Folha de S. Paulo
Por que alguns perdedores contestam os
resultados das eleições?
A contestação dos resultados das eleições
adquiriu enorme visibilidade após a invasão do Capitólio na esteira da derrota
de Trump, e das denúncias de Bolsonaro. Mas os casos de contestação em
democracias já estavam sendo cada vez mais frequentes, como mostra
Hernandez-Huerta, em artigo recente no Journal of
Politics (2020).
Usando uma base de dados contendo 164
eleições presidenciais entre 1974 e 2012 em 31 países da América Latina, África
e Ásia, o autor mostra que as contestações aumentaram, e representam quase 25%
dos pleitos da amostra.
Há achados contraintuitivos no estudo: as
contestações independem da qualidade das eleições e dos graus de autonomia
política dos órgãos eleitorais. Elas não são deflagradas necessariamente por
fraudes —este ponto é crucial— mas por incentivos estratégicos. Em geral são
perdedores de eleições, minoritários no Congresso, que buscam extrair ganhos e
concessões.
A experiência brasileira é parcialmente consistente com estes achados. Lula, às vésperas do pleito de 1994, reagindo às pesquisas que lhes eram desfavoráveis alertou, nesta Folha, que poderia haver fraude: “Desviar dois ou três milhões de votos neste país é mais fácil que tirar pirulito de criança”.
Já o caso de Bolsonaro é pouco intuitivo à
luz dos achados. Ele vem contestando as urnas eletrônicas desde o início
da campanha
eleitoral de 2018, quando nenhum analista antecipava uma vitória, e
paradoxalmente continuou com
a retórica mesmo quando venceu. Há aqui, portanto, um novo padrão
associado à onda populista pela qual outsiders antissistema brandem essa
bandeira porque ela fornece uma narrativa pós-eleitoral para a derrota, mas também
serve para manter acesa a militância.
A “campanha permanente” voltada para
alimentar a cacofonia do bolsonarismo-raiz que foi perseguida do início do
mandato até abril de 2020 é parte da explicação. Mas a influência de Trump está
presente, pois há um claro padrão emulativo por parte de Bolsonaro. Mas o
formato descentralizado e caótico das eleições nos EUA contrasta com o caso
brasileiro, onde fraude eleitoral não é um tema da agenda há muito tempo.
No entanto, dois eventos alteraram os
termos do debate em torno da questão. Em primeiro lugar, a invasão do Capitólio
tem um efeito-demonstração estimulando ações similares, mas também gerando
reações preventivas que podem anular seus efeitos potenciais.
Em segundo lugar, a erosão da popularidade
presidencial e chances reais de derrota para Bolsonaro no pleito de 2022,
abrindo-se a possibilidade de uma crise institucional de grande proporções. De
estratégia meramente retórica, a contestação se torna uma ameaça.
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