Folha de S. Paulo
Objetivo deve ser alinhar o máximo de
interesses contra o autoritarismo assassino de Bolsonaro
Muita gente
foi às ruas no último sábado protestar contra o latrocínio em massa cometido
por Jair Bolsonaro. Foram as maiores demonstrações de qualquer
lado desde o início da pandemia.
Ninguém queria estar lá: em um mundo em que
Bolsonaro não tivesse trabalhado pela propagação da morte por sufocamento
e acobertado
roubo de dinheiro de vacina, todos poderiam esperar o fim da
vacinação para começar a se manifestar. Não é esse o mundo em que vivemos.
Ninguém precisou ir de moto para dar a
impressão de que encheu. Nas fotos, estão todos de máscara. E, se fossem
esperar a vacinação acabar, pelo ritmo atual, os protestos seriam liderados
pelo jovem Hugo, filho recém-nascido dos deputados Sâmia Bomfim e Glauber Braga
(ambos do PSOL), que já seria presidente da UNE.
As bandeiras dos partidos e movimentos
próximos da esquerda predominaram amplamente no sábado, mas houve uma novidade:
pequenos grupos de liberais e centristas compareceram
aos atos com mais visibilidade do que antes.
Alguns deles já estavam lá: membros do
movimento de renovação política Acredito organizam protestos contra Bolsonaro
há vários meses (e são os donos do bonecão inflável Capitão Cloroquino).
Mas dessa vez havia também pequenos contingentes do PSDB de São Paulo, do movimento liberal Livres e de outras camisas não vermelhas.
O primeiro lado bom disso é que o pessoal
parece ter entendido que, se a manifestação está vermelha demais para o seu
gosto, junte uma turma e vá vestindo outra cor. Não dá para esperar que a
esquerda organize a manifestação e seja proibida de erguer sua bandeira.
A essa altura, já está claro que a turma do
“meu partido é o Brasil” queria dizer que, para eles, o Brasil era só o partido
deles. A direita democrática tem que ter partido, camisa, bandeira próprios,
porque a bandeira do Brasil tem que ser de todo mundo. Aí os amigos de esquerda
vão dizer: bom, com exceção dos caras do Acredito, esses “centristas” todos
entraram na briga pelo impeachment só porque agora perceberam que é mais
fácil tirar
Bolsonaro do segundo turno de 2022 do que Lula.
É, né, companheiro? É por isso que a
notícia saiu no caderno de política, onde, aliás, também sai esta coluna.
Nosso objetivo deve ser esse, alinhar o
máximo de interesses possíveis contra o autoritarismo assassino de Bolsonaro.
Se a turma liberal voltar a tentar vencer na política, nas alianças, disputando
as ruas, sem impeachment mutreteiro ou apoio à extrema direita, maravilha. Que
vença o melhor em 2022 e que o Jair volte a ser nanico.
Até porque não basta derrotar Bolsonaro, é
preciso reorganizar uma democracia estável no Brasil. O democrata que vencer em
2022 tem que contar com uma oposição liderada por outros democratas.
Há algo que talvez ainda não tenha sido percebido por todos os militantes da esquerda brasileira. Em 2021, nós não somos o minúsculo PT de 1980, fazendo barulho enquanto o MDB conduz a transição. Se Lula suceder o desastre de Bolsonaro, terá que assumir papel parecido ao do PMDB nos anos 1980, Deus queira que com políticas econômicas melhores, mas com a mesma disposição de atrair aliados. Pode não ser o que a esquerda gostaria de fazer agora, mas ninguém escolhe sua tarefa histórica.
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