Valor Econômico
BC alertou para os riscos inflacionários
associados aos reajustes nas tarifas de energia elétrica
Muito embora a pesquisa Focus divulgada
pelo Banco Central no dia 28 último tenha mostrado alta das expectativas de
inflação para 2021 pela décima segunda semana consecutiva, a mediana das
projeções para 2022 se manteve estável em 3,78%, percentual ligeiramente acima
da meta de inflação (3,5%) fixada para o ano que vem. Tais resultados indicam
que o Banco Central está sendo até aqui bem-sucedido em manter sob controle as
expectativas dos agentes econômicos, com as recentes altas da taxa Selic e a
trajetória de juros projetada a partir da comunicação da autoridade monetária,
por meio principalmente dos comunicados e atas do Copom.
De fato, a partir da última reunião do Copom, o Banco Central julgou necessário ajustar sua comunicação para deixar explícito que buscará elevar a taxa Selic para “patamar considerado neutro”, deixando de lado as referências anteriores à “normalização parcial” de sua política de juros. Além disso, o Banco Central, em um movimento que surpreendeu a maioria dos analistas, abriu espaço para acelerar o ritmo de alta da Selic de 75 bps para 100 bps na próxima reunião do Copom, embora tenha mantido os 75bps como ajuste mais provável.
A opção por um discurso mais “hawkish”
mostra que o BC não quer correr o risco de que a piora do cenário inflacionário
de curto prazo contamine as expectativas para 2022, principalmente se
prevalecesse a interpretação - implícita para alguns no uso da expressão
“normalização parcial” - de que o BC pudesse ser mais tolerante a uma inflação
acima da meta.
O deslocamento do pêndulo da política
monetária para uma instância mais neutra encontra também justificativa nas
incertezas que permeiam o cenário político e econômico nos próximos meses,
assim como na própria resiliência demonstrada pela atividade nos primeiros
meses do ano, mesmo diante de um cenário pandêmico ainda adverso, que tem
levado os analistas e o próprio BC a reajustarem para cima as projeções de crescimento
nos próximos trimestres.
Há fatores de risco tanto no cenário
externo quanto no doméstico. No exterior, aumentaram os riscos de antecipação
da normalização da política monetária nos EUA, principalmente em razão da
abundância de estímulos fiscais providos pela administração Biden. Declarações
recentes de dirigentes do Fed sugerem a possibilidade dessa antecipação, muito
embora ainda prevaleça como cenário mais provável o aumento dos juros
norte-americanos apenas em 2023. De todo modo, a materialização do cenário de
reversão na política do Fed afetaria negativamente o real, com prováveis
repercussões sobre a inflação brasileira.
No campo doméstico, o risco maior continua
sendo a situação frágil das contas públicas, em que pese a melhora relativa dos
indicadores fiscais no curto prazo. Esse risco está associado, por exemplo, à
possibilidade de o governo optar por políticas fiscalmente populistas com
vistas a reforçar a posição eleitoral do presidente Bolsonaro, no momento em
que as pesquisas lhe mostram adversas. Há também a possibilidade de que o
enfraquecimento da popularidade presidencial aumente o poder de barganha do
Congresso para extrair concessões do Executivo que poderiam comprometer o
quadro fiscal. Na hipótese de aumento da percepção do risco fiscal, o impacto
sobre o câmbio será inevitável, em razão da elevação do prêmio de risco
soberano, levando à desvalorização do real.
Além disso, o Banco Central chamou atenção
para os riscos inflacionários associados ao baixo nível dos reservatórios que
tem obrigado a reajustes nas tarifas de energia, tendo em vista o acionamento
das termelétricas.
Por outro lado, esse mesmo cenário de
incertezas poderia recomendar que o Banco Central não se apresse no objetivo de
levar a taxa Selic para o patamar neutro. A situação da pandemia ainda é grave
e o surgimento de novas variantes do coronavírus pode afetar a trajetória da
doença nos próximos meses, notadamente se a cobertura vacinal se mantiver
insuficiente. Ademais, o mercado de trabalho continua mostrando fraqueza, com
elevado número de subocupados (7,2 milhões de pessoas) e de população
desalentada (6,0 milhões), segundo dados recentes do IBGE. No cenário externo,
como salientou o próprio BC, não se pode descartar a possibilidade de queda no
preço das commodities e de apreciação do real.
Desse modo, parece-me acertada a posição do
Banco Central de manter como cenário mais provável a continuidade da elevação
dos juros num ritmo de 75bps. Contudo, como se costuma dizer, o que importa na
política monetária são os dados e não as datas. Caso as expectativas para 2022
se deteriorem ou haja um agravamento da inflação corrente, o Banco Central já
sinalizou que manterá a inflação em rédea curta, acelerando o ritmo de ajuste
da taxa de juros.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, é ex-presidente do Banco Central e sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
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