O Globo
A opção pela burrice e atraso, no Brasil, é
escolha ideológica. Não é acaso ou acidente. Como justificativa, esconde-se
atrás de preconceitos religiosos (sempre o cristianismo de oportunidade), da
invenção de inimigos imaginários (ah, os comunistas) e de um astucioso
patriotismo (de resultados).
Num registro mais amedrontador, uma vaga
ameaça à família dó-ré-mi também é usada como pretexto. Cazuza, o grande poeta
brasileiro da minha geração, ainda nos anos 1980, alertava os suspeitos de
sempre: suas ideias não correspondem aos fatos. Certamente, Bia Kicis está
informada de quantas famílias o Bozo montou nas últimas décadas.
Atrás de um patriota de galocha e de um
tiozão da moto, sempre se esconde um miliciano digital.
Desculpe, eu sei, é uma análise sofisticada
para flagrar gente tosca. Mas, entre uma motociata e uma comunhão sem
confissão, os bons cérebros escapam do Brasil, aos borbotões, em reação à
dilapidação empreendida pelos bozofrênicos.
Além dos mais de 520 mil mortos, o Brasil enfrenta a tragédia de uma diáspora de pessoas bem preparadas e um massacre estruturado à educação. Se antes eram solteiros com ensino superior a deixar o país, agora são mestres, doutores, casais e até famílias inteiras. Em relação a 2013, apenas em 2019, mais que o dobro (alta de 125%) de pessoas resolveu pular fora definitivamente do barco brasileiro. O número é bem maior se pensarmos na quantidade daqueles que tentaram entrar ilegalmente somente nos Estados Unidos.
Pelo jeito, só nos sobrarão o capacho do
Lira, o murista do Pacheco e as falsas orações (com trilha sonora) da Zambelli.
Ah, também os negócios imobiliários do Flávio Bolsonaro.
Não é só na desesperança do presente que
opera a ação maléfica do bozonazismo. Na educação ocorre o desmonte do futuro.
Discutem-se ideias bozofrênicas como a escola sem partido, o homeschooling e o
conteúdo das questões do Enem.
Imagino o Malafaia e o Bozo, secundados
pelo André Mendonça e pelo Milton Ribeiro, criando as perguntas das próximas
provas.
— Ô Malafa, precisamos de uma pergunta
sobre a Idade Média —diz o Bozo.
O sempre serviçal do André Mendonça se
antecipa e oferece:
— Que tal “quais foram as últimas palavras
de Cristo?”
O lobista evangélico Milton Ribeiro corre com
sua sugestão sobre a Idade Média:
— Em qual ano o catolicismo se tornou
religião oficial em Roma?
— Mas não são questões ao tempo da Idade
Média? —pergunta o garçom que serve o café.
— Deixe de ser ímpio, moleque —ralha
Malafa. —Cristo não tem idade.
— Deus seja louvado — grunhe o Bozo.
Como se percebe, nossos problemas acabaram.
O homeschooling, outra obsessão tamanha, como o voto impresso e o amor hétero,
paira como ameaça às melhores práticas educacionais. Basta imaginar como o ogro
da Fundação Palmares distribuiria seu conhecimento em seu sacrossanto ambiente
doméstico.
— Pai, Jesus era comunista?
— Tá louco, moleque?
— Então, por que ele dizia que somos todos
iguais?
— Sei lá.
—Ele também disse para dividirmos nosso
pão…
— Bem, isso é bem complexo para a sua idade
—disfarça o ogro.
— Pai, o tio Malafaia é comunista?
— Nada disso, ele é cristão.
— E Cristo não era comunista?
— Por hoje chega, todos para a cama
—vocifera o educador bozonarista.
Parece brincadeira, ilação religiosa, mas é
sério. Porque é estratégia. Cazuza refletiu à sua maneira e com licença
poética: “Transformam um país inteiro num puteiro/Pois assim se ganha mais
dinheiro”. Ele já prenunciava o manjaléu da Fundação Palmares.
Em prova viva do axioma posto por Pedro
Malan (no Brasil, até o passado é incerto), o cuca da Fundação Palmares
denunciou a doação de títulos de autores supostamente comunistas, pedófilos e
perigosos à família. E anunciou títulos de alguns autores negros. Uau. Entre
eles, Luís Gama, Cruz e Souza e Carolina de Jesus.
De novo, mostrou que estava brincando de
amarelinha ou tira a meleca no dia em que o professor deu a aula sobre o
movimento abolicionista. Para ter ideia, estivesse vivo, Luís Gama consideraria
Freixo um tipo de direita. E o que achar do simbolista Cruz e Sousa, autor de
“O emparedado”: “…acordando chamas mortas, fazendo viver ilusões e cadáveres…
pela condenação do Pensamento, dentro de um báratro monstruoso de leis e
preceitos obsoletos… Tu és dos de Cam, mal dito, réprobo, anatematizado!… Como
se tu fosses das raças de ouro e da aurora, se viesses dos arianos, depurado
por todas as civilizações”.
— Pai, o que é báratro?
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