Falou & Disse
Mas a vida não segue em linha
reta… é feita de altos e baixos, com caminhos longos e vielas estreitas, por
onde devemos caminhar.
Atravessamos a vida convivendo com vários
fantasmas. Uns que nos agradam, nos impulsionam a construir grandes projetos,
enquanto outros nos atormentam, nos põem dúvidas, medos e nos levam a
determinadas doenças e à falência nos negócios.
Desde cedo, enquanto crianças, as nossas
mães nos apresentam a fantasminhas camaradas, numa atitude de nos querer ajudar
a vencer os nossos medos. Desde o nascimento estamos submetidos a várias
situações próprias do ser humano no caminhar da sua vida em busca da sobrevivência.
Ninguém se lembra do seu nascimento, mas eu tenho essa grande curiosidade quase inexplicável sobre como vivenciamos o ato de nascer. Naturalmente, fazendo o grande esforço para sair da barriga da mãe, a criança deve ser acometida de um intenso processo de estresse e insegurança, geradas pelo medo. E assim continuamos a vida, pautada pelos medos de toda ordem.
O medo leva as pessoas a estarem em
constante estado de alerta, seja por um perigo real, situação estressante ou
por imaginar que algo ruim pode ocorrer, assim fala a psicologia viva. Uma
pessoa com medo está sempre submetida a diversos transtornos mentais e
orgânicos.
Com medo, geralmente temos logo uma reação
intestinal. Alguns ficam patéticos, sem ação, são tomados de atitudes
negacionistas diante da vida e pensam que é preciso ter sorte para que o medo
se afaste e a vida continue em linha reta, como acontece no nosso imaginário.
Mas a vida não segue em linha
reta… é feita de altos e baixos, com caminhos longos e vielas estreitas, por
onde devemos caminhar.
No Brasil, neste momento, somos tomados por
vários medos; somos aterrorizados diariamente pelo presidente da República, a
cada dia com uma com uma ameaça diferente, que assim como na ditadura, flerta
com o fechamento do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal, deseja
instituir o AI-5 (o mais duro Ato Institucional da Ditadura Civil-Militar
1964/85) e convocar o Exército para apoiá-lo num golpe de Estado.
A impressão que temos é de que dois grandes
fantasmas nos encurralaram num momento em que as crises ditas “normais” já
devassavam a vida de muitas famílias, como o desemprego, a violência urbana, o
descumprimento das leis, o aumento da pobreza e o aprofundamento da
desigualdade.
Surgem, do nada, a pandemia e o governo
Bolsonaro.
Digo do nada, porque apenas os cientistas
sabiam da possibilidade de surgir uma pandemia dessa dimensão da COVID-19,
ceifando vidas de forma aleatória, sem que o mundo soubesse lidar com a forma
como o vírus ataca os seres humanos. Até um ano antes da eleição de 2018, não
se acreditava que um deputado do baixo clero, após ter passado 28 anos no
Parlamento sem manifestar interesse sobre os problemas do País, chegasse ao
cargo maior, de presidente da República.
Do nada, conseguiu um partido que lhe deu
abrigo e embarcou no oportunismo que tirou a esquerda do caminho da sucessão. E
logo os refugiados da ditadura surgiram em fileiras para serem o desaguadouro
de suas ideias anacrônicas, irmanadas com o fascismo.
De repente, o parlamentar homofóbico,
saudoso da ditadura, defensor da tortura, da institucionalização das milícias e
de uma política de armamento da sociedade para combater os bandidos, pavimentou
o caminho da eleição.
Sobre a nossa cabeça caíram toda sorte de
problemas gerados pelo vírus, como o desconhecimento sobre a doença e a forma
irresponsável que o governo federal definiu suas estratégias para o
enfrentamento da doença. Solapou o Ministério da Saúde e instituiu um grupo
paralelo para o comando das ações.
Somos obrigados a conviver
com este grande fantasma que nos impõe enterrar os mortos que chegam a 516 mil,
enquanto o governo desfila a cavalo, de moto, de jet-ski, inaugura pinguela,
incentiva a grilagem de terra, manipula as tribos indígenas e estimula o
garimpo irregular em suas terras.
Além disso, tripudia sobre a população
brasileira, desrespeitando as famílias, retirando as máscaras do rosto das
crianças, fazendo humor com a situação de dificuldade dos que adoecem de Covid,
imitando a respiração dos doentes, exibindo atitudes preconceituosas contra os
gays, chamando os que adoecem ou têm medo de adoecer de maricas.
Nunca visitou um hospital, nunca presenciou
um tratamento de um paciente terminal.
Até quando vamos conviver com estes dois
fantasmas, que enquanto aliados, Bolsonaro e Coronavírus são capazes de
desmantelar as nossas conquistas, dilacerar a vida das pessoas e tramar contra
a democracia?
Com a CPI da Covid instalada, logo surgiram
uma sequência de escândalos com base na corrupção. Após trilhar o caminho das
rachadinhas, elementos do governo saltaram para o desaguadouro da propina.
Foi assim que começamos a entender os porquês
sobre a atitude negacionista ante a aquisição de vacinas. Como declarou o
ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, em entrevista à Revista Isto É:
“Não há palavra para descrever o governo Bolsonaro. Chamá-lo de perverso,
cruel, omisso, manipulador e despreparado seria pouco. Em um determinado
momento, alguém vai ter de responder por todas essas mortes. Por enquanto, a
preocupação é salvar vidas e enterrar os mortos. Depois que acaba a guerra é
que a gente apura quem é o responsável.”
Que a CPI desvende o rumo do dinheiro usado
para os tratamentos ineficazes e as posturas criminosas que ceifaram tantas
vidas.
Que a população nas ruas, em manifestações
pacíficas, exija o afastamento e a punição dos culpados, a manutenção da vida e
o fortalecimento da democracia.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
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