segunda-feira, 5 de julho de 2021

Com distritão, Câmara teria renovação menor

Pesquisa do GLOBO com ferramenta do RenovaBR que simula resultado da última eleição com novo sistema, em debate no Congresso, mostra que Legislativo teria menor diversidade

Bernardo Mello / O Globo

RIO - O distritão, sistema em debate na reforma política que tramita na Câmara, teria favorecido a eleição de deputados federais homens, brancos, de meia-idade e com mais recursos e bagagem política caso estivesse em vigor em 2018. A constatação foi feita pelo GLOBO a partir de levantamento com base em uma ferramenta, criada pelo movimento de renovação política RenovaBR, que simula os resultados da última disputa por cadeiras na Câmara e nas assembleias legislativas caso os mais votados em cada estado fossem eleitos, como prevê o distritão, sem levar em consideração quociente partidário e votos de legenda, como ocorre no sistema proporcional em vigor.

Segundo o levantamento do GLOBO, que considera o “perfil médio” dos deputados eleitos em 2018 de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o distritão subiria de 63 para 78, uma variação de 24%, o número de parlamentares do sexo masculino e que se declaram brancos, acima de 55 anos, que já estavam no exercício do mandato e gastaram mais de R$ 500 mil para se reelegerem. Para especialistas, esta simulação sugere que o distritão dificulta a renovação e o aumento da diversidade no Legislativo, por favorecer nomes mais conhecidos e máquinas partidárias mais robustas.

No sistema proporcional, a distribuição de vagas considera a fatia de cada partido dentro do quociente eleitoral, que é calculado pela relação entre o total de votos válidos e as cadeiras disponíveis. São considerados também a ordem de votação dos candidatos dentro das siglas e o percentual de eleitores que digitou o número da legenda na urna. Por conta disso, nem sempre os candidatos individualmente mais votados ocupam as cadeiras disponíveis. Defensores deste sistema dizem que ele valoriza os partidos e favorece a pluralidade dos eleitos, enquanto o distritão tornaria as campanhas mais caras e personalistas.

— É claro que uma simulação não capta todas as mudanças de estratégia que ocorreriam em um sistema distinto, mas é interessante como, no distritão, sempre que aparece viés é algo pró-establishment. Há um aumento de homens mais velhos e que já ocupam cargo, em detrimento de mulheres e negros. Isso gera mais concentração de poder, dá mais força a quem já tem — avaliou o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

De acordo com a diretora-executiva do RenovaBR, Irina Bullara, a ferramenta tem o intuito “pedagógico” de contribuir, com números, para o debate sobre prós e contras da eventual adoção do distritão. Ela afirma que deve apresentar o simulador para a deputada federal Renata Abreu (Podemos-SP), relatora da reforma eleitoral na Câmara.

— Não se trata de advogar por modelo A ou B, mas de dar o maior número de informações possíveis sobre as nuances que o distritão pode trazer para cada segmento, estado ou partido. Seja qual for o sistema, um tema caro a nós é a representatividade. Um debate baseado em dados é a melhor forma de evitar decisões equivocadas — afirma Bullara.

Apoio na Câmara

Em entrevista ao GLOBO na última semana, Abreu avaliou que o distritão tem conquistado apoios de parlamentares na Câmara. Por ser debatido dentro de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o distritão precisa dos votos de 308 deputados em dois turnos para avançar ao Senado, onde o projeto também teria de ser aprovado por três quintos da Casa. Para a relatora da reforma política, o distritão poderia tornar as eleições “mais baratas” por induzir os partidos a lançarem menos candidatos.

— Hoje já existe personalismo nas campanhas. Além disso, os partidos são obrigados a financiar uma quantidade de candidatos que não cabe nos recursos disponíveis — argumenta Abreu.

A simulação da vigência do distritão em 2018 aponta que haveria queda na representação de mulheres e de deputados negros e indígenas, grupos que já são minoria na Câmara atualmente. Já o número de reeleitos, de deputados mais velhos e de eleitos com campanhas mais caras subiria até 8%.

No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que partidos devem distribuir proporcionalmente recursos para candidatos negros. Além disso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adotou o entendimento de reservar no mínimo 30% dos recursos do fundo eleitoral para mulheres. A cota de verba para candidaturas femininas foi incluída no relatório do novo código eleitoral, apresentado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI) no último mês, e também é defendida por Renata Abreu para a PEC da reforma política.

A cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, pesquisadora de sistemas eleitorais e professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), diz que o fim das coligações proporcionais, que incidirá na eleição para deputado estadual e federal pela primeira vez em 2022, já cria um temor de menor representatividade e de “oligarquização”, por favorecer as maiores máquinas partidárias.

— Os dados corroboram que o distritão é um dos piores sistemas eleitorais para o Brasil, ainda mais agora. Vai na contramão do caminho para uma democracia com maior representatividade, respeitando a heterogeneidade brasileira. Tanto as mulheres quanto a população negra manteriam esta atual subrepresentação escandalosa — disse Braga.

Caso o distritão estivesse em vigor nas eleições de 2018, 64 cadeiras, o equivalente a 12% da Câmara, teriam mudado de ocupantes; 14 deputados reeleitos no sistema proporcional ficariam de fora, mas outros 33 que disputavam novo mandato seguiriam na Casa graças ao critério majoritário.

Com um sistema diferente, 46 deputados novos, que se elegeram pela primeira vez em 2018, não teriam conseguido uma cadeira na Câmara. A última eleição levou um total de 243 deputados novos à Casa, a maior taxa de renovação desde 1989. Já a lista dos que seriam beneficiados pela adoção do distritão na última eleição inclui veteranos da política, como os ex-deputados Leonardo Picciani (MDB-RJ), José Carlos Aleluia (DEM-BA) e Airton Cascavel (Republicanos-RR), este último ex-assessor especial do Ministério da Saúde na gestão de Eduardo Pazuello.

O levantamento aponta ainda que os 64 deputados que entrariam pelo distritão gastaram, no total, R$ 76 milhões em suas campanhas, 84% a mais do que os parlamentares que perderiam suas vagas. Os deputados que entrariam são também mais ricos, de acordo com as declarações de bens feitas ao TSE. Ao todo, esses parlamentares somam R$ 147,1 milhões em bens, 58% acima do valor declarado pelos que ficariam de fora.

Nos estados

Nas assembleias legislativas, os dados também apontam que parlamentares com mandato e campanhas mais caras seriam os principais beneficiados pelo distritão. Mesmo entre mulheres, que teriam ligeiro aumento na participação em assembleias — passando de 163 para 175 deputadas estaduais —, o distritão favoreceria quase exclusivamente candidatas brancas com campanhas acima de R$ 100 mil: seriam 15 eleitas a mais neste grupo. Entre candidatas com menor gasto, entraria somente mais uma deputada negra, e seis parlamentares brancas deixariam de se eleger.

Assim como na Câmara, o PSL seria o partido com maior perda de deputados estaduais com o distritão. Em 2018, no embalo da popularidade do então presidenciável Jair Bolsonaro, o partido teve líderes de votação em sete estados, o que favoreceu o fenômeno dos “puxadores de voto” — parlamentares com votações altas que ajudam a eleger correligionários.

— No sistema proporcional, a grosso modo, você não tem votos “desperdiçados”. Ele procura respeitar o tamanho da representatividade de todos os grupos em cada eleição. Para evitar uma excessiva pulverização, há regras como a cláusula de barreira. Já o distritão não tem meio-termo. A vontade de muita gente fica de fora — afirmou Cláudio Couto.

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