Sambista foi um dos maiores nomes da Mangueira e autor dos principais enredos da história da escola
- O Globo
Morreu aos 96 anos, às 10h45 desta
quinta-feira (27), o cantor e compositor Nelson Sargento. Baluarte da
Mangueira, o sambista
estava internado desde o dia 22 de maio no Inca (Instituto
Nacional de Câncer). O artista chegou "com quadro de desidratação,
anorexia e significativa queda do estado geral", segundo nota da
instituição, que confirmou sua morte através de nota oficial nesta
quinta-feira.
Na nota, o Inca informa que "ao chegar na unidade, foi realizado o teste de Covid-19, que apontou positivo. O paciente estava aos cuidados do Inca na Unidade de Terapia Intensiva desde o último sábado (22). Apesar de todos os esforços terapêuticos utilizados, o óbito ocorreu". "Nelson Mattos era paciente do Inca desde 2005, quando foi diagnosticado e tratado câncer de próstata", continua a nota. Ele deixa a mulher, Evonete Belizario Mattos, e os seis filhos biológicos (Fernando, José Geraldo, Marcos, Léo, Ricardo e Ronaldo), além de Rosemere, Rosemar e Rosana, que adotou. A assessoria informa que, devido à pandemia, não haverá velório, e que Nelson será cremado em cerimônia restrita à família.
Nelson Sargento foi vacinado
contra Covid no dia 31 de janeiro, em uma cerimônia no Palácio da Cidade,
na qual o prefeito Eduardo Paes deu início à campanha de vacinação para a
terceira idade no Rio. Ao lado dele, estavam outros quatro idosos, entre eles o
ator Orlando
Drummond, de 101 anos. Mesmo tendo recebido as duas doses do
imunizante, Nelson Sargento foi infectado. Especialistas afirmam que o risco
para desenvolver a doença existe mesmo com duas doses da vacina e pode ser
explicado por diferentes fatores. Um estudo recente em São Paulo constatou que
a CoronaVac é efetiva contra a Covid-19 em idosos acima de 70 anos, apesar de
seu desempenho cair conforme a idade. Especialisas reforçam que, mesmo
vacinados com duas doses, deve-se continuar as políticas de distanciamento social,
uso de máscara e outras formas de prevenção de contágio para combater à
epidemia, juntamente com a campanha de vacinação.
O garoto que aprendeu a tocar violão com Nelson Cavaquinho e que desde cedo compunha com seu padrasto, o letrista Alfredo Português, tinha um encontro com o destino. Logo se tornaria um dos baluartes da Mangueira, autor de alguns dos sambas-enredos mais importantes da história da escola, da qual virou presidente de honra. Em quase um século de vivências, Nelson Sargento não apenas testemunhou como participou diretamente das diferentes mutações do samba. Um gênero em eterna agonia, que ele e seus parceiros sempre socorreram “antes do suspiro derradeiro”, como diz uma de suas músicas mais conhecidas, “Agoniza mas não morre”.
Nascido Nelson Mattos em 25 de julho de
1924, ele tomou contato com o universo do samba ainda na infância, quando se
mudou com a mãe e os 17 irmãos para o morro do Salgueiro, na Tijuca. Aos 10
anos, já desfilava e tocava tamborim na escola Azul e Branco (que em 1953 iria
se fundir com a Depois Eu Digo e resultar na Acadêmicos do Salgueiro). Mas na
Mangueira, para onde se mudou aos 12 anos, ele iria construir a sua história.
Após perder o marido, sua mãe foi morar com o pintor de paredes lisboeta
Alfredo Lourenço, o Português, compositor de fados convertido em sambista.
Antes de estourar na música, porém, o
artista fez um pouco de tudo: pintou paredes, trabalhou em uma fábrica de
vidros e, na década de 1940, serviu no Exército. Foi lá que ganhou o apelido
Sargento, adotado profissionalmente mais tarde. Depois do Exército, emendou uma
série de sucessos compondo com o seu padrasto. Juntos, venceram o concurso de
samba-enredo da Mangueira em 1949, com “Apologia ao mestre”, e 1950, com “Plano
SALTE”, conquistando os campeonatos para a escola nos respectivos carnavais.
O sucesso no carnaval consolidou a
reputação de Nelson, que se juntou a outros ícones mangueirenses, como Cartola,
Carlos Cachaça e Darcy da Mangueira. Tanto que, em 1958, tornou-se presidente
da ala dos compositores. Na década de 1960 integrou formações seminais na
história do samba, como A Voz do Morro (com Zé Kéti, José da Cruz, Paulinho da
Viola, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho e Anescarzinho do Salgueiro) e Os
Cinco Crioulos (com Mauro Duarte e de novo Elton, Jair, Paulinho e
Anescarzinho). Com eles, participou do histórico show “Rosa de Ouro”, produzido
por Hermínio Bello de Carvalho em1965, no Teatro Jovem, em Botafogo.
Nelson foi autor de mais de 400 composições
— muitas delas compostas no mesmo violão, que o acompanhou por mais de 50 anos.
O instrumento foi comprado às pressas, de segunda mão, para que pudesse
integrar o show “Rosas de Ouro”.
— O Elton (Medeiros) foi na Mangueira e
deixou um recado para eu ir ao Teatro Jovem, para um trabalho — recordou ele,
em uma entrevista de
2019. — Como eu era pintor de paredes na época, achei que seria para
pintar o teatro. Só quando cheguei lá soube que precisavam de mais um
compositor de samba para o grupo do espetáculo. Não tinha violão, e comprei
este aí, como está agora. Continuei pintando as minhas paredes, mas dali em diante
comecei a me profissionalizar.
Lançado em 1979, seu primeiro álbum solo,
“Sonho de um sambista”, inclui clássicos como “Agoniza mas não morre”. Gravado
por inúmeros intérpretes, e tratado como uma espécie de hino por Beth Carvalho,
é uma exaltação à resiliência do samba. Nelson costumava dizer que fazer música
era essencialmente “contar histórias”. E canções como “Falso amor sincero”,
também presente em seu álbum de estreia, são exemplo da inteligência e humor
com que “narrava” essas histórias. A música tem um dos versos mais famosos do
artista: “O nosso amor é tão bonito/ Ela finge que me ama/ E eu finjo que
acredito”.
Nos últimos anos, a longa vivência de
Nelson transformou-o numa espécie de museu vivo da cultura, fonte de consulta
permanente para pesquisas e produção de livros e filmes. Ele testemunhou a
transformação das escolas em gigantes comerciais, e viu o samba ganhar as
gravadoras e as paradas de sucesso.
Nelson também explorou outras facetas, como
a de artista plástico. Ao pintar o apartamento do jornalista e compositor
Sérgio Cabral, foi estimulado a expor sete quadros de sua fase abstrata, em
1973. Em 2019, teve 14 obras expostas no Espaço Favela do festival Rock in Rio.
Em outro papel, o de ator, trabalhou em longas como “O primeiro dia”, de Walter
Salles e Daniela Thomas, e “Orfeu”, de Cacá Diegues. E, como escritor, lançou
em 1994 o livro de poemas “Prisioneiro do mundo”.
Mesmo após os 90 anos, continuou fazendo
shows — em um dos mais recentes, “Nelson Sargento com vida”, de 2017, contou
com participações de Monarco, Criolo, Diogo Nogueira, Sandra de Sá e Alcione.
Em 2019, desfilou como Zumbi dos Palmares no enredo "Histórias
para ninar gente grande", que deu o último título do carnaval à
Estação Primeira de Mangueira.
— Enquanto os meninos que moram dentro da
minha cabeça estiverem na ativa, continuarei fazendo algumas coisas — disse ele
sobre sua vitalidade, em uma entrevista de
2018.
Ele foi internado no Inca (Instituto Nacional de Câncer) por causa de seu histórico — em 2005 ele tratou um câncer de próstata.
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