- Folha de S. Paulo
Militares já podem iniciar a contabilidade
do que o Exército perdeu
A correnteza encontra o seu leito natural.
Espera de dois anos e meio, só toleráveis pelo acúmulo de certezas e
comprovações que conduzem a correnteza para percursos legítimos, menos
incivilizados, convincentes —o que golpes não oferecem.
"As instituições estão
funcionando", diziam, e não era verdade. Por si mesmas, instituições não
funcionam, nem se imobilizam. O que as move e lhes dá funcionamento coerente
com seus meios e fins, ou os contrariam, são os seus ocupantes por direito ou
privilégio.
A ministra Rosa Weber —uma garantia de integridade— submete Jair Bolsonaro à investigação que pode refazer a dignidade nacional. O Supremo Tribunal Federal, por maioria dos ministros, está reconhecendo as suas responsabilidades e dando-lhes vida. Chama o procurador-geral da República a comportamento decente, conduz com eficácia inquéritos sobre manifestações antidemocráticas, redes de desinformação/difamação e seus financiadores no empresariado.
Contribui
para o andamento da CPI da Covid em passos legais. Faz pressentir a
disposição de examinar, para valer, a conduta do ocupante da Presidência. Tudo
à parte do aparente procurador-geral.
Augusto
Aras desfez-se cedo de sua autoridade moral. É exemplar da dependência que
o funcionamento das instituições tem. Seu desempenho é faccioso e imoral.
Característica que o candidata a novo mandato para mais serviços
desavergonhados a Bolsonaro e ao bolsonarismo. Se reconduzido, um movimento de
resistência dos procuradores será tão necessário quanto justificado. E exigido
pelos fatos como esperado pela população não fanatizada.
Gente de esquerda e gente de direita
experimenta o entendimento no repúdio a Bolsonaro. Na Câmara, 11 partidos
enfrentam a chantagem da adoção de voto impresso ou convulsão.
No Senado, até agora a CPI é o mais
importante acontecimento não natural desde a posse de Bolsonaro. Comparável,
com qualidade inversa, só à entrega do Ministério da Saúde à execução
de meio milhão (por ora) de vidas brasileiras indefesas. Os fatos em
apuração pela CPI foram agora levados ao encontro de sua origem e fins. Da
verdade por trás de Bolsonaro: a corrupção.
O crime de desmatamento e o contrabando de
madeira movem muito dinheiro, aqui e fora. Bolsonaro veio proporcionar-lhes
proteção contra ações repressivas. De graça? O garimpo ilegal e a extração
clandestina de minerais preciosos movem fortunas imensas. Bolsonaro veio lhes
assegurar o afastamento dos obstáculos legais e a tranquila exploração em
reservas indígenas. De graça? Com o controle dos recursos policiais e
militares, completado pela ação corrosiva de marginais como Ricardo Salles, o
projeto Bolsonaro não foi investigado e exposto.
A CPI inaugura a rota: descobre a milícia
da Covid. A rede de patifarias que recusou vacinas e esbanjou dinheiro público
em cloroquina, vista como expressão do negacionismo ideológico-religioso, teve
a mesma sede e as principais figuras da gigantesca falcatrua construída, e já
engatilhada, para
compra de vacina Covaxin com o mais alto custo por dose.
Bolsonaro ainda diz que "não
pode saber o que se passa dentro dos ministérios". No dia 22 de abril
de 2020, naquela pornológica reunião ministerial, Bolsonaro gabou-se não só de
ter um serviço de informação próprio, como de ser muito superior aos serviços
oficiais. Em eventual falha desse FBI particular, saberia da trama o filho
Flávio, de comprovada ligação com operadores da falcatrua bilionária. E, para
dispensar mais citações indiciais, o próprio Bolsonaro documentou sua presença
no que chamou de rolo. É bem clara a carta que mandou ao premiê da Índia para
apressar a compra --já apressada aqui, com burlas também na tramitação e nas
exigências técnicas.
Era um general. Acusado de incompetência e
algumas condutas culposas. Já são o general, um tenente-coronel e dois coronéis
no front do caso Covaxin. Sem contar os também militares que tomaram
providências no Planalto, com o mesmo fim. E há mais no Ministério da Saúde.
Os militares que forçaram o resultado
eleitoral e os do governo já podem iniciar a contabilidade do que o Exército
não ganhou e o que perdeu, identificado, por intermédio deles, com Bolsonaro e
seus feitos.
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