segunda-feira, 5 de julho de 2021

Celso Rocha de Barros - O ‘centro’ na briga do impeachment

Folha de S. Paulo

Objetivo deve ser alinhar o máximo de interesses contra o autoritarismo assassino de Bolsonaro

Muita gente foi às ruas no último sábado protestar contra o latrocínio em massa cometido por Jair Bolsonaro. Foram as maiores demonstrações de qualquer lado desde o início da pandemia.

Ninguém queria estar lá: em um mundo em que Bolsonaro não tivesse trabalhado pela propagação da morte por sufocamento e acobertado roubo de dinheiro de vacina, todos poderiam esperar o fim da vacinação para começar a se manifestar. Não é esse o mundo em que vivemos.

Ninguém precisou ir de moto para dar a impressão de que encheu. Nas fotos, estão todos de máscara. E, se fossem esperar a vacinação acabar, pelo ritmo atual, os protestos seriam liderados pelo jovem Hugo, filho recém-nascido dos deputados Sâmia Bomfim e Glauber Braga (ambos do PSOL), que já seria presidente da UNE.

As bandeiras dos partidos e movimentos próximos da esquerda predominaram amplamente no sábado, mas houve uma novidade: pequenos grupos de liberais e centristas compareceram aos atos com mais visibilidade do que antes.

Alguns deles já estavam lá: membros do movimento de renovação política Acredito organizam protestos contra Bolsonaro há vários meses (e são os donos do bonecão inflável Capitão Cloroquino).

Mas dessa vez havia também pequenos contingentes do PSDB de São Paulo, do movimento liberal Livres e de outras camisas não vermelhas.

O primeiro lado bom disso é que o pessoal parece ter entendido que, se a manifestação está vermelha demais para o seu gosto, junte uma turma e vá vestindo outra cor. Não dá para esperar que a esquerda organize a manifestação e seja proibida de erguer sua bandeira.

A essa altura, já está claro que a turma do “meu partido é o Brasil” queria dizer que, para eles, o Brasil era só o partido deles. A direita democrática tem que ter partido, camisa, bandeira próprios, porque a bandeira do Brasil tem que ser de todo mundo. Aí os amigos de esquerda vão dizer: bom, com exceção dos caras do Acredito, esses “centristas” todos entraram na briga pelo impeachment só porque agora perceberam que é mais fácil tirar Bolsonaro do segundo turno de 2022 do que Lula.

É, né, companheiro? É por isso que a notícia saiu no caderno de política, onde, aliás, também sai esta coluna.

Nosso objetivo deve ser esse, alinhar o máximo de interesses possíveis contra o autoritarismo assassino de Bolsonaro. Se a turma liberal voltar a tentar vencer na política, nas alianças, disputando as ruas, sem impeachment mutreteiro ou apoio à extrema direita, maravilha. Que vença o melhor em 2022 e que o Jair volte a ser nanico.

Até porque não basta derrotar Bolsonaro, é preciso reorganizar uma democracia estável no Brasil. O democrata que vencer em 2022 tem que contar com uma oposição liderada por outros democratas.

Há algo que talvez ainda não tenha sido percebido por todos os militantes da esquerda brasileira. Em 2021, nós não somos o minúsculo PT de 1980, fazendo barulho enquanto o MDB conduz a transição. Se Lula suceder o desastre de Bolsonaro, terá que assumir papel parecido ao do PMDB nos anos 1980, Deus queira que com políticas econômicas melhores, mas com a mesma disposição de atrair aliados. Pode não ser o que a esquerda gostaria de fazer agora, mas ninguém escolhe sua tarefa histórica.

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