- Blog do Noblat / Metrópoles
Em viagem ao extremo norte da Amazônia, o
presidente bajula seus ex-companheiros de farda e diz que eles decidem como o
povo deve viver
É tamanho o empenho do presidente Jair
Bolsonaro em tentar agradar seus ex-companheiros de farda que,
ontem, em visita ao extremo norte da Amazônia para a
inauguração de uma ponte de madeira construída pelo Exército em São Gabriel da
Cachoeira, ele não se conteve e reconheceu ao discursar:
“Tem mais ministros oriundos das Forças Armadas
no meu governo do que teve durante os governos da revolução de 1964”.
Revolução não houve em 1964, golpe militar,
sim. O governo Bolsonaro, de fato, tem mais militares empregados do que qualquer outro governo da
ditadura que durou 21 anos. Só ministros de Estado são sete. E mais de
6 mil militares ocupam cargos nos diversos escalões da administração pública.
Acompanhado de generais – entre eles, o
ministro da Defesa Braga Neto e o comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira
-, Bolsonaro condicionou o desejo dos brasileiros por paz, progresso e
liberdade a uma decisão exclusiva dos militares:
“Queremos paz, progresso e acima de tudo
liberdade. A gente sabe que esse último desejo passa por vocês. Vocês é que
decidem, em qualquer país do mundo, como aquele povo vai viver”.
Não são os militares que em qualquer país do mundo decidem como o povo deve viver. Só decidem onde não há liberdade, e eles mandam. É o que Bolsonaro gostaria que acontecesse por aqui.
Paciência de general Mourão disfarça o seu
incômodo
Cada vez mais afastado de Bolsonaro por
birra dele, o vice-presidente virou uma peça decorativa do governo
Você viu por aí o general Hamilton
Mourão, vice-presidente da República? Ele é sempre visto por aí, e não se
nega a comentar as notícias do dia. Onde Mourão não é visto é na companhia do
presidente Jair Bolsonaro, que prefere mantê-lo longe.
Bolsonaro voou ao norte da Amazônia para a inauguração de uma
ponte de madeira construída pelo Exército. Levou com ele o ministro da
Defesa, um general, o comandante do Exército, outro, e quem mais convocou a
acompanhá-lo. Mourão ficou de fora.
Embora gaúcho de nascimento, o general
Mourão tem fortes ligações com a Amazônia, onde serviu durante muitos anos. Diz
ter ascendência indígena. De fato, parece índio, e se orgulha da paciência de
índio que aprendeu a cultivar.
Só por isso, e também pelo cargo que ocupa,
ainda não rompeu relações com Bolsonaro. Perdeu a confiança nele, se é que
confiou um dia. E a recíproca é verdadeira. Apenas se toleram nas cerimônias
oficiais que são obrigados a comparecer juntos.
Reuniões para tratar de assuntos
importantes do governo? Mourão não é mais convidado. Discutir problemas que
afetam o meio ambiente? Embora formalmente responda pelo Conselho Nacional da
Amazônia, Mourão não é chamado para discutir.
Foi destratado recentemente por Ricardo Salles, ministro do
Meio Ambiente, suspeito de envolvimento com contrabando internacional de
madeira. Salles deveria ter-se reunido com Mourão, esta semana. Nem foi e nem
mandou representante.
Michel Temer, à época vice da presidente
Dilma Rousseff, queixava-se de não passar de uma peça decorativa do governo.
Mourão não se queixa, mas é o que ele é.
Defesa de Pazuello é considerada um deboche
por seus colegas
A peça remetida pelo ex-ministro da Saúde
ao comandante do Exército reúne argumentos que não resistem a um sopro
Generais de boa cabeça, da ativa e da reserva, qualificaram de deboche a peça de defesa do seu colega Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, remetida, ontem, ao Comando do Exército, onde ele explica por que compareceu à manifestação política e partidária encabeçada no Rio pelo presidente Jair Bolsonaro.
Pazuello teve o desplante de dizer na
peça que a manifestação não teve caráter político e partidário pelo
simples fato de Bolsonaro não estar filiado a nenhum partido. Piada pronta, sem
graça e nem imaginação! O cargo eletivo é político. Presidente da República,
filiado ou não a alguma sigla, faz política o tempo todo.
PUBLICIDADE
Bolsonaro não
foi ao Rio liderar um passeio de milhares de motociclistas só pelo gosto de
rever as belezas da cidade, ou para relaxar. Foi para reforçar o apoio político
que eles lhe dão, para, em meio à CPI da
Covid-19 que tanto o atormenta, dar uma demonstração de força e
recuperar a popularidade que se esvai.
Do alto de um carro de som no Aterro do
Flamengo, fez naturalmente um discurso político. E estimulou Pazuello a fazer o
seu. Não seria desapreço do general pelo ex-capitão se ele tivesse se negado a
comparecer ao ato – ou, comparecendo, não tivesse subido no carro de som e
falado, observando tudo à distância.
Mas esse foi outro argumento usado por
Pazuello em sua defesa. O mais estúpido deles, porém, foi alegar que não
poderia desobedecer a uma ordem do Comandante Supremo das Forças Armadas, como
Bolsonaro quer ser chamado. Desrespeitar o Regulamento Disciplinar do Exército
pareceu mais conveniente.
Está-se à espera de uma decisão do
comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, sobre a punição a ser
aplicada a Pazuello. A mais leve é uma advertência; é também a mais provável.
Supremo vai rejeitar mais uma ação de Bolsonaro contra a vida
Dará em nada a tentativa da Advocacia-Geral
da União para suspender as medidas de isolamento baixadas por governos
estaduais
Sem estresse, por favor. Bastam um governo
inepto e uma pandemia fora de controle para abalar a confiança de qualquer um
em dias melhores. Portanto, nada de imaginar que, se o presidente
Jair Bolsonaro for contrariado mais uma vez pelo Supremo Tribunal Federal (STF),
o país estará às portas de uma crise institucional.
Bolsonaro só faz perder ali quando suas
decisões ou intentos são levados a exame. A seu mando, a Advocacia-Geral da
União (AGU) entrou no Supremo com uma ação contra medidas dos governos de
Pernambuco, Paraná e Rio Grande do Norte, que restringiram a circulação de
pessoas e impuseram toque de recolher.
Vai acontecer o quê? O Exército dele irá às
ruas nesses estados para garantir a quebra do isolamento social se o Supremo a
mantiver? Irá nada. Por folgada maioria de votos, talvez até por unanimidade,
caso não fraqueje o ministro Nunes Marques, o tribunal arquivará a ação e
ficará tudo por isso mesmo.
Está escrito nas estrelas que não haverá
golpe de generais a favor de um ex-capitão excluído do Exército por
indisciplina e comportamento antiético; um ex-capitão galhofeiro, embromador,
considerado um mau militar por expoentes fardados da ditadura de 64, e que se
elegeu acidentalmente presidente da República.
A ação da Advocacia-Geral da União sustenta
que a liberdade de ir e vir, os direitos ao trabalho e à subsistência foram
tolhidos pelas medidas baixadas pelos três governos, e invoca o artigo 5º da
Constituição, que consagra esses e outros direitos. Ora, os redatores da ação
pularam a leitura do caput do artigo 5º, que diz:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade.”
A “inviolabilidade
do direito à vida” é o primeiro dos direitos assegurados na
Constituição, o único absoluto. Os demais são limitados. Em meio a uma pandemia
que já matou 456 mil pessoas, os governos estaduais, diante da omissão do
federal, restringiram temporariamente os demais direitos.
De resto, no ano passado, o Supremo decidiu
que, em nome do direito à vida ameaçada, governadores e prefeitos podem
legislar a respeito. Quem desrespeitar a lei deve ser multado. Mas quantos, de
fato, foram multados até hoje? O presidente circula sem máscara, promove
aglomerações e dissemina o vírus.
Não se atém a só isso: prega a
desobediência dos que lhe dão ouvidos, incita militares à rebeldia e recomenda
o uso de drogas ineficazes para o inexistente tratamento precoce da doença. Não
satisfeito, depois de ter boicotado a compra de vacinas, nega-se a ser
imunizado. Põe em risco a própria vida e a dos outros.
No futuro, Bolsonaro tem um encontro marcado com a Justiça. Com as urnas, o encontro será no ano que vem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário