O Estado de S. Paulo
As ruas falam em impeachment com
naturalidade maior que antes. Política é processo, por isso é conveniente que
se especule em torno de seus sinais. Observados casos passados, depreende-se
que impeachments dependem de cinco condições: insatisfação econômica; fato
determinado; forte mobilização popular; fragilidade parlamentar; amplo acordo
político envolvendo, inclusive, algum tipo de aquiescência do vice-presidente
da República.
O governo bate o bumbo da recuperação
econômica, mas são inegáveis os sintomas de mal-estar: desemprego, desalento,
milhões desprotegidos, na informalidade, perda de renda com a inflação. Tudo
incontestável e não importa se o País, um dia, se recuperará. Política é
processo e timing. O governo patina nessa área e o fato é que o “posto
Ipiranga” não entrega o que promete.
Já fatos determinados não faltam: além do desproporcional número de vítimas da covid, mais de uma centena de denúncias sustenta um “superpedido” de impeachment. Processos no TCU têm, agora, a companhia de inquérito formalizado na ProcuradoriaGeral da República. Até às cortes internacionais o nome de Jair Bolsonaro foi levado. No mais, a CPI é um manancial de fatos novos.
Falta disposição a Augusto Aras e a Arthur
Lira, peças-chave para o impeachment. O que nos transporta ao próximo ponto.
Ainda não se fez o balanço narrativo das
manifestações de sábado. Os números, contudo, estão longe de desprezíveis. O
intervalo entre esses eventos foi reduzido e a quantidade de pessoas sem
“vermelho” no figurino parece ter aumentado. Impulsionadas pelas vacinas, é
possível que as manifestações se ampliem, num processo difícil de estancar. Não
há político ou agente público indiferente às ruas.
A fragilidade parlamentar decorre disso,
mas também de conflitos na base. O velho Centrão é multifacetado em interesses
e choques de grupos – encontrões entre os grupos de Arthur Lira e Ricardo
Barros são frequentemente noticiados. A voracidade fisiológica produz o
genocídio nas bases. Pragmático, o Centrão vive de projetos viáveis e
continuados de poder. Bolsonaro garantirá isso até quando?
O amplo arco de acordos parece amadurecer: políticos de vários matizes e ex-aliados do governo aderem às manifestações e aos pedidos de impeachment. E, ao polarizar com Lula e fortalecê-lo, Bolsonaro torna-se disfuncional para quem rejeita o petista, sobretudo. Recomeçar o jogo, sem o atual presidente, passa a ser uma possibilidade. Resta o vice, que, como as ruas, ao seu modo também emite sinais.
*Cientista político. Professor do Insper
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