domingo, 4 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Vacina permite vislumbrar fim da pandemia

O Globo

A queda na média diária de mortes pela Covid-19 no Brasil trouxe um vislumbre de que a pandemia poderá ter fim. É verdade que o patamar, acima de 1.500 mortos todo dia, ainda é alto, superior ao do ano passado inteiro, por isso não justifica relaxamento prematuro nas medidas de restrição à circulação ou no uso de máscaras. Apesar disso, o avanço da vacinação, que já alcançou mais de 12% dos brasileiros, permite, sim, termos uma esperança de que o pesadelo deverá um dia acabar. E autoriza imaginar como será a vida normal depois que o contágio estiver sob controle.

É importante entender que o Sars-CoV-2 não desaparecerá, nem deixará de evoluir para novas cepas que poderão eventualmente driblar as vacinas disponíveis (algo que não ocorreu ainda). Mas ele tenderá a se tornar um vírus endêmico. Com o alívio na pressão sobre o sistema de saúde, mesmo que surja alguma variante resistente, os cientistas desenvolverão novas vacinas, como fazem com doenças sazonais.

É certo que a pandemia ainda está longe de acabar. A característica que marcará o fim será provavelmente uma variante com alta taxa de contágio, mas que, mediante a proteção das vacinas e a ação dos tratamentos disponíveis, resulte em letalidade bem mais baixa. Será o equilíbrio na disputa evolutiva entre o coronavírus e nós, seres humanos. Nos países de vacinação avançada, a tendência já é perceptível. No Reino Unido, onde predomina a variante delta, bem mais contagiosa que as demais, a letalidade para quem pega Covid-19 gira hoje em torno de 0,1% — similar à de uma gripe —, quando já foi de oito a dez vezes isso. Nos Estados Unidos, 99% dos mortos nas últimas semanas não haviam sido vacinados.

A vacina tem permitido que a vida retorne ao normal nesses lugares. A revista britânica The Economist criou até um “índice de normalidade” para avaliar quanto as atividades já voltaram ao nível anterior à pandemia em 50 países. Se, antes do vírus, esse índice era 100, ele caiu ao mínimo de 35 no primeiro semestre de 2020. Hoje está em 66 na média global, acima de 90 em países como Hong Kong e Nova Zelândia e perto de 60 no Brasil. Na maioria dos países, há uma relação estatística entre o retorno das atividades ao normal e a evolução da vacinação neste ano.

É uma situação que põe ainda mais em evidência o custo das políticas desastrosas adotadas pelo Brasil no combate à pandemia. Tivéssemos um governo minimamente competente para coordenar uma estratégia nacional de vacinação, testagem, rastreamento e financiamento para garantir o distanciamento social, certamente a história seria outra. Provavelmente estaríamos chorando algo como 107 mil mortos, em vez de 520 mil (concentramos 13,2% das mortes com 2,7% da população global). E poderíamos talvez já ter retomado atividades de modo mais seguro, não com a irresponsabilidade que tem marcado a relação do brasileiro com a pandemia mais letal em pelo menos um século.

É provável que, até o final deste ano, o avanço da vacinação traga para o Brasil a normalidade que já toma conta das ruas noutros países. Será um alívio poder voltar a respirar com um pouco mais de liberdade, voltar a conviver de perto com entes queridos, viajar, ir ao cinema, teatros e restaurantes sem medo. Mas a dor das perdas não se dissipará tão cedo. A vida recobrará a aparência de normalidade, mas jamais será a mesma.

‘Superpedido’ de impeachment não terá efeito almejado pelos autores

O Globo

É compreensível a percepção de que Jair Bolsonaro não deveria ocupar a Presidência da República. Sua incompetência fica patente em todas as áreas para onde se olhe no governo — do meio ambiente à educação, das relações exteriores à segurança pública, da timidez nas reformas econômicas à exuberância dos arroubos antidemocráticos, da intimidação dos opositores ao flerte com a ruptura institucional. Para não falar no desdém, na inépcia e na irresponsabilidade com que, desde o início, trata a pandemia que já matou mais de 520 mil brasileiros.

Tudo isso levou até o momento a nada menos que 123 pedidos de impeachment contra Bolsonaro. O último deles, apresentado nesta semana, foi alcunhado de “superpedido”. Com 46 signatários— entre líderes de partidos, movimentos sociais, organizações da sociedade civil e bolsonaristas arrependidos —, elenca em 271 páginas acusações de sete naturezas contra o presidente, que os autores consideram configurar “crimes de responsabilidade”.

O essencial a entender, como já ensinava o jurista Paulo Brossard, é que o impeachment é uma instituição de natureza dupla: metade jurídica, metade política. Brossard considerava, por isso, infeliz a expressão “crime de responsabilidade”, usada na Constituição para definir os casos em que um presidente poderia ser retirado do cargo. Segundo ele, a palavra “crime” transmite uma impressão enganosa, pois parece definir uma violação à lei. Brossard preferia usar o termo “infração política”. O objetivo do impeachment, dizia, nunca foi punir criminosos (isso cabe à Justiça), mas sim proteger o Estado.

Não deve haver impeachment, portanto, quando não houver consenso político para condenar o acusado. As barreiras a superar precisam ser altas (dois terços dos votos nas duas casas legislativas), justamente para que não haja abuso. Impeachment de presidente da República precisa, necessariamente, ser evento excepcional.

No caso específico de Bolsonaro, primeiro um pedido teria de ser aceito pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que já declarou reiteradas vezes julgar inoportuno um processo dessa envergadura (como fazia seu antecessor, Rodrigo Maia). Em seguida, teria de passar por uma Comissão Especial, em que bolsonaristas certamente teriam voz. Finalmente, teria de ser aprovado num plenário em que Bolsonaro ainda tem apoio para vetá-lo (bastam 172 votos).

A verdade, independentemente da gravidade das acusações ou do que um tribunal criminal teria a dizer sobre elas, é que são ínfimas — para não dizer nulas — as condições políticas para que qualquer processo de impeachment prospere no Congresso. O efeito do “superpedido” deverá ser outro.

As últimas denúncias já tornaram Bolsonaro mais dependente, para sua sobrevivência política, dos aliados do Centrão. Com o “superpedido”, a oposição e os signatários tratam de reforçar essa dependência. Entregam nas mãos de Lira e do Centrão uma mercadoria que decerto saberão valorizar em suas barganhas políticas com o governo.

Delibere, Arthur Lira

Folha de S. Paulo

Pedido que reúne razões para impeachment não deveria ficar sem resposta rápida

Se a regra no Estado democrático de Direito é evitar concentração demasiada de poder em funções singulares, algo não corre bem quando a responsabilização do chefe de Estado, nos crimes punidos com cassação do mandato, depende absolutamente do arbítrio do presidente da Câmara dos Deputados.

A solução para o futuro, como já defendeu esta Folha, é o estabelecimento de prazo legal para que o deputado incumbido de presidir a Casa delibere sobre os pedidos de impeachment, seja para negar a instalação do procedimento, seja para aprová-la. Qualquer decisão estaria sujeita a ser revertida por maioria absoluta do plenário.

No curto prazo, o que resta é instar Arthur Lira (PP-AL) a deixar de lado o cinismo e dar satisfação à sociedade sobre gravíssimas acusações contra o presidente Jair Bolsonaro dormentes em seu gabinete.

Essa pilha com mais de uma centena de petições não respondidas cresceu nesta quarta-feira (30) com a apresentação de uma extensa peça condensando diversas acusações de crime de responsabilidade.

A iniciativa, que reuniu políticos de esquerda, centro e direita, lista uma impressionante quantidade de ofensas, por parte de Bolsonaro, à Constituição e à Lei 1.079, de 1950, que regula o impeachment.

A negligência com o direito à saúde da população, a participação em atos antidemocráticos, a incitação ao descumprimento de leis, as interferências abusivas em instituições de Estado, as invectivas contra o Supremo Tribunal Federal, o levantamento de suspeitas infundadas de fraude eleitoral e os múltiplos atentados ao decoro exigido para o exercício do cargo configuram razões jurídicas abundantes para iniciar o processo de responsabilização presidencial.

Ao deputado Arthur Lira, na condição de presidente da Câmara, assiste o direito de discordar dessa interpretação, como parece ser o caso. O que destoa da solenidade esperada de um chefe de Poder é o modo informal e hipócrita com que vem tratando esse tema.

No dia em que foi protocolada a nova petição contra Bolsonaro, Lira ironizou a CPI da pandemia, no Senado, instância que diverge da complacência do deputado alagoano e do procurador-geral da República e cumpre o papel de buscar a responsabilização de agentes públicos pelo descalabro sanitário.

O presidente da Câmara também reclamou mais materialidade nos pedidos de impeachment —talvez espere uma confissão pública de culpa do chefe do governo.

Que Lira coloque seus argumentos em papel oficial, como é sua obrigação, e dê-se ao trabalho de refutar as imputações contra Bolsonaro. A procrastinação interesseira não serve ao país, só a quem mercadeja apoio a presidente fraco.

Feitos da vacina

Folha de S. Paulo

Apesar da sabotagem presidencial, impacto da imunização já chega a sexagenários

Chegou a vez dos sexagenários. Depois de o Brasil ter assistido a uma forte redução nas internações e mortes por Covid-19 de profissionais de saúde, nonagenários, octogenários e septuagenários, começamos a ver a diminuição da morbimortalidade na população com mais de 60 anos e menos de 70.

A responsável pelo feito é a vacina —ou, mais precisamente, as vacinas, já que utilizavam-se três delas no país no período em que os sexagenários foram maciçamente imunizados: Coronavac, Oxford/AstraZeneca e Pfizer/BioNTech.

Todas elas funcionam e, em conjunto, conseguiram fazer com que esse grupo etário, que representava 23% dos hospitalizados e 29% dos mortos em meados de abril, passassem respectivamente a 11% e 16% nas primeiras semanas de junho. Em números absolutos, na última semana de março morreram 5.737 pacientes de Covid-19 na casa dos 60 e apenas 865 na segunda semana de junho.

É possível avançar ainda mais, ampliando a cobertura vacinal e fazendo a busca ativa daqueles que perderam a segunda dose.

Incorre apenas em leve exagero retórico quem qualifica vacinas como um milagre. No caso da Covid-19, aliás, um duplo milagre, dado que elas funcionaram surpreendentemente bem para uma primeira geração de imunizantes e foram desenvolvidas no estonteante prazo de menos de um ano desde a decretação da pandemia.

Muito se louvam os avanços da medicina, com drogas e terapias cada vez mais eficientes. As loas sem dúvida são merecidas, mas cabe apontar que quase todo o avanço que a humanidade experimentou no último século e meio em termos de expectativa de vida se deve a dois conjuntos de intervenções: saneamento básico e vacinas.

Assim se reduziram dramaticamente as taxas de mortalidade infantil, elevando a esperança de vida ao nascer. A média mundial desse indicador saltou de 31 anos em 1900 para 72,6 anos em 2019.

Diante desse histórico de realizações, menosprezar vacinas constitui um ato de insanidade; já atacá-las, como frequentemente faz o presidente Jair Bolsonaro, é uma irresponsabilidade mortal.

Se se confirmarem suspeitas de que o Ministério da Saúde atrasou deliberadamente a aquisição de alguns imunizantes para favorecer esquemas viciados, entretanto, estamos diante de um dos crimes mais repulsivos que governantes e autoridades podem cometer.

A lei e a família

O Estado de S. Paulo

O Estado deve investigar com isenção todos os fatos suspeitos. Não existe imunidade ou impunidade por parentesco, sejam quais forem os envolvidos.

OEstado Democrático de Direito exige a investigação de fatos suspeitos e indícios de crime. Ninguém está acima da lei. Para isso, é fundamental que as instituições possam, dentro de suas respectivas competências, funcionar de forma independente. O governo Bolsonaro atua em sentido contrário à elucidação dos fatos, seja negando qualquer possibilidade de corrupção no governo federal – daí que toda investigação seria por princípio desnecessária –, seja tentando que as instituições operem dentro de uma lógica de lealdade pessoal. O critério já não seria apenas a lei, mas principalmente as relações pessoais.

Tal modo de agir do governo Bolsonaro não é nenhum segredo. Ao explicar no ano passado a escolha que havia feito para o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Bolsonaro foi explícito: “Kassio Nunes já tomou muita tubaína comigo. (...) A questão de amizade é importante, né?”.

Diante desse exercício do poder despudoradamente antirrepublicano, são especialmente relevantes duas recentes decisões do Supremo, determinando o prosseguimento de investigações que envolvem o presidente Jair Bolsonaro e três de seus filhos.

No dia 28 de junho, os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (RedeES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) enviaram ao STF notícia-crime pedindo a abertura de inquérito para investigar se o presidente Bolsonaro cometeu crime de prevaricação no caso da negociação da vacina indiana Covaxin. De forma um tanto esquisita, tendo em vista a gravidade dos fatos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não tomou nenhuma providência. Disse que era preciso esperar o término da CPI da Pandemia.

Diante dessa passividade – muito conveniente, por sinal, aos interesses do Palácio do Planalto –, a ministra Rosa Weber foi contundente. “No desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República. Até porque a instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito não inviabiliza a apuração simultânea dos mesmos fatos por outros atores investidos de concorrentes atribuições, dentre os quais as autoridades do sistema de justiça criminal.”

Na decisão, a ministra Rosa Weber determinou a reabertura de vista dos autos à PGR. Então, só então, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pediu a abertura de inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro a respeito da acusação de prevaricação. Vê-se como é importante insistir na defesa do Direito.

O segundo caso em que o Supremo precisou contornar o desinteresse da PGR em contrariar Jair Bolsonaro refere-se à investigação dos atos antidemocráticos. Apesar de a Polícia Federal ter encontrado indícios de crime, a PGR pediu o arquivamento do Inquérito (INQ) 4.828, que apurava a realização e o patrocínio desses atos.

Em deferência às atribuições do Ministério Público, o ministro Alexandre de Moraes acolheu o pedido da PGR, arquivando o INQ 4.828. No entanto, na mesma decisão, o ministro determinou a abertura de um novo inquérito com o objetivo de investigar grupos que atacam a democracia.

“A análise dos fortes indícios e significativas provas apresentadas pela investigação realizada pela Polícia Federal aponta a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político absolutamente semelhantes àqueles identificados no Inquérito 4.781, com a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito”, escreveu Alexandre de Moraes.

Na decisão, os três filhos mais velhos do presidente – Flávio, Carlos e Eduardo – são mencionados na condição de arrolados pela Polícia Federal como possíveis integrantes de organização criminosa destinada a atacar a democracia.

O Estado deve ser capaz de investigar com isenção todos os fatos suspeitos, sejam quais forem os envolvidos. Não existe imunidade ou impunidade por parentesco. Numa República, todo cidadão é responsável perante a lei pelos seus atos, sem discriminações nem privilégios.

Brasil, vendedor de commodities

O Estado de S. Paulo

Alta tecnologia é pouco presente nas exportações do setor industrial

Os dólares necessários à segurança externa da economia brasileira continuam garantidos pelo agronegócio, pela mineração e por outros segmentos produtores de commodities – matérias-primas e mercadorias de baixa elaboração. Graças a esses exportadores, o País acumulou superávit comercial de US$ 37,50 bilhões no primeiro semestre, com saldo recorde de US$ 10,37 bilhões em junho. Bons preços externos, sustentados pela recuperação internacional, especialmente do mercado chinês, principal cliente do Brasil, têm favorecido as exportações nacionais.

A indústria de transformação responde por metade ou pouco mais das vendas externas brasileiras, segundo a classificação oficial. O resto se divide entre agropecuária e indústria extrativa, isto é, atividade mineradora. Essa classificação obscurece o peso das commodities na geração da receita comercial e do superávit mantido regularmente há muitos anos. De janeiro a junho a agropecuária faturou US$ 32,28 bilhões com as vendas ao exterior. A indústria extrativa obteve US$ 38,123 bilhões. A indústria de transformação chegou a US$ 65,66 bilhões, 48% de toda a receita comercial. Mas é preciso olhar alguns detalhes para ter visão mais precisa dos ganhos conseguidos com as vendas externas.

Nove dos dez principais grupos de produtos exportados pela indústria de transformação, no primeiro semestre, foram commodities, como açúcares e melaços, farelos de soja e outros alimentos para animais, carne bovina fresca, refrigerada ou congelada e óleos combustíveis de petróleo. Esses nove grupos proporcionaram receita de US$ 29,13 bilhões, valor correspondente a 39,80% do total faturado com as vendas da indústria de transformação. Um exame mais detalhado indicaria uma participação maior.

Em junho, nove produtos do agronegócio renderam US$ 4,36 bilhões de receita comercial. O faturamento obtido com seis outros tipos de commodities, como produtos semiacabados de ferro, cal, cimento e alumina, chegou a US$ 2,12 bilhões. Somados os dois grupos, a receita contabilizada com essas commodities atingiu US$ 6,48 bilhões, 58% dos US$ 12,70 bilhões conseguidos com as vendas da indústria de transformação.

Essa indústria exportou, é claro, produtos muito mais elaborados e mais complexos, como aeronaves e equipamentos (US$ 304,90 milhões), automóveis (US$ 278,55 milhões), instalações e equipamentos de engenharia civil (US$ 211,84 milhões), geradores elétricos e componentes (US$ 130,14 milhões) e muitos outros, como máquinas, aparelhos elétricos, veículos rodoviários, calçados, tecidos e vestuário. Mas o peso das commodities nas exportações da indústria de transformação é indisfarçável. É ótimo ser competitivo em commodities, mas é preciso ambicionar mais que isso.

A indústria de média e alta tecnologia tem, portanto, participação restrita nas exportações, apesar da presença relevante dos segmentos aeronáutico, automobilístico e de equipamentos mecânicos e elétricos. Além disso, parte importante das vendas industriais está concentrada no mercado sul-americano. A maior parte das exportações do setor automobilístico depende do Mercosul, especialmente da Argentina.

O baixo dinamismo dos segmentos de tecnologia média e alta – sempre com as exceções mais evidentes – tem sido apontado por entidades do próprio setor industrial, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI). O alto custo Brasil e a pobreza das políticas de desenvolvimento tecnológico e de estímulo à inovação têm sido incluídos com destaque entre as explicações. Não se pode ignorar, nessa discussão, a importância da baixa integração global da economia brasileira. O protecionismo é parte do problema, certamente, mas uma política eficaz tenderia a combinar a abertura comercial com maior participação em acordos internacionais e programas de aumento de competitividade.

Pouco se fez para estimular a modernização, a inovação e a competitividade nos últimos 20 anos. Essa falha se agravou a partir de 2019, quando até a noção de planejamento sumiu da pauta governamental.

Valores sustentáveis

O Estado de S. Paulo

Com o engajamento das novas gerações, práticas sustentáveis estão se tornando irreversíveis

Este ano é crucial para a sustentabilidade global. No Brasil, há um complicador: o governo.

Há muitas razões pelas quais o ano de 2021 é considerado crucial para a sustentabilidade global, a começar pelo choque econômico e social da pandemia. A presidência de Joe Biden nos EUA também impulsionará uma agenda mais progressista, e há uma pressão difusa para que a conferência sobre o clima da ONU, a COP-26, avance em pautas que ficaram indefinidas nos últimos anos, como a regulação do mercado de carbono.

No Brasil há um complicador: a hostilidade do governo a causas ligadas à sustentabilidade, como a defesa do meio ambiente ou das minorias. Isso coloca ainda mais em pauta a atuação do setor privado. Felizmente, as condições globais são favoráveis, tanto no ecossistema do investimento como no do consumo. Essas condições ficaram evidentes no Summit ESG, promovido pelo Estado.

Uma pesquisa do UBS BB Global Banking com mais de 5 mil investidores mostrou que 70% gostariam que seus investimentos fossem alinhados a valores sustentáveis. Segundo o Barômetro de Confiança Edelman, 97% dos consumidores esperam marcas engajadas na solução de problemas sociais. No Brasil, as questões mais apontadas foram a pobreza (58%); o bem-estar (53%); segurança (52%); questões trabalhistas (52%); mudança climática (51%); e racismo estrutural (51%).

O movimento é irreversível, ainda mais quando se considera o engajamento das novas gerações. Mas há desafios a serem vencidos. Um deles é a regulação das “finanças verdes”. Para os especialistas ouvidos no Summit, o Brasil precisa avançar muito na criação de incentivos à cadeia sustentável. Em contrapartida, não se pode correr o risco de adotar padrões que sufoquem as empresas com exigências descabidas, prejudicando sua competitividade.

Outro problema é o chamado greenwashing – o emprego de uma retórica sustentável para efeitos de marketing que não corresponde às reais práticas das empresas. Não faltam boas métricas globais de sustentabilidade. Os especialistas, contudo, também apontam a carência no Brasil de bons sistemas de informações e critérios de adaptação à realidade local.

Mas, além destas externalidades, há desafios intrínsecos à teoria e à prática do ESG. Idealmente e a longo prazo, é fácil vislumbrar que os interesses ambientais e sociais convergem – não pode haver prosperidade em um planeta ambientalmente degradado. Mas, na prática e a curto prazo, pode haver conflitos e a necessidade de transacionar perdas e ganhos.

Assim como grandes programas de infraestrutura, por exemplo, podem gerar crescimento e empregos, mas com danos ambientais, exigências ambientais excessivas sobre o setor energético ou agrícola podem encarecer demais os preços básicos, onerando os mais pobres e agravando desigualdades.

Analogamente, do ponto de vista ideal, os interesses dos acionistas (“shareholders”) podem e devem ser harmonizados aos dos chamados “stakeholders” (as “partes interessadas”, como empregados, fornecedores, consumidores ou comunidades locais). Mas, de novo, a curto prazo as empresas podem ser obrigadas a fazer escolhas em prejuízo da sua lucratividade. Negar esses possíveis conflitos é contraproducente para a causa ESG. Reconhecê-los implica estabelecer estratégias de curto, médio e longo prazos.

Do ponto de vista dos investidores, por exemplo, nem sempre o boicote ou o desinvestimento é a melhor opção. Eles podem também usar seu voto em conselhos e assembleias para orientar o comportamento das empresas rumo a compromissos sustentáveis de longo prazo – mas assumindo que isso pode significar menos lucros no curto prazo. Do ponto de vista da sociedade civil e seus ativistas, é preciso calibrar as exigências feitas às empresas com a clareza de que as melhores ferramentas para garantir a defesa do meio ambiente e o progresso econômico são a ação democrática e o Estado de Direito, que permitem, entre outras coisas, estabelecer redes de proteção social, regras de transparência ou taxas de emissão de carbono. A responsabilidade das empresas e o dever do Estado não são excludentes, ao contrário. Mas é importante ter claro quais são as respectivas prioridades.

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