Blog do Noblat / Metrópoles
Como o presidente da República se livrará
da suspeita de que prevaricou sem sacrificar os militares envolvidos com a
compra de vacinas?
Por que o governo do presidente Jair
Bolsonaro emprega tantos militares (quase sete mil), a maioria em
lugares antes reservados a civis pelos próprios governos da ditadura de 64?
A justificativa oficial é de que os
militares são tão capazes quanto os civis. Pode ser, mas como a comparação
dispensa exames para atestar sua veracidade, tome-se isso como mera opinião.
O mais provável é que Bolsonaro militarizou
seu governo com a pretensão de tornar-se “imbrochável, imorrível e incomível”, como disse um dia.
Acrescente-se: inderrubável.
Como dono de um vocabulário primário e
raso, tais expressões, ausentes de ilustres dicionários, são contribuições que
ele dá para enriquecer a língua portuguesa.
A quantidade recorde de militares foi a maneira que Bolsonaro encontrou de retribuir o apoio que recebeu deles para eleger-se presidente. Essa história está à espera de ser bem contada.
Foi vista também por muitos civis como o
modo de os militares voltarem legitimamente ao poder, de onde saíram pelas
portas dos fundos quando a ditadura se esgotou em 1985.
De resto, ocupando posições de destaque, os
militares poderiam controlar de perto o ex-capitão indisciplinado que eles
mesmos afastaram do Exército por conduta antiética.
Falharam na missão. É o ex-capitão que os
controla, demitindo ou calando os que o contrariam e estimulando generais,
quando acha conveniente, a rasgarem os regulamentos militares.
A compra de vacinas a preço superfaturado
trincou de vez a narrativa veladamente cultivada dentro dos quartéis de que os
militares são também mais patriotas e honestos do que os civis.
O general Eduardo Pazuello não saiu do
Ministério da Saúde porque recusou-se a pagar “pixulé” a políticos que o
assediavam por mais verbas para seus redutos eleitorais e seus bolsos.
Saiu porque a pandemia se espalhara a tal
ponto que alguma cabeça teria de ser entregue para salvar a cabeça do
presidente, sócio do coronavírus e responsável pelo avanço da doença.
Agora, os militares que Pazuello levou para
o ministério, e que ficaram por lá, estão encrencados com a roubalheira que só
veio à luz porque um deputado bolsonarista decidiu denunciá-la.
Não o fez por amor ao país acima de tudo,
só abaixo de Deus. Mas por amor ao irmão, servidor do ministério, exonerado por
discordar da maracutaia que estava em curso.
A ação do deputado federal Luis Miranda
(DEM-DF) reverteu a exoneração do irmão, mas empurrou Bolsonaro para uma sinuca
de bico: como defender-se sem sacrificar ex-colegas de farda?
É por isso que, em pouco mais de 10 dias, o
governo já ofereceu pelo menos três versões diferentes para o que possa ter
acontecido nos porões do ministério. É por isso que Bolsonaro está calado.
Quem, como ele, no passado, dizia, em tom
desafiador, “Me chama de corrupto”, convencido de que a pecha jamais colaria em
si, hoje começa a ser chamado de corrupto por ruidosas multidões.
Mais vacinas, impeachment, Bolsonaro
genocida foram slogans que alimentaram as duas manifestações de rua anteriores
contra o governo. A de ontem deu passagem à acusação de corrupção.
A voz do bolsonarismo nas redes sociais
está confusa e fraca. Como defender seu guia sem jogar a culpa no líder do
governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e nos militares da tropa de
Pazuello?
Como defendê-lo se, de uma hora para outra,
poderá surgir a vacina na cueca, quer dizer, o áudio onde Bolsonaro prometeu ao
deputado Miranda que investigaria a denúncia e não investigou?
Forçada pelo Supremo Tribunal Federal,
a Procuradoria-Geral da República abriu inquérito contra
Bolsonaro por suspeita de prevaricação. Ao fim e ao cabo, ele não será
denunciado.
Como de outras vezes, a procuradoria
concluirá que faltam sólidos indícios de que o presidente prevaricou. Como dona
do inquérito, ela simplesmente o fechará, ficando tudo por isso mesmo.
Só não ficará se a CPI da Covid achar o que a procuradoria não quer ver. O desgaste na imagem do governo aumenta. Na melhor das hipóteses, ele chegará sangrando nas eleições do ano que vem.
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