendimento médico à população. (Folha de S. Paulo, ontem)
O InfoTracker, da Unesp e Universidade de
São Paulo, registrou que a taxa de contágio ultrapassou agora a marca de 1 após
quase dois meses, mais um sinal claro, entre outros, da maré montante de casos
e mortes que ocorrerá no futuro próximo.
Pelo boicote aberto e cotidiano da União,
pela falta de coordenação da ação dos Estados e pela ausência de uma estratégia
unificada de combate ao vírus - uma responsabilidade insubstituível do governo
federal -, os meios de contenção da propagação da covid-19 perderam eficácia.
Nunca houve testagem digna desse nome - o primeiro dique para evitar que
multidões procurassem hospitais, como ocorreu. O norte da contenção voltou-se
então para os lockdowns, para permitir à rede de saúde pública e privada ter
capacidade de atender os contaminados. Com exceção do primeiro ensaio, no
início da pandemia, os lockdowns não tiveram a adesão necessária - foram
insuficientes para reduzir de forma significativa a afluência aos hospitais,
mas foram suficientes para desacelerar a economia e reduzir a confiança geral
em sua eficácia, ademais desacreditada dia sim, dia não, pelo próprio
presidente da República.
Restou então a regulagem do distanciamento
pela capacidade de atendimento da rede de saúde, até se chegar à grave situação
de que há menos restrições à mobilidade com hospitais superlotados. É nesse
momento que vem a terceira onda, agravada pela aparição de novas cepas do
vírus, como a indiana, detectada em pontos do território nacional.
A CPI da Covid está recapitulando tudo que
o governo de Bolsonaro fez e deixou de fazer para que o país chegasse a essa
situação. Mas Bolsonaro, auxiliado pela AGU, quer que o Supremo obrigue os
Estados a justificar a necessidade dos lockdowns - 455 mil vidas perdidas
depois.
Disciplina militar em xeque
O Estado de S. Paulo
A punição ao general intendente Eduardo
Pazuello é essencial para mostrar que há uma linha que não pode ser cruzada
O tenente-brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar (STM), considerou “vergonhoso” o episódio da participação do general intendente Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, em comício do presidente Jair Bolsonaro.
Em entrevista ao Estado, o
tenente-brigadeiro Ferolla foi duro em sua avaliação. “Caxias está de luto”,
disse, referindo-se ao Duque de Caxias, patrono do Exército brasileiro, também
conhecido como “O Pacificador”. “A organização militar pura não aceita o que
estão fazendo. Militar não deve entrar na política, e a política não pode
entrar no quartel, senão vira bando, acabam a hierarquia e a disciplina”,
declarou.
Advertência semelhante foi feita pela
ministra do STM Maria Elizabeth Rocha, que faz parte do colegiado em uma das
vagas reservadas à advocacia. A atitude do intendente Pazuello, “sem dúvida
alguma, coloca em xeque a disciplina do Exército”, disse a magistrada em
entrevista à BBC Brasil. E acrescentou: “Não é possível que discursos
político-partidários adentrem os quartéis, porque isso pode comprometer toda a
cadeia de comando”.
Diante dessas manifestações, embasadas no
profundo conhecimento das normas militares, como se exige de quem integra a
Justiça Militar, fica claro o tamanho da irresponsabilidade protagonizada pelo
intendente Pazuello e pelo presidente Bolsonaro no domingo passado.
A gravidade está não somente no ato em si,
mas em suas nefastas consequências. O intendente Pazuello sabia muito bem o que
estava fazendo ao afrontar a norma das Forças Armadas que proíbe
terminantemente qualquer manifestação de caráter político por parte de
militares. Um general não pode alegar desconhecimento desse regulamento; logo,
Pazuello o fez de caso pensado. Foi convidado a ir a um ato político do
presidente e, estimulado a participar ativamente da manifestação, não hesitou
em fazê-lo, sorridente e falante, em cima de um carro de som.
O resultado disso é óbvio: se um general
participa de ato político, como fez Pazuello, e não é punido pelo Alto Comando,
“acabou a disciplina nas Forças Armadas, porque o tenente, o sargento e o cabo
têm sido punidos dentro da lei” e “não pode ser diferente com general”, como
explicou o tenente-brigadeiro Ferolla. Quanto mais alta a patente, como é o
caso de Pazuello, “mais grave é a indisciplina”, disse Ferolla, porque
obviamente é ele quem tem de dar o exemplo para seus subordinados. “Queira ou
não queira, isso reflete na organização militar. Se (Pazuello) não for
punido, como você vai punir um sargento depois?”, questionou o
tenente-brigadeiro.
O afastamento dos militares da política é
um imperativo constitucional. Forças Armadas são uma instituição de Estado por
definição, razão pela qual não podem tomar partido do governante de turno em
suas eventuais disputas políticas. O problema é que, na Presidência de Jair Bolsonaro,
é cada vez mais tênue a separação entre as Forças Armadas e o governo.
Até aqui, esse envolvimento se deu pela
presença de muitos militares, da ativa e da reserva, em Ministérios e outros
órgãos da administração, além de estatais. Ao colocar o intendente Pazuello em
seu palanque, no entanto, o presidente Bolsonaro foi muito além disso: tentou
mostrar que os militares estão alinhados a ele, e não é à toa que
frequentemente chama as Forças Armadas de “meu Exército”.
Mesmo diante da escalada da crise, estimulada
por Bolsonaro com objetivos golpistas, as Forças Armadas vêm se mantendo
estritamente dentro dos limites constitucionais, e não há razão para crer que
não continuarão assim. Isso não significa, contudo, que Bolsonaro, cuja
medíocre carreira militar foi marcada pela indisciplina, sossegará; ao
contrário, é provável que ele siga tentando arrastar as Forças Armadas para as
turbulências que trabalha dia e noite para produzir, na expectativa de
submetê-las a seu projeto autoritário de poder.
A punição ao general intendente Pazuello é,
por isso, essencial para mostrar que há uma linha que não pode ser cruzada,
seja pelo praça, seja pelo comandante supremo das Forças Armadas.
Os problemas de sempre
O Estado de S. Paulo
Enem de 2021 também será comprometido pela
inépcia administrativa do governo
Se ainda havia dúvidas com relação à incapacidade do governo Bolsonaro de promover o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) sem problemas de planejamento, elas foram desfeitas com a demissão do chefe da Diretoria de Avaliação da Educação Básica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Alexandre Silva.
A Diretoria de Avaliação é responsável pela
organização do Enem. O diretor demitido, um coronel-aviador sem experiência em
ensino e que estava no cargo havia menos de três meses, foi substituído
temporariamente por Anderson Oliveira, um bacharel em direito que tem mestrado
em gestão pública e pós-graduação em coaching religioso. Se for efetivado, será
a sétima pessoa a ocupar essa diretoria desde o início do governo Bolsonaro. A
sucessiva troca de dirigentes na área educacional tem sido a marca de sua
gestão. Ao longo destes dois anos e cinco meses, o Ministério da Educação (MEC)
está em seu quarto ministro. Já o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais, que é o braço operacional do MEC, está em seu quinto
presidente.
Por isso, falta entrosamento entre as
equipes técnicas dos dois órgãos. As divergências entre elas cresceram a tal
ponto que, há um mês, sete ex-ministros da Educação divulgaram uma carta
acusando o MEC de vir tentando afastar o Inep das discussões sobre avaliação
educacional e afirmando que “o enfraquecimento deste órgão colocará em risco
políticas públicas cruciais” para gestores escolares e professores. A confusão é
tanta que a edição do Enem deste ano corre o risco de ser realizada só em
janeiro de 2022. Em média, são necessários 170 dias entre o fim das inscrições
e a realização do exame para que todo o processo de elaboração, distribuição e
logística do Enem seja cumprido. Mas, até agora, só foi publicado um edital
sobre isenção da taxa de inscrição.
Desde que o Enem foi criado, em 1998, seu
calendário é definido no início de cada ano. Os editais costumam ser lançados
em março. As inscrições são abertas em maio. E as provas são realizadas em
outubro ou novembro. Contudo, a edição de 2020, que estava prevista para
novembro, só foi realizada em 2021. Apesar de o adiamento ter sido provocado
pela crise sanitária, as provas foram prejudicadas por falhas de planejamento e
erros logísticos cometidos pelas autoridades educacionais, o que levou o
Ministério Público Federal a pedir a abertura de investigações.
Como o Enem é a principal porta de entrada
para o ensino superior, esse adiamento prejudicou a programação acadêmica das
universidades federais. Entre outros motivos, porque elas precisaram de tempo
para processar a matrícula dos estudantes selecionados. Por isso, o início das
aulas nessas universidades em 2021, que estava programado para o fim de
fevereiro, só começou entre a última semana de abril e a primeira semana de
maio.
Além do problema das trocas de seus
dirigentes, o Inep informou em caráter não oficial ao Conselho Nacional de
Educação (CNE) que vem enfrentando problemas orçamentários e nem sequer definiu
data para realizar a próxima edição do Enem. Desse modo, as universidades
federais quase certamente terão de passar, em 2022, pelas mesmas dificuldades
que tiveram neste ano.
Para promover o Enem, o Inep prevê gastos
no total de R$ 794 milhões, mas parte de seu orçamento se encontra bloqueada
pelo Ministério da Economia. Mesmo que esses recursos venham a ser
desbloqueados, a diretoria encarregada da organização do Enem ainda tem de
definir os locais das provas, estabelecer os prazos para correção e liberação das
notas e preparar medidas sanitárias para garantir a segurança dos estudantes, o
que leva tempo.
Mecanismos de avaliação escolar são
decisivos para a reformulação de sistemas de ensino, principalmente quando mal
orientados. Ao se revelar mais uma vez despreparado para aplicar o Enem, o
governo Bolsonaro deixa claro que não tem o menor compromisso com a educação, e
não se preocupa com a formação das novas gerações.
Novo recorde do desemprego
O Estado de S. Paulo
Com 14,8 milhões de desocupados, governo criou
mais um marco histórico desastroso
O governo conseguiu mais um recorde sombrio, com o registro de 14,8 milhões de pessoas desocupadas no primeiro trimestre – 14,7% da força de trabalho. Os dois números são os maiores da série iniciada em 2012. Na comparação com os três meses finais de 2020, aumentou em 880 mil o número de pessoas em busca de ocupação. O desemprego normalmente cresce no começo do ano, com a dispensa das pessoas contratadas para o período de festas. Mas nem esse detalhe atenua o desastre econômico e social recém-divulgado. Entre janeiro e março do ano passado, os desempregados eram 12,2% da população economicamente ativa, um contingente muito grande, mas bem menor que o dos três meses iniciais de 2021. Os números foram divulgados na quinta-feira passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No Brasil as condições do mercado de
trabalho continuam muito piores do que na maior parte dos países emergentes e
avançados. Quando a pandemia chegou, o desemprego brasileiro era o dobro da
média observada nos 37 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Um ano depois a diferença permanece: no primeiro trimestre de
2021 os desocupados eram 6,6% dos trabalhadores daquele grupo. Só dois membros
da organização rivalizam com o Brasil quanto à taxa de desemprego: Colômbia,
com 14,1%, e Espanha, com 15,5%. Em outros 19 as taxas são inferiores a 6%.
Mas algumas peculiaridades tornam
especialmente feio o cenário brasileiro. A população subutilizada, 20,2% maior
que a registrada um ano antes, chegou a 33,2 milhões de pessoas, ou a 29,7% dos
brasileiros em condições de trabalhar. Além dos desempregados, esse contingente
incluiu os desalentados (6 milhões, também recorde histórico) e outros grupos
de trabalhadores potencialmente empregáveis. Os trabalhadores do setor privado
sem carteira assinada, embora tenham diminuído 12,1% em um ano, ainda eram 9,7
milhões no período janeiro-março.
A informalidade ficou estável entre o fim
de 2020 e o começo de 2021, com 34 milhões de pessoas sem carteira assinada ou
sem CNPJ. Os trabalhadores por conta própria aumentaram 2,4% em relação aos
três meses finais do ano passado e chegaram a 23,8 milhões. Os mais otimistas
podem ver nesse dado uma forte manifestação de espírito empreendedor. Mas a
busca desse tipo de trabalho pode ser também uma alternativa à permanência
inútil na fila dos desempregados. Não há, na pesquisa do IBGE, informações
sobre as condições desse tipo de trabalho nem sobre a taxa de sucesso de quem
procura sobreviver por conta própria.
Embora a economia tenha reagido depois da
grande queda de março-abril do ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) de
2020 ainda foi 4,1% menor que em 2019. Com a continuada fraqueza da economia, a
maior parte dos setores continuou perdendo pessoal. No primeiro trimestre de
2021, só na agricultura o número de ocupados foi maior do que um ano antes, com
variação de 4%, ou 329 mil pessoas. Houve redução de 7,7% na indústria geral,
de 5,7% na construção, de 9,4% em comércio e reparação de veículos, de 11,1% em
transporte, armazenagem e correio, de 26,1% em alojamento e alimentação, de
17,3% em serviços domésticos e de 18,6% em outros serviços.
O amplo setor de serviços, o último a
entrar em recuperação, continuou em condições muito ruins no começo deste ano,
em boa parte por causa do recrudescimento da pandemia em várias partes do País.
Diante do aumento do contágio e das mortes causadas pelo coronavírus,
limitações foram de novo impostas por governos estaduais e municipais. Essas decisões
seguiram a recomendação de especialistas, contrariando a opinião do presidente
Jair Bolsonaro, adversário das políticas cientificamente orientadas para a
prevenção da covid-19 e a proteção da vida.
Com vacinação atrasada, insegurança quanto
à pandemia e muita confusão na política econômica, a evolução dos negócios e do
emprego foi certamente pior do que poderia ter sido em outras condições
sanitárias e administrativas. Não há surpresa no desemprego maior.
Controle precário
Folha de S. Paulo
Em meio à sabotagem federal, SP e outros
locais testam limite de restrições
Entre as expectativas de retorno gradual à
normalidade e os novos riscos de agravamento da pandemia, mostra-se racional a
decisão do governo paulista de prolongar
a vigência de restrições a atividades econômicas no estado.
O plano era ampliar, a partir de 1º de
junho, o horário-limite de funcionamento dos estabelecimentos comerciais das
21h para as 22h, com aumento de 40% para 60% da ocupação máxima autorizada.
Agora, as normas atuais ficarão mantidas até 14 de junho, pelo menos.
Os motivos, infelizmente, são óbvios. Como
relatou a área técnica da administração, o número de novos casos de Covid-19
elevou-se em 8,3%, o de internações, 7,8%, ambos na média diária da semana —a
despeito do avanço da vacinação.
A taxa de ocupação de UTIs por pacientes da
doença em estado grave permanece ao redor de 80%, um patamar preocupante diante
da expansão de novas infecções. No país como um todo, a tendência também é de
piora: o número de capitais com lotação acima de 90% passou
de 7 para 10 (incluindo o Distrito Federal) nesta semana.
A perspectiva de uma terceira onda da
epidemia, agravada por novas variantes possivelmente mais agressivas do vírus,
é crescentemente apontada por especialistas.
Tal cenário, como se vê, poderia justificar
até medidas mais restritivas à circulação de pessoas, em São Paulo ou em
regiões onde a escassez de leitos nos hospitais é ainda mais alarmantes. No
contexto brasileiro, porém, os desafios vão além da tragédia sanitária.
Com Jair Bolsonaro e seu quarto ministro da
Saúde, não apenas inexiste coordenação nacional de esforços contra a Covid-19
como o presidente investe contra o distanciamento social. Ainda que bravateira,
essa pregação vil tem o potencial de enfraquecer a adesão a providências mais
drásticas.
Para os estratos mais vulneráveis da
população, ademais, o impacto econômico da crise torna-se mais dramático ante a
impossibilidade de um auxílio emergencial nas dimensões do ano passado.
O estágio da vacinação não é satisfatório
—e é quase ocioso apontar a culpa de Bolsonaro, embora a cada dia se conheçam
mais detalhes repulsivos. Ao menos a entrega de novas doses neste mês permite
crer que haverá o suficiente para vacinar metade da população adulta até o
final de junho.
O cronograma oficial, que prevê imunizar
praticamente todos os brasileiros maiores de 18 anos até setembro, está sujeito
a incertezas. Por ora, resta apoiar as precárias tentativas estaduais e
municipais de conter o contágio.
Anatomia da injustiça
Folha de S. Paulo
Falha e preconceito no reconhecimento de
suspeitos levam à prisão de inocentes
Eugênio Fiúza Queiroz, Paulo Antônio Silva,
Aldeci Madeiro de Araújo, Barbara Querino de Oliveira, Eridan Constantino, Luiz
Alves de Lima, Daniele Toledo do Prado, Vinícius Romão, Márcia França Borges,
Leonardo Nascimento.
Em comum, os dez homens e mulheres nomeados
acima enfrentaram o calvário de uma prisão injusta. Alguns deles passaram
poucos dias atrás das grades, outros amargaram mais de 15 anos.
Esses inocentes ultrajados —a maioria
negros, quase todos pobres— representam apenas uma amostra diminuta de uma
realidade perversa do sistema judicial brasileiro, como mostrou reportagem
especial desta Folha que
trouxe um levantamento
inédito de cem casos como esses.
O número verdadeiro, contudo, tende a ser
muito maior, já que os erros policiais não são reconhecidos oficialmente e
apenas vêm a lume pelo trabalho da imprensa.
A maior parte das injustiças detectadas
(67%) ocorre por falhas grotescas nos processos de reconhecimento e
identificação de suspeitos, muitas vezes realizados em desacordo com a lei ou
fruto de desleixo da investigação.
O reconhecimento, reza o artigo 226 do
Código de Processo Penal, deve ser efetuado alinhando pessoas que tenham
semelhanças com o suspeito, após a vítima ou testemunha já tê-lo descrito. Esse
procedimento, contudo, não raro termina descumprido.
Exemplo disso é o uso dos famigerados
álbuns de suspeitos, compostos de imagens de pessoas que, em algum momento,
acabaram fichadas em delegacias. Não prevista pela legislação brasileira, a
prática ainda potencializa vieses, preconceitos e lapsos de memória.
Dentre os casos analisados pelo jornal, 60%
dos inocentes encarcerados eram negros. Porém, quando se consideram as prisões
causadas por reconhecimentos incorretos, o percentual vai a 71%.
Não à toa, o Superior Tribunal de Justiça
decidiu, no ano passado, pela obrigatoriedade do cumprimento da regra, com as
adaptações necessárias para o caso de imagens —etapa que deve anteceder o
eventual procedimento presencial, e nunca servir como prova.
Embora a deliberação da corte constitua um
avanço, o reconhecimento de suspeitos deveria, de preferência, ser corroborado
pela coleta de elementos de prova mais confiáveis, como o DNA.
Cumpre evitar que se repitam histórias como
as de Eugênio, Paulo, Aldeci, Barbara, Eridan, Luiz, Daniele, Vinícius, Márcia,
Leonardo e tantos outros injustiçados de carne e osso, nome e sobrenome.
Nenhum comentário:
Postar um comentário