Disparada no preço de itens essenciais, como alimentos e energia, derruba o poder de compra das classes D e E, que cresce na classe A
Eliane Oliveira, Cássia Almeida, Gabriel
Shinohara e Alex Braga* / O Globo
BRASÍLIA E RIO - Com os preços nas alturas
de itens essenciais, como alimentos, gás de cozinha e energia elétrica, a
inflação que disparou em 2021 pesa mais sobre os mais pobres e tira recursos do
consumo. Estudo da Tendências Consultoria estima que a renda disponível, o
dinheiro que sobra após as despesas básicas, encolheu entre os que ganham
menos. Nas classes D e E, a queda este ano será de 17,7%, contra uma alta de 3%
na classe A. Isso significa menos dinheiro no bolso, às vésperas das eleições.
O levantamento da Tendências considera
gastos essenciais as despesas com habitação, transporte, saúde e cuidados
pessoais, comunicação, educação e alimentação.
— O impacto negativo no consumo é direto,
já que a renda dos mais pobres vai toda para o consumo. Houve enxugamento das
transferências sociais, e a retomada do mercado de trabalho está muito gradual
— explica Lucas Assis, economista da consultoria.
Nas classes D e E, estão concentradas 54,7%
das famílias, cuja renda é de até R$ 2.700.
Muitos itens básicos dispararam recentemente.
No acumulado em 12 meses, há casos de aumentos dez vezes maiores do que a
inflação oficial, que foi de 8,06% no período. O preço do óleo de soja subiu
mais de 86%. Arroz, feijão-preto e açúcar cristal aumentaram 51,83%, 31,26% e
23,86%, respectivamente.
— Quanto menor o salário, maior o gasto com comida. Se sobe muito o preço, aquela família que tem renda muito baixa não com pra outra coisa que não comida — disse André Braz, coordenador das pesquisas de preço da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Para Vera Cristina Paz, de 58 anos, a alta
dos alimentos afeta diretamente seu trabalho. Dona de um restaurante na Zona
Norte do Rio, ela teve que fechar o negócio por causa do distanciamento social.
Sem renda, a cozinheira resolveu preparar quentinhas fitness, porém a inflação
está corroendo seu lucro.
— Quando comecei a trabalhar com isso, em
março de 2020, a lata de óleo custava menos de R$ 4, e hoje está quase R$ 8.
Não aumentei o preço da quentinha porque sei que nessa pandemia está difícil
para todo mundo — conta Vera, que mora com o marido, a mãe aposentada e a
filha, a única com emprego formal.
Inflação maior
Situações como a de Vera reforçam a demanda
por programas sociais, no momento em que o governo corre para tirar do papel um
Bolsa Família turbinado. A cozinheira recebe R$ 250 de auxílio emergencial. O
dinheiro paga só o botijão de gás e as compras no supermercado para uma semana:
— Estou vivendo no limite, e o governo não
ajuda. Se eles tivessem investido em vacina, nossa vida estaria melhor.
Na avaliação do diretor de Estudos e
Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea),
José Ronaldo Souza Júnior, a tendência é que a diferença entre a inflação de
mais pobres e mais ricos se atenue nos próximos meses. Projeção do Ipea mostra
que a inflação entre os que têm renda familiar abaixo de R$ 1.650 foi de 9%
entre março de 2020 e maio deste ano. Entre aqueles com renda acima de R$
16.509,66, o índice cai a 5,2%.
— As tarifas de energia afetam mais os
pobres, mas a gasolina faz aumentar a inflação dos mais ricos, que também deve
ser influenciada pela alta dos serviços nos próximos meses — diz Souza Júnior.
Luiz Roberto Cunha, professor de Economia
da PUC-Rio, diz que dificilmente a inflação deste ano ficará menor do que 6%.
Ele prevê que as commodities continuem em alta por causa da
recuperação de economias como a chinesa e a americana. E, por causa da crise
hídrica, a conta de luz também terá aumento.
— Há uma possibilidade de, no segundo
semestre, a inflação não subir tanto como no mesmo período de 2020, quando
havia incertezas políticas, econômicas e relacionadas à própria pandemia.
Alex Agostini, economista-chefe da Austin
Rating, resume esse efeito sobre preços como o da carne bovina:
— Ficará caríssimo sair para comer fora.
Para Patrícia Costa, supervisora de
pesquisa de preço do Dieese, as tarifas de transporte público devem subir com a
alta de 39,3% no diesel nos 12 meses terminados em maio.
— É possível que impacte os reajustes sim
e, de novo, penalizando as famílias mais pobres — disse Patrícia.
No Ministério da Economia, as projeções
apontam para inflação em alta nos próximos dois meses, recuando depois até
atingir 5,1% no fim do ano, dentro do teto da meta fixada pelo Banco Central.
— É o compromisso fiscal que ancora o processo
inflacionário. Não tenho dúvidas de que, apesar de termos um aumento
transitório, no fim do ano vamos convergir para a meta —diz o secretário de
Política Econômica, Adolfo Sachsida.
Riscos para 2022
Apesar de projeções menores para a inflação
de 2022, os alimentos vão continuar subindo, os juros estarão mais altos e deve
haver recomposição dos valores dos aluguéis, que foram renegociados para baixo
ou não tiveram reajuste, ressalta a consultora econômica Zeina Latif.
Já com relação à inflação deste ano, ela
estima que fique em 6,3%, bem acima dos 5,25% estabelecidos pelo BC:
— A meta de inflação não será cumprida, a
julgar pelas projeções do mercado.
*Estagiário, sob a supervisão de Alexandre Rodrigues
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