EDITORIAIS
Passou da hora de sepultar a Lei de
Segurança Nacional
O Globo
O que era para ser
exceção virou regra num governo que flerta o tempo todo com o autoritarismo.
Dados obtidos pelo GLOBO, com base na Lei de Acesso à Informação, revelam que,
dos 188 inquéritos abertos com base na Lei de Segurança Nacional (LSN) nesta década,
mais da metade (107) aconteceu de 2019 para cá, no governo de Jair Bolsonaro.
Apenas neste ano até 17 de junho, já são 23 casos, que representam 80% do total
registrado em 2019. Não deveria surpreender, na medida em que esse entulho
jurídico herdado da ditadura tem sido usado para intimidar, perseguir ou calar
críticos ou adversários políticos.
Não faltam exemplos dessa
prática condenável. Guilherme Boulos, ex-candidato do PSOL à Prefeitura de São
Paulo, foi enquadrado por ter postado numa rede social a frase: “Um lembrete
para Bolsonaro: a dinastia de Luís XIV terminou na guilhotina”. O jornalista
Ricardo Noblat também foi confrontado por ter escrito: “Do jeito que vão as
coisas, cuide-se Bolsonaro para que não apareça outro louco como o Adélio”. Ao
deputado federal Túlio Gadêlha (PDT-PE), bastou curtir uma mensagem dizendo que
“uma facada verídica resolveria tudo”. O youtuber Felipe Neto foi denunciado
por chamar o presidente de “genocida” na pandemia de Covid-19. No Tocantins, o
sociólogo Tiago Rodrigues foi investigado por estampar em outdoors mensagem
afirmando que o presidente valia menos que um “pequi roído”, expressão que
significa algo de pouco valor.
Não serve de pretexto o argumento de que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, usou a mesma LSN para fundamentar a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) por ameaças ao Supremo. Tratou-se de um caso extremo de abuso da liberdade de expressão.
Sancionada em 1983, já no
fim da ditadura militar, a LSN é um instrumento que não se encaixa num Estado
democrático. Serve apenas para que governantes de turno, especialmente os que
pendem para o autoritarismo, contem com um arcabouço jurídico para intimidar
opositores. Confunde-se a defesa do Estado com a de governos. De seus 45
artigos, praticamente metade (22) se choca com dispositivos da Constituição
promulgada em 1988.
No Supremo, já existem ao
menos quatro ações que questionam dispositivos da LSN por incompatibilidade com
a Carta, mas ainda não foram julgadas. Independentemente disso, essa aberração,
a que o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, já se referiu como “fóssil
normativo”, parece estar com os dias contados. O texto-base da Lei do Estado
Democrático, feito em substituição à LSN, foi aprovado na Câmara e está agora
no Senado. A nova legislação prevê punição para crimes contra o estado
democrático de direito, como golpe de estado, conspiração, atentado à
soberania.
Um dos problemas do projeto é a pressa com que tramitou na Câmara, reduzindo o tempo para que fosse debatido com a sociedade. De qualquer forma, enterrar essa herança da ditadura, que traz o autoritarismo em seu DNA, será sem dúvida um avanço. Impressiona que tenha levado quase quatro décadas para isso. Espera-se que, no texto que sairá do Senado, não haja brechas para cerceamento de direitos fundamentais. Há que impor limites para preservar as instituições do Estado, mas sem abrir mão da liberdade de expressão, um dos pilares da democracia. Não existe liberdade de expressão relativa. Ou ela existe ou não existe.
Aumento de R$ 12 mil em salários de
conselheiros do TCE é um acinte
O Globo
Alheio ao que se passa no
Rio e no país, o conselho de administração do Tribunal de Contas do Estado
(TCE-RJ) aprovou um acréscimo de cerca de R$ 12 mil aos vencimentos dos cinco
conselheiros em atividade, sob a justificativa de sobrecarga de trabalho. Com
isso, receberão R$ 47 mil, ultrapassando o teto do funcionalismo (R$ 39.200). O
TCE alega que, por se tratar de verba indenizatória por acúmulo de serviço,
prevista em lei, o valor não está sujeito ao teto.
A sobrecarga de trabalho,
segundo o TCE, vem desde 2017, quando os cinco conselheiros foram afastados —
chegaram a ser presos — durante a Operação Quinto do Ouro, da PF e do MPF. São
acusados de integrar um esquema de propina que desviava recursos de contratos
públicos. Não bastasse ter sido lesada, a sociedade ainda tem de pagar a mais
para que outros façam o trabalho que eles deixaram de fazer. Registre-se que os
titulares afastados continuam a receber salários e benefícios.
Apesar da alegação do
TCE, os números do tribunal não sugerem sobrecarga de trabalho. Como mostrou
reportagem do GLOBO, a produtividade vem caindo nos últimos anos. Em 2015, o
plenário aprovou 2.076 acórdãos. Em 2020, o número despencou para 1.339, ou 737
a menos.
Com 1.096 funcionários, o
TCE é uma ilha de prosperidade no serviço público. Conselheiros têm direito a
duas férias por ano, carro, além de auxílios saúde e educação. O orçamento para
este ano, aprovado pela Assembleia Legislativa (Alerj), prevê gastos de R$ 772
milhões, 83% (R$ 642 milhões) em despesas com pessoal.
O mundo maravilhoso do
TCE contrasta com a situação de penúria do estado, que, para não falir, acabou
de renovar o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) com a União. Não é segredo,
especialmente para o tribunal que fiscaliza as contas do governo, que o Rio,
devedor de R$ 172 bilhões, não sobreviveria sem o socorro federal. Mas a ajuda
tem contrapartidas. Para obter alívio nas finanças, a administração fluminense
terá de implantar uma série de medidas de austeridade. A prebenda aos
conselheiros é, por isso, um péssimo sinal enviado a Brasília.
A decisão vai na
contramão de uma realidade em que milhares de brasileiros perderam seus
empregos na pandemia, ou suas jornadas e salários foram reduzidos. O Brasil tem
hoje uma massa de desempregados que soma 14,8 milhões. Outros 6 milhões
desistiram de procurar trabalho. Nas favelas, não são poucas as famílias que
vivem de doações, porque não têm dinheiro sequer para comprar comida.
A decisão do TCE-RJ
ilustra uma situação comum no universo do funcionalismo público no Brasil. Trata-se
de uma casta que vive num mundo à parte, dissociada da realidade da maioria dos
brasileiros, embora sustentada por eles. Consegue passar incólume, com seus
privilégios, pela maior crise da história do país. Pouco importa se a
indenização de R$ 12 mil aos estafados conselheiros está dentro da lei —
milhões de brasileiros sonhariam só com esse acréscimo. Legal ou não, ela é um
acinte à sociedade.
Devastação ambiental
O Estado de S. Paulo
Recuperação sem emprego
O Estado de S. Paulo
A economia se moveu, mas o desemprego ficou pior do que no ano passado
Dezenas de milhões de brasileiros –
desocupados, subocupados, desalentados e seus dependentes – continuam sem
convite para a festa da recuperação econômica. A economia brasileira crescerá
5,05% neste ano, segundo a projeção do mercado divulgada pelo Banco Central
(BC). Uma expansão de 4,8% é a nova aposta do pessoal do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea).também saíram os números do desemprego no trimestre
móvel encerrado em abril: 14,8 milhões de desocupados, 14,7% da força de
trabalho, nível recorde na série estatística iniciada em 2012. Nada parece
indicar uma onda de contratações a partir de maio.
Não houve melhora no mercado de
trabalho, na passagem do trimestre de janeiro a março para o período de
fevereiro a abril. Com a mudança do trimestre móvel, eliminou-se um mês e um
mês se acrescentou ao conjunto, mas o cenário em quase nada se alterou. Além do
contingente e da porcentagem dos desocupados, manteve-se o número dos
desalentados (6 milhões). O total de subutilizados ficou praticamente igual,
tendo passado de 33,2 milhões para 33,3 milhões de indivíduos. O grupo dos
informais também pouco se alterou, tendo aumentado de 34 milhões para 34,2
milhões de trabalhadores.
As pequenas diferenças foram
insuficientes para mudar o cenário na passagem do trimestre findo em março para
aquele terminado em abril. Além disso, nos dois períodos o quadro geral foi bem
pior que o do ano anterior. No caso do trimestre janeiro-março, o desemprego
passou de 12,2% em 2020 para 14,7% um ano depois. Quando a comparação envolve o
período de fevereiro a abril, encontra-se uma diferença menor, de 12,6% para
14,7%.
Os dois confrontos indicam uma sensível
piora do mercado entre os dois anos. Nas duas comparações, os dados do ano
anterior são confrontados com um recorde, a maior desocupação registrada na
série iniciada em 2012. Na maior parte das demais economias emergentes e em
quase todas as desenvolvidas houve dois movimentos bem diferenciados a partir
do início da pandemia. No primeiro, como em todo o mundo, a desocupação cresceu
de forma considerável. No segundo houve um claro aumento das oportunidades de
trabalho. No Brasil ocorreu algo muito diferente: em nenhum trimestre de 2020 o
desemprego chegou à taxa de 14,7%.
No Brasil, como em dezenas de outros
países, medidas de apoio aos negócios e de sustentação do emprego foram
aplicadas pelo governo central. Mas o caso brasileiro tem algumas
peculiaridades. As políticas de preservação do emprego e de ajuda às famílias
mais necessitadas foram suspensas no começo deste ano e retomadas parcialmente
a partir de abril. Apesar disso, a reação econômica prosseguiu no primeiro
trimestre, mas sem melhorar as condições do mercado de trabalho.
No trimestre fevereiro-abril a
população ocupada, de 85,9 milhões de pessoas, ficou estável em relação ao
contingente do trimestre de novembro a janeiro, isto é, da virada do ano. O
número de pessoas ocupadas diminuiu, no entanto, 3,7% em relação ao período
fevereiro-abril do ano passado. Seria muito otimismo atribuir essa redução a um
abandono voluntário e tranquilo do mercado nesse intervalo de um ano.
Também é preciso levar em conta os tropeços durante a retomada econômica a partir de maio do ano passado. A maior taxa mensal de crescimento da produção industrial, nesse período, ocorreu em junho de 2020. Foi uma expansão de 9,5% sobre o volume de maio. A partir daí o ritmo declinou seguidamente, chegou a 0,2% em janeiro deste ano e em seguida se tornou negativo, declinando 1% em fevereiro, 2,2% em março e 1,3% em abril. A evolução do consumo também foi irregular, mas muito menos negativa que a da indústria. As vendas do comércio varejista cresceram 0,5% em janeiro e 3,9% em fevereiro, declinaram 3,1% em março e aumentaram 0,7% em abril. Boa parte dos serviços ainda foi afetada pelas medidas de proteção contra a pandemia. Apesar disso, a economia avançou, enquanto o emprego retrocedeu.
A Câmara e o interesse público
O
Estado de S. Paulo
Abrandamento da Lei da Ficha Limpa afasta a Câmara do melhor interesse público
Matérias importantes aprovadas pela
Câmara dos Deputados nas últimas semanas colidem frontalmente com o melhor
interesse público.
A cúpula do Congresso Nacional, que pode
ser vista imponente acima da Câmara dos Deputados, simboliza a abertura da Casa
à multiplicidade de vozes, ideias, anseios e valores da sociedade brasileira.
Em suma, aquele é o espaço da concertação política por excelência, fundamental
para que prevaleça o bem comum acima dos interesses paroquiais.
Sob a presidência de Arthur Lira
(PP-AL), no entanto, a Câmara dos Deputados tem feito movimentos que a afastam
de seu nobre desígnio. Matérias importantes aprovadas pela Casa nas últimas
semanas, além de outras em discussão, colidem frontalmente com o melhor
interesse público. Vejamos.
Há poucos dias, os deputados aprovaram
o Projeto de Lei (PL) 10.887/18, que altera a Lei 8.429/92. Não há dúvida de
que a Lei de Improbidade Administrativa há muito tinha de ser modernizada. Se
tinha como finalidade coibir malfeitos na gestão da coisa pública, ao longo de
quase 30 anos de vigência a lei se converteu em uma perigosa fonte de
insegurança jurídica, instrumento de indevida ação política do Ministério
Público e fator inibidor do ingresso de bons quadros profissionais na
administração pública, entre outras distorções. Entretanto, a forma açodada
como o projeto passou a tramitar desde a posse de Lira e a natureza das
mudanças aprovadas mais revelaram a sobreposição dos interesses dos
parlamentares, muitos dos quais envolvidos em ações de improbidade – como o
próprio Lira –, do que o aprimoramento necessário da lei tendo sempre como
norte o interesse público.
A proposta de reforma política em
tramitação na Casa está igualmente descolada dos interesses da sociedade. No
balaio há claros retrocessos, como a volta do financiamento de campanhas
políticas por empresas e a permissão de coligações partidárias em eleições
proporcionais, e aberrações como o chamado “distritão”, sistema que enfraquece
os partidos – e, consequentemente, o diálogo – e privilegia indivíduos.
Agora, no que pode ser visto como um
novo movimento de autodefesa da chamada classe política, os deputados acabam de
aprovar um projeto que abranda a Lei da Ficha Limpa, uma grande conquista da
sociedade brasileira. Por 345 votos favoráveis e 98 contrários, os deputados
acabaram com a pena máxima prevista na lei, a inelegibilidade, para os casos de
governantes que tiveram suas contas rejeitadas pelos órgãos de controle e foram
punidos apenas com multa.
Hoje estão inelegíveis por oito anos os
administradores públicos que tiveram suas contas rejeitadas por “irregularidade
insanável” em decorrência de “ato doloso de improbidade administrativa”. A Lei
da Ficha Limpa não faz menção ao tipo de pena aplicada a cada caso. O deputado
Enrico Miasi (PV-SP), relator do projeto, propôs uma ressalva às condenações
que mantêm elegíveis os cidadãos que, embora tenham tido suas contas
rejeitadas, receberam apenas pena de multa como punição. “Não se aplica (a
inelegibilidade) aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas
irregulares, sem imputação de débito, e sancionados exclusivamente com o
pagamento de multa”, diz o texto aprovado pelo plenário da Câmara.
O relator defende que a aprovação do
projeto “representa incremento da segurança jurídica”, haja vista que alguns
gestores públicos punidos com multa recorrem ao Tribunal Superior Eleitoral
para manter a elegibilidade.
Ora, a inelegibilidade prevista na Lei
da Ficha Limpa não tem, e não deve ter, relação com o tipo de punição, penal ou
administrativa, que o mau administrador venha a receber por ter suas contas
reprovadas. A inelegibilidade advém, após processo no qual se garantiu a ampla defesa
ao gestor público, que, por sua reconhecida incapacidade para bem administrar
os recursos públicos sob seus cuidados, acabou tendo suas contas reprovadas.
Ademais, a lei fala em dolo para efeitos de inelegibilidade. Ou seja, como ser
tolerante com o gestor que teve a intenção de malversar recursos públicos, mas
foi punido apenas com pena de multa?
O projeto seguiu para o Senado, onde se
espera que a condescendência com a incúria no manejo de recursos públicos seja
barrada.
Mais um inquérito
Folha de S. Paulo
Ao abrir investigação mirando
bolsonaristas, STF dribla procurador subserviente
Em decisão proferida pelo ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a corte arquivou o
chamado inquérito
dos atos antidemocráticos, que estava em curso desde abril do ano passado.
Determinou, no entanto, a
instauração de nova investigação sobre a existência de uma organização
criminosa digital voltada a atacar as instituições, envolvendo aliados do
presidente Jair Bolsonaro.
No texto, o magistrado faz nada menos que 12 referências ao deputado Eduardo
Bolsonaro (PSL-SP), sem deixar de mencionar outros dois filhos do presidente, o
senador Flávio (Patriota-RJ) e o vereador Carlos (Republicanos-RJ).
Com a medida, Moraes dribla a
Procuradoria-Geral da República. De um lado, acata o argumento da PGR pelo
encerramento da investigação por falta de provas contra autoridades com foro
especial; de outro, permite que se investigue mais a fundo a participação de
bolsonaristas em ameaças ao Estado de Direito —e ao próprio STF.
Deve-se atentar para o fato de que a
manobra se dá diante de uma postura amigável, para dizer o mínimo, do
procurador-geral Augusto Aras em relação ao Planalto, às vésperas da abertura
de uma nova vaga no STF para a qual pode receber a indicação presidencial.
Outra questão preocupante é a fragilização
das investigações por causa da disputa entre a Polícia Federal e a
Procuradoria. O inquérito extinto havia sido aberto a pedido da PGR, poucos
dias depois de Bolsonaro ter participado de manifestações com pautas
antidemocráticas em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília.
Para justificar o arquivamento, a PF
apontou o caráter inconclusivo das apurações, ao passo que a Procuradoria
acusou a corporação policial de conduzir seus trabalhos sem um foco claro.
Não é porque se criou um novo inquérito,
entretanto, que os vícios institucionais do anterior desaparecerão magicamente.
Não convém, em circunstâncias normais, que o STF acumule as funções de abrir
investigações, acusar e julgar.
As circunstâncias, infelizmente, não são
normais. O presidente da República de fato estimulou abertamente manifestações
de tom golpista, com ataques aos demais Poderes —só recuando diante da
perspectiva de se ver alvo de um processo de impeachment.
Ademais, a vergonhosa subserviência do
procurador-geral ao Planalto, que nem de longe se limita a esse episódio, reduz
a eficácia dos freios aos abusos do chefe do Executivo. Não se pode, pois,
dissociar a decisão heterodoxa de Moraes desse contexto lamentável.
Poder elétrico
Folha de S. Paulo
Crise hídrica demanda decisões ágeis, mas
nova câmara deve ser aperfeiçoada
Medida
provisória recém-editada pelo governo Jair Bolsonaro concedeu a um
grupo de ministros poderes excepcionais para gerir a crise hídrica e as ameaças
de falta de energia elétrica —o que inevitavelmente faz lembrar o “Ministério
do Apagão”, criado em 2001 para promover um racionamento.
A MP cria a Câmara de Regras Excepcionais
para Gestão Hidroenergética (Creg), liderada pelo ministro de Minas e Energia e
também composta por representantes da Economia, da Infraestrutura, do
Desenvolvimento Regional, da Agricultura e do Meio Ambiente.
Em princípio, tal instância deverá existir
até o final deste ano. Seus poderes sobrepujam os de agências reguladoras e
instituições de fiscalização ambiental.
O cenário a ser enfrentado é de fato
preocupante, A falta de água pode comprometer o funcionamento das
hidrelétricas. Ao fim do período de seca no centro-sul do país, em novembro,
essas usinas podem mesmo estar inoperantes, dada a baixa de seus reservatórios
ou a redução do fluxo.
É inevitável administrar o problema de modo
a minimizar os danos para os diversos usuários. É preciso que as decisões sejam
rápidas, técnicas e juridicamente seguras.
A MP dá poderes à Creg para, por exemplo,
estabelecer vazões, determinar a contratação de energia emergencial ou tornar
compulsórias deliberações do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE),
que é diverso em sua composição técnica e institucional.
Homologadas pela nova câmara, as
deliberações do CMSE relativas à crise serão de cumprimento obrigatório pela
administração pública direta e indireta, pelo Operador Nacional do Sistema
Elétrico, pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica e por
concessionárias dos setores elétrico, de petróleo, gás e biocombustíveis.
No limite, o ministro de Minas e Energia
poderá até mesmo tomar decisões isoladamente, a serem referendadas pela Creg.
Quanto à segurança jurídica, o futuro dirá
se os interessados poderão levar à Justiça medidas que até agora eram de
responsabilidade de instituições variadas.
O arranjo e os poderes genéricos da câmara
já suscitam críticas. Ainda que certas decisões dependam de deliberações do
CMSE, há liberdade excessiva para um colegiado de composição apenas política.
É necessário que o Congresso se ocupe o quanto antes do assunto. A decisão ágil é sem dúvida necessária neste momento de crise, mas criar contrapesos a medidas eventualmente equivocadas ou até autoritárias também é imperativo.
Transparência e comunicação adequada na
crise de energia
Valor Econômico
Tudo indica que o pior regime hidrológico
em 91 anos é um problema que parece ter vindo para ficar
Transparência e comunicação adequada,
transparência e comunicação adequada, transparência e comunicação adequada.
Esse binômio deveria ser perseguido à exaustão, pelo governo Jair Bolsonaro, no
enfrentamento da crise hídrica que fez reaparecer o fantasma de um novo
racionamento de energia, duas décadas após a experiência de 2001. Os
reservatórios das usinas hidrelétricas no subsistema Sudeste/ Centro-Oeste
devem chegar ao fim de julho abaixo do volume armazenado naquele ano, com só
26,6% de sua capacidade máxima e os piores meses de estiagem ainda pela frente.
Na terça-feira, o governo publicou a MP
1.055, medida provisória que dá plenos poderes à Câmara de Regras Excepcionais
para Gestão Hidroenergética (Creg) para mudar vazões em rios importantes para a
segurança do sistema, sem a necessidade de aval do Ibama e da Agência Nacional
de Águas (ANA), que normalmente decidem sobre o assunto. Diante do agravamento
da situação, foi uma medida acertada. Também foi positiva a retirada de menção,
inserida em minuta da MP, à “racionalização compulsória” do consumo. O termo é
estranho do ponto de vista técnico - fala-se em racionalização como ato
voluntário e racionamento como ato compulsório - e só criava incertezas. Cabe
agora impedir que a análise do texto pelo Congresso Nacional abra mais um
balcão de atendimento dos lobbies no setor elétrico.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico
(ONS) já exibiu seus planos até a volta das chuvas. Está previsto o acionamento
de praticamente todo o parque térmico, atingindo 20 mil megawatts (MW) em
novembro, mas a pergunta frequente é se essas usinas terão disponibilidade para
operar como o desejado. A Petrobras deve paralisar para manutenção, por 30
dias, a plataforma de Mexilhão e o gasoduto Rota 1, que escoa gás natural
produzido no pré-sal da Bacia de Santos. Algumas térmicas serão interrompidas.
Pampa Sul e Candiota 3, duas usinas movidas a carvão que totalizam 695 MW de
potência, também devem fazer paradas para serviços no auge do período seco.
Aplicadas todas essas premissas, o ONS diz
que não haverá necessidade de racionamento neste ano, mesmo com um atraso no
reinício da temporada de chuvas. O operador admite, no entanto, que o
equilíbrio entre oferta e demanda será bastante apertado: novembro teria uma
folga de apenas 3,3 mil MW no balanço energético. Uma margem tão pequena deixa
o sistema mais vulnerável a imprevistos, como restrições nas linhas de
transmissão e desligamentos súbitos de alguma máquina geradora. Isso pode
resultar em blecautes, já que a reserva operativa torna-se menor.
Na tentativa de evitar apagões, o
Ministério de Minas e Energia tem discutido com grandes consumidores
industriais um incentivo ao deslocamento da produção para fora dos horários de
ponta. Já se passaram algumas semanas desde o início das conversas, porém, sem
que haja detalhamento de como funcionaria esse estímulo. A tarifa branca,
criada em 2018 para induzir residências e comércio a reduzir seu consumo, teve
adesão pífia. Em três anos, apenas 57 mil unidades consumidores - menos de 0,1%
do universo potencial - pediram para entrar nessa modalidade, que prevê
desconto tarifário a quem consome fora das horas-pico.
O ministro Bento Albuquerque fez um
pronunciamento, em rede nacional, para explicar a gravidade do quadro e pedir
aos brasileiros que ajam responsavelmente. Mas as palavras de Albuquerque, bem
como as peças publicitárias do governo, ainda são tímidas na comunicação dos
fatos. Ao mesmo tempo, a diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) aprovou reajuste das bandeiras tarifárias em percentual inferior ao
recomendado pela área técnica. Por mais que seja menos danoso para os índices
de inflação, não reflete, da forma mais transparente, o custo atual da geração
térmica e o grau de preocupação com o volume dos reservatórios.
Convém, ainda, não transmitir a impressão de que o pior regime hidrológico em 91 anos, apesar de um evento extremo, é algo isolado e dissociado das mudanças climáticas em curso. É um problema que parece ter vindo para ficar. Como demonstrou o Valor (22/3), entre 2016 e 2020, a água que chega às represas de hidrelétricas como reflexo das chuvas tem ficado permanentemente abaixo da média histórica registrada pelo ONS: 85,6% no Sudeste/Centro-Oeste, 49,3% no Nordeste, 88,4% no Sul e 76,2% no Norte. Chegou a hora de incorporar os efeitos do aquecimento global na operação do sistema e investir urgentemente na recomposição de matas que protegem nossas bacias hidrográficas.
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