- O Globo
Jair Bolsonaro já logrou êxito no seu
intento de desmoralização das Forças Armadas. Ao colocar o folgazão general
Eduardo Pazuello debaixo de sua asa e impedir que ele sofra a punição que sua
conduta ao comparecer a um comício político exigiria, o presidente da República
liberou geral a anarquia militar. E faz isso porque quer se beneficiar dela.
É puro método a estratégia de corromper as
instituições por dentro, que o bolsonarismo, tal qual uma praga de cupins, vai
levando a cabo ao longo dos últimos dois anos e meio.
No caso das Forças Armadas, o atual
presidente primeiro ganhou os generais com o canto da sereia da necessidade de
acabar com a corrupção do PT. Graças a essa fantasia, fez com que os generais,
que antes o desprezavam, passassem a vê-lo como seu candidato em 2018, a ponto
de cruzarem, já ali, a linha ao ameaçar não aceitar a decisão do STF caso fosse
concedido habeas corpus para soltar o ex-presidente Lula.
Vencida a eleição, os generais foram instalados de volta no poder, com direito a um vale-tudo em que os da ativa assumiram cargos políticos, algo que todos os conhecedores da hierarquia militar sempre alertaram que daria confusão.
A ascensão política rendeu frutos: foi
feita uma reforma da Previdência sob medida para os fardados, cujos privilégios
já eram evidentes, mas estão escancarados agora: um aumento de R$ 5,5 bilhões
nos gastos com pessoal militar em 2020.
Como o poder vicia, os generais foram
perdendo a mão dos limites, e cada vez mais atrelando a instituição aos anseios
de Bolsonaro. Aceitaram graciosamente seu pedido de cabeça do comandante do
Exército, Edson Pujol.
O general Braga Netto topou de bom grado
substituir Fernando Azevedo e Silva, um de seus pares submetido ao moedor de
carnes bolsonarista — mais um, depois de Santos Cruz e Otavio do Rêgo Barros.
E agora o Exército se prepara para uma nova
capitulação: deve fechar os olhos para o escárnio da participação de Pazuello
num comício de reeleição de Bolsonaro, zombando da CPI da Covid e da população
enlutada.
A carta entregue pelo ex-ministro da Saúde
para explicar sua presença num caminhão de som, sem máscara, para ouvir um
discurso de campanha do presidente apenas dois dias depois de mentir perante a
CPI já nasce um clássico do cinismo.
Pazuello diz que não foi a um ato político,
mas a um… passeio de moto! Que o fato de não ser um evento político estaria
demonstrado porque, vejam só, Bolsonaro não é filiado a nenhum partido. “Não
contavam com a minha astúcia”, se jactaria o personagem mexicano Chapolin
Colorado.
E a desculpa esfarrapada deverá ser
engolida pelo comando das Forças Armadas, que ainda aceitou um “cala-boca” dado
por Bolsonaro, que proibiu a emissão de qualquer nota a respeito da conduta de
Pazuello.
A voracidade em subverter a disciplina é
tamanha que ontem mesmo o presidente reuniu Braga Netto, o comandante do
Exército e soldados numa preleção política, com direito a falar de 2022 e
polarização eleitoral, ao inaugurar uma obra em São Gabriel da Cachoeira. No
discurso, voltou a fazer menção à possibilidade de pedir que as Forças Armadas
cumpram uma certa “missão”, “dentro das quatro linhas da Constituição”, para
restabelecer uma “normalidade” que ele diz estar sendo conspurcada.
Essa interpretação mentirosa do que a
Constituição determina como papel das Forças Armadas tem sido repetida pelo
presidente e seus aliados em tom de ameaça toda vez que Bolsonaro se vê acuado,
seja pela CPI, seja pela queda da popularidade, seja por pesquisas que mostram
que ele não terá vida fácil nas urnas no ano que vem.
Ao aceitarem fazer parte desse roteiro com
intenções golpistas, as Forças Armadas se apequenam e permitem a implosão da
hierarquia e da disciplina, que deveriam ser seus dois pilares inegociáveis.
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