segunda-feira, 5 de julho de 2021

Inflação aperta orçamento das famílias mais pobres

Disparada no preço de itens essenciais, como alimentos e energia, derruba o poder de compra das classes D e E, que cresce na classe A

Eliane Oliveira, Cássia Almeida, Gabriel Shinohara e Alex Braga* / O Globo

BRASÍLIA E RIO - Com os preços nas alturas de itens essenciais, como alimentos, gás de cozinha e energia elétrica, a inflação que disparou em 2021 pesa mais sobre os mais pobres e tira recursos do consumo. Estudo da Tendências Consultoria estima que a renda disponível, o dinheiro que sobra após as despesas básicas, encolheu entre os que ganham menos. Nas classes D e E, a queda este ano será de 17,7%, contra uma alta de 3% na classe A. Isso significa menos dinheiro no bolso, às vésperas das eleições.

O levantamento da Tendências considera gastos essenciais as despesas com habitação, transporte, saúde e cuidados pessoais, comunicação, educação e alimentação.

— O impacto negativo no consumo é direto, já que a renda dos mais pobres vai toda para o consumo. Houve enxugamento das transferências sociais, e a retomada do mercado de trabalho está muito gradual — explica Lucas Assis, economista da consultoria.

Nas classes D e E, estão concentradas 54,7% das famílias, cuja renda é de até R$ 2.700.

Muitos itens básicos dispararam recentemente. No acumulado em 12 meses, há casos de aumentos dez vezes maiores do que a inflação oficial, que foi de 8,06% no período. O preço do óleo de soja subiu mais de 86%. Arroz, feijão-preto e açúcar cristal aumentaram 51,83%, 31,26% e 23,86%, respectivamente.

— Quanto menor o salário, maior o gasto com comida. Se sobe muito o preço, aquela família que tem renda muito baixa não com pra outra coisa que não comida — disse André Braz, coordenador das pesquisas de preço da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Para Vera Cristina Paz, de 58 anos, a alta dos alimentos afeta diretamente seu trabalho. Dona de um restaurante na Zona Norte do Rio, ela teve que fechar o negócio por causa do distanciamento social. Sem renda, a cozinheira resolveu preparar quentinhas fitness, porém a inflação está corroendo seu lucro.

— Quando comecei a trabalhar com isso, em março de 2020, a lata de óleo custava menos de R$ 4, e hoje está quase R$ 8. Não aumentei o preço da quentinha porque sei que nessa pandemia está difícil para todo mundo — conta Vera, que mora com o marido, a mãe aposentada e a filha, a única com emprego formal.

Inflação maior

Situações como a de Vera reforçam a demanda por programas sociais, no momento em que o governo corre para tirar do papel um Bolsa Família turbinado. A cozinheira recebe R$ 250 de auxílio emergencial. O dinheiro paga só o botijão de gás e as compras no supermercado para uma semana:

— Estou vivendo no limite, e o governo não ajuda. Se eles tivessem investido em vacina, nossa vida estaria melhor.

Na avaliação do diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), José Ronaldo Souza Júnior, a tendência é que a diferença entre a inflação de mais pobres e mais ricos se atenue nos próximos meses. Projeção do Ipea mostra que a inflação entre os que têm renda familiar abaixo de R$ 1.650 foi de 9% entre março de 2020 e maio deste ano. Entre aqueles com renda acima de R$ 16.509,66, o índice cai a 5,2%.

— As tarifas de energia afetam mais os pobres, mas a gasolina faz aumentar a inflação dos mais ricos, que também deve ser influenciada pela alta dos serviços nos próximos meses — diz Souza Júnior.

Luiz Roberto Cunha, professor de Economia da PUC-Rio, diz que dificilmente a inflação deste ano ficará menor do que 6%. Ele prevê que as commodities continuem em alta por causa da recuperação de economias como a chinesa e a americana. E, por causa da crise hídrica, a conta de luz também terá aumento.

— Há uma possibilidade de, no segundo semestre, a inflação não subir tanto como no mesmo período de 2020, quando havia incertezas políticas, econômicas e relacionadas à própria pandemia.

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, resume esse efeito sobre preços como o da carne bovina:

— Ficará caríssimo sair para comer fora.

Para Patrícia Costa, supervisora de pesquisa de preço do Dieese, as tarifas de transporte público devem subir com a alta de 39,3% no diesel nos 12 meses terminados em maio.

— É possível que impacte os reajustes sim e, de novo, penalizando as famílias mais pobres — disse Patrícia.

No Ministério da Economia, as projeções apontam para inflação em alta nos próximos dois meses, recuando depois até atingir 5,1% no fim do ano, dentro do teto da meta fixada pelo Banco Central.

— É o compromisso fiscal que ancora o processo inflacionário. Não tenho dúvidas de que, apesar de termos um aumento transitório, no fim do ano vamos convergir para a meta —diz o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida.

Riscos para 2022

Apesar de projeções menores para a inflação de 2022, os alimentos vão continuar subindo, os juros estarão mais altos e deve haver recomposição dos valores dos aluguéis, que foram renegociados para baixo ou não tiveram reajuste, ressalta a consultora econômica Zeina Latif.

Já com relação à inflação deste ano, ela estima que fique em 6,3%, bem acima dos 5,25% estabelecidos pelo BC:

— A meta de inflação não será cumprida, a julgar pelas projeções do mercado.

*Estagiário, sob a supervisão de Alexandre Rodrigues 

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