EDITORIAIS
A democracia não é uma foto
O Estado de S. Paulo
O dia 12 de setembro mostrou que o caminho não está deserto e pessoas de diferentes correntes ideológicas decidiram trilhá-lo
O presidente Jair Bolsonaro queria uma foto
no dia 7 de setembro. Sua expectativa era de que uma imagem pudesse contradizer
as pesquisas de opinião, que vêm constatando o crescimento da rejeição e da
desaprovação de seu governo. Bolsonaro obteve a foto com seus apoiadores na
Avenida Paulista, mas a indesmentível realidade permanece. O presidente nunca
teve tão pouco apoio popular e, principalmente, continua a negligenciar os
gravíssimos problemas do País.
Já as manifestações do domingo passado
talvez tenham frustrado quem queria obter com elas uma foto da oposição a Jair
Bolsonaro. A rejeição aos abusos, negacionismos e irresponsabilidades do
governo federal é inequivocamente maior do que a imagem obtida com os eventos
do dia 12 de setembro. De toda forma, o que ocorreu no último domingo revela
dois importantes fatos para o futuro da democracia brasileira.
Houve uma inédita reunião de forças
políticas, bastante divergentes entre si, em torno de uma causa comum. Deixando
de lado evidentes diferenças ideológicas, lideranças da sociedade se uniram em
defesa da democracia. Um mesmo palanque recebeu pessoas muito diferentes, que
estavam ali por um único motivo: expressar sua insatisfação com o autoritarismo
de Jair Bolsonaro.
Se o número de manifestantes pode dar margem a que bolsonaristas desdenhem dos atos de 12 de setembro, a reunião inédita na história recente do País de pessoas com propostas políticas tão diferentes revela uma novidade que não convém desprezar. A comparação meramente quantitativa entre os eventos de terça-feira e de domingo não é apenas injusta pela disparidade de recursos empregados e pela diferença entre o apoio a um político e a defesa de uma causa cívica. Ela é incapaz de captar a dimensão social e política do que ocorreu no domingo passado: um efetivo pluralismo de ideias e propostas em torno de uma causa comum.
O segundo fato, inegável e explícito, é que
o PT não está interessado na defesa da democracia. Sua percepção de democracia
é uma só: Luiz Inácio Lula da Silva de volta ao poder. Nesse sentido, ao PT não
interessa o impeachment de Jair Bolsonaro, tampouco a união das forças
políticas em torno de uma causa comum. A causa petista é a eleição de Luiz
Inácio Lula da Silva, e ponto final.
É muito natural, portanto, que o PT não
tenha participado das manifestações de 12 de setembro. O cenário ideal para
Lula – que nada tem a ver com o cenário ideal para o País – não é apenas que
Jair Bolsonaro seja um candidato expressivo nas eleições presidenciais de 2022,
mas que o bolsonarismo esteja no segundo turno.
A presença de Lula nas eleições de 2022 é
fundamental para Jair Bolsonaro. Sem ter nada a mostrar sobre o que fez ao
longo do governo, Jair Bolsonaro, com o líder petista na disputa, poderá
levantar os fantasmas de sempre: a ameaça comunista, a perversão dos valores
tradicionais, o aparelhamento das estatais, a corrupção. Ainda que critique o
Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro sabe que tem muito a agradecer à Corte por
ter suspendido os efeitos da Lei da Ficha Limpa sobre Lula.
Da mesma forma, ainda que critique
Bolsonaro, Lula tem muito a agradecer pelas manifestações do 7 de Setembro. O
fantasma do bolsonarismo – o medo de mais quatro anos de irresponsabilidade,
confusão e negacionismo no Executivo federal – é por ora o caminho mais fácil
para Lula voltar ao Palácio do Planalto. Assim, Lula não terá de enfrentar os
temas que expõem sem disfarce a natureza do lulopetismo: os escândalos de
corrupção, a crise social e econômica causada por Dilma Rousseff, a ausência de
propostas responsáveis para o País.
As manifestações de 12 de setembro podem
ter frustrado quem contava com um resultado imediato, pois o caminho da
democracia e da responsabilidade com o bem comum é longo, repleto de percalços,
dificuldades e necessários aprendizados. Mas há uma notícia especialmente
relevante. Esse caminho não está deserto. Pessoas de diferentes correntes
ideológicas decidiram trilhá-lo e estão convidando outros a trilharem também.
Inconstitucional, inepta e inoportuna
O Estado de S. Paulo
MP que restringe os poderes de moderação das redes precisa ser devolvida pelo Senado
No dia 6, o presidente Jair Bolsonaro
assinou a Medida Provisória (MP) 1.068, que impede as redes sociais de excluir
conteúdos, “exceto por justa causa”, tal como definida no documento. Como toda
MP, esta passou a valer na data da publicação, mas precisa ser aprovada pelo
Congresso em 120 dias. O presidente do Senado tem, contudo, a
discricionariedade de devolvê-la, caso considere que viola a Constituição,
anulando imediatamente seus efeitos. Espera-se que o faça, porque, além de
inconstitucional, ela é inepta e inoportuna.
Não que a questão dos limites à moderação
de conteúdos por parte das redes não seja relevante, tanto que vem sendo
debatida em todo o mundo. Se, por um lado, as plataformas não são
responsabilizadas pelos conteúdos publicados, a contrapartida é que mantenham
sua neutralidade enquanto veículo para que os usuários expressem sua opinião.
Segundo o governo, a MP visa a impedir a “remoção arbitrária e imotivada” de
perfis e conteúdos a partir de critérios que “impliquem censura de ordem política,
ideológica, científica, artística ou religiosa”.
Muitos juristas apontaram no documento
vícios materiais, cujo principal efeito seria inviabilizar o combate à
disseminação de notícias falsas. Mas não é preciso entrar no mérito. O art. 62
da Constituição estabelece que as medidas provisórias poderão ser adotadas “em
caso de relevância e urgência”. Não é o caso. O Brasil construiu o Marco Civil
da Internet, que estabelece os princípios de neutralidade e isonomia da rede e
os critérios para regular a moderação de conteúdos. Sem dúvida, o Marco é
passível de aperfeiçoamento, mas, após sete anos de laboriosa deliberação,
consolidou um equilíbrio de interesses que não pode ser alterado no improviso.
Diante disso, uma série de partidos
impetrou na Suprema Corte uma ação pedindo a suspensão da medida. O
procurador-geral, Augusto Aras – que pode ser acusado de tudo menos de ser
hostil ao governo –, foi favorável à suspensão, dada a “complexidade do
contexto social e político atual, com demanda por instrumentos de mitigação de
conflitos, aliada a razões de segurança jurídica”. Aras lembrou que tramita no
Congresso o projeto de lei das fake news, sendo “prudente” aguardar a sua
definição, “após amplo e legítimo debate, na seara apropriada”.
A MP é inoportuna, porque oportunista: foi
publicada nas vésperas das manifestações bolsonaristas do 7 de Setembro, como
um aceno de Bolsonaro a aliados que tiveram conteúdos removidos não só por
iniciativa das plataformas (como no caso da desinformação a respeito de vacinas
ou medicamentos), mas por determinação de órgãos como o Tribunal Superior
Eleitoral e a própria Suprema Corte (no caso de acusações fraudulentas ao
sistema eleitoral ou ameaças a ministros).
Decerto Bolsonaro espera um tratamento
diferenciado após contemporizar as tensões fabricadas por ele mesmo em
sua Declaração à Nação.
Mas, se o presidente recuou de sua belicosidade, não fez mais do que a
obrigação, e isso não significa que as instituições recuarão de seus
deveres.
De tempos em tempos, Bolsonaro fala em
costurar um “pacto” entre os Poderes. Esse pacto já existe: é a Constituição.
Supostos acordos não servirão para que as instituições se acovardem ou cedam a
interesses. Conforme suas atribuições constitucionais, o Legislativo continuará
a legislar e o Judiciário, a julgar. Assim como o STF deve avaliar os
inquéritos levados à Corte, o Senado precisa analisar a constitucionalidade das
medidas provisórias apresentadas ao Congresso.
A devolução de uma MP é uma medida constrangedora
para o Executivo. Tanto que só foi empregada quatro vezes desde 1988. A última
foi no ano passado, quando o então presidente do Congresso, Davi Alcolumbre
(DEM-AP), devolveu a MP que mudava os critérios de escolha de reitores de
universidades federais. A MP 1.068 merece o mesmo destino. E por mais indigesto
que ele seja para o presidente Bolsonaro, a prova de que a sua declaração de
respeito às instituições não é letra morta será aceitá-lo como quem aceita um
remédio amargo, mas salutar.
A preocupante saúde escolar
O Estado de S. Paulo
Pesquisa do IBGE traz números preocupantes sobre os adolescentes e jovens brasileiros
Elaborada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa
Nacional de Saúde do Escolar apresenta um quadro preocupante
dos adolescentes e jovens do País. Segundo o estudo, um em cada sete
adolescentes já sofreu abuso sexual e quase um quarto dos estudantes
brasileiros afirmou ter sofrido bullying de colegas.
O IBGE ouviu 188 mil estudantes de 4.361
escolas em 1.288 municípios. Quando a pesquisa foi feita, o Brasil tinha cerca
de 11,8 milhões de estudantes na faixa etária de 13 a 17 anos. Entre outras
constatações, a Pesquisa
Nacional de Saúde do Escolar registrou que dois terços dos
estudantes entrevistados informaram que ingeriram algum tipo de bebida
alcoólica – e, desse total, um em cada três o fez antes de completar 14 anos. O
levantamento também apontou que 47% dos estudantes disseram ter passado por
pelo menos um episódio de embriaguez.
Com relação ao comportamento dos estudantes
brasileiros, chamam a atenção na pesquisa os dados relativos a algum tipo de
abuso sexual. Segundo o IBGE, quase 9% das meninas já foram obrigadas a manter
relação sexual contra a vontade – entre os garotos foram 3,6%. Além disso,
14,6% dos entrevistados responderam que já foram tocados, manipulados, beijados
por pelo menos uma vez ou passaram por situações de exposição de partes do
corpo contra a vontade. Entre as meninas entrevistadas, 20,1% enfrentaram esse
problema – entre os meninos foram 9%.
Além de detectar que na maioria dos casos
de abuso sexual o crime envolveu um adulto da família, a pesquisa apontou que
35,4% dos estudantes entrevistados já tiveram sua iniciação sexual. Mostrou,
ainda, que apenas 63,3% usaram preservativo em sua primeira relação e que 40,9%
não o utilizaram na última relação.
Ainda com relação ao comportamento dos
estudantes brasileiros de 13 a 17 anos, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar identificou
outro problema dramático – este relativo a drogas e entorpecentes. Segundo o
levantamento, 13% dos entrevistados confessaram ter consumido algum tipo de
drogas ilícitas e 22,6% afirmaram fumar cigarro. Em ambos os casos, o problema
foi mais recorrente nas escolas da rede pública de ensino básico do que nos
colégios da rede particular.
Tão ou mais grave é a expectativa que os
estudantes entrevistados têm com relação à satisfação e felicidade. Um em cada
cinco (21,4%) respondeu que a vida não valia a pena ser vivida nos 30 dias
anteriores ao início da pesquisa. Em outras palavras, isso mostra não só o
estado emocional dos jovens e adolescentes, mas, igualmente, a falta de uma
perspectiva de futuro pessoal, familiar ou trabalhista. Essa informação vai ao
encontro do que já havia sido detectado há quase três meses por um levantamento
promovido pelo Centro de Estudos Sociais da Fundação Getulio Vargas. Realizado
em parceria com o projeto Atlas da Juventude, ele revelou que os jovens
brasileiros estão insatisfeitos, céticos, descontentes com o sistema de ensino
e incapazes de pensar em algum projeto de vida.
Por fim, o estudo revelou que 21% dos
entrevistados afirmaram ter sido agredidos pelo pai, pela mãe ou pelo
responsável nos últimos 12 meses antes de receberem o questionário do IBGE.
Como esse questionário foi distribuído antes da pandemia, esses números
aumentaram ainda mais com a propagação da covid-19, pois as crianças, os
adolescentes e os jovens cujas escolas foram fechadas tiveram duas vezes mais
risco de sofrer violência doméstica do que aqueles cujas escolas permaneceram
funcionando, como foi revelado por outras pesquisas.
Os números sombrios da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar são fundamentais para a formulação de políticas públicas voltadas à formação e qualificação dos adolescentes e jovens brasileiros. Infelizmente, porém, as áreas que mais necessitam dessas informações para elaborar seus programas – os Ministérios da Educação e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos – estão sob controle de gestores tão ineptos que talvez não saibam nem mesmo interpretar esses números.
Cada ator político age segundo seu
interesse eleitoral
O Globo
A resposta às manifestações do 7 de Setembro vista domingo nas ruas do Brasil
foi tímida, mas trouxe um ingrediente novo: representantes de partidos
ideologicamente antagônicos deixaram de lado as diferenças e se uniram em nome
do embate contra o inimigo comum, Jair Bolsonaro. A aliança improvável reuniu
nomes do PCdoB, Novo, PDT, PSDB e até dissidentes do PSOL.
Não atraiu, porém, o maior partido de oposição brasileiro, o PT. Petistas alegaram que não se uniriam a um protesto que começara sob o mote “nem Lula, nem Bolsonaro” e fora inicialmente convocado por movimentos que no passado defenderam o impeachment de Dilma Rousseff, a Operação Lava-Jato e até hoje atacam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se de um pretexto apenas. Na realidade, a divisão em torno do comparecimento às ruas revela cálculos políticos distintos dos diferentes atores.
Para todos os pré-candidatos associados à
terceira via entre Lula e Bolsonaro — caso de Ciro Gomes, João Doria, Eduardo
Leite ou Luiz Henrique Mandetta —, o apoio ao impeachment tem lógica. Sem o
nome de Bolsonaro na urna eletrônica, qualquer um que desponte como líder do
grupo poderia aglutinar os votos antipetistas e teria mais chance de derrotar
Lula.
Para Lula e o PT, a lógica é outra. Não
lhes interessa a eleição sem Bolsonaro. Pelo motivo recíproco. Como Lula é
favorito segundo todas as pesquisas, se beneficiaria naturalmente da presença
de Bolsonaro na eleição, pois aglutinaria em torno de si os antibolsonaristas.
Por mais que esbravejem contra o presidente, nem Lula nem o PT querem o
impeachment de Bolsonaro.
Não é nenhuma surpresa, portanto, que cada
ator político aja de acordo com seus interesses eleitorais. Também nada há de
errado nisso. Se erro houve, foi um erro tático cometido pelos candidatos da
terceira via. Incapazes de levar gente às ruas em quantidade compatível com as
manifestações de 7 de Setembro, só contribuíram para afastar ainda mais o
próprio objetivo — o impeachment —, já tornado improvável depois da nota de
recuo de Bolsonaro na semana passada.
Erro que deriva de uma interpretação
equivocada, embora comum: julgar a força política dos grupos pela capacidade de
levar gente às ruas. Quem decide eleições não é a minoria barulhenta que costuma
ir a protestos, comícios e fica o dia todo debatendo nas redes sociais. É, na
expressão popularizada pelo presidente americano Richard Nixon, a “maioria
silenciosa”. Nixon venceu de lavada a eleição de 1972, apesar de ser
diuturnamente atacado em protestos contra a Guerra do Vietnã e o escândalo de
Watergate.
A melhor ferramenta de que dispomos para
avaliar preferências políticas são as pesquisas de opinião. De acordo com elas,
postos diante de apenas três opções, mais de 40% dos eleitores preferem Lula.
Os dois demais grupos — os bolsonaristas e aqueles que não querem nenhum dos
dois — têm aproximadamente o mesmo tamanho, algo como um quarto do eleitorado.
Isso significa que a manifestação bolsonarista do 7 de Setembro transmitiu uma impressão de força maior que a realidade. Com os protestos de domingo, ocorreu o contrário: mais brasileiros preferem a terceira via do que as ruas deram a entender. Ainda é cedo para descartar qualquer possibilidade. No ano que vem, o resultado poderá pender para qualquer lado.
TSE faz bem em apertar o cerco contra
mentiras sobre as eleições
O Globo
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
realizou em dois municípios fluminenses, no último fim de semana, testes para
ver se o voto digitado é contado corretamente nas urnas eletrônicas. Ao fim,
como esperado, não foi registrado um só erro. Mais uma vez, as urnas
eletrônicas demonstraram funcionar perfeitamente. O resultado é apenas a última
demonstração de como são delirantes as teorias conspiratórias sobre
irregularidades no voto impresso.
Silva Jardim e Santa Maria Madalena, no
estado do Rio, são dois dos cinco municípios brasileiros que realizaram
eleições suplementares para prefeito no domingo. Isso ocorre quando o mandato
de todos os eleitos é cassado ou quando o registro de candidatura é negado por
determinação da Justiça Eleitoral. No sábado, o TSE sorteou urnas que seriam
usadas no dia seguinte e as transferiu para a sede do Tribunal Regional
Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ), onde foram auditadas no mesmo horário do
pleito, com transmissão ao vivo por uma rede social.
Presente ao TRE/RJ, o ministro Luís Roberto
Barroso, presidente do TSE, ressaltou a importância da transparência e da
participação de partidos políticos, do Ministério Público e da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB).
Desde que foram adotadas, há 25 anos, as
urnas eletrônicas gozaram de credibilidade entre os eleitores brasileiros.
Passaram duas décadas livres de acusações de fraudes e sempre foram motivo de
orgulho nacional. Isso começou a mudar quando o presidente Jair Bolsonaro e
seus seguidores iniciaram uma campanha insidiosa de desinformação contra o
processo eleitoral brasileiro — acusações jamais acompanhadas de provas.
Ciente da necessidade de rebater com
informação a campanha de descrédito contra as urnas eletrônicas, o TSE dará
início no dia 4 de outubro aos testes anteriores às eleições presidenciais de
2022. Em evento a que foram convidados os presidentes de partidos políticos e
integrantes da Comissão de Transparência das Eleições (CTE), haverá visita à
sala onde estarão acessíveis para inspeção os códigos dos programas que fazem
as urnas funcionar.
Criada no dia 9 de setembro, a CTE é
formada por integrantes de instituições e órgãos públicos, além de
especialistas em tecnologia. Sua missão é analisar os planos de transparência
do TSE e fiscalizar os sistemas eleitorais e de auditoria. Em discurso na
semana passada, Barroso afirmou que “uma das manifestações do autoritarismo
pelo mundo afora é a tentativa de desacreditar o processo eleitoral para, em
caso de derrota, poder alegar fraude e deslegitimar o vencedor”.
Feito o diagnóstico, o TSE não perderá
tempo em combater essa ameaça à democracia brasileira, com testes ampliados e
também com divulgação de seus resultados para toda a população. Faz muito bem o
tribunal em apertar o cerco contra as mentiras, de modo a prevenir qualquer
contestação ao resultado caso Bolsonaro seja derrotado.
Incertezas reduzem interesse dos
investidores externos
Valor Econômico
A cautela em relação ao mercado brasileiro
aumentou com as decepções em relação aos ajustes e reformas econômicos
Mais uma gigante entre as multinacionais
está deixando o Brasil. A maior fabricante global de cimento, a suíça Holcim,
vendeu suas operações no país para a CSN Cimento, na semana passada. A Holcim
era a terceira maior do país, desde que comprou a francesa Lafarge em 2014, e
sai em um momento de aumento do consumo. Após amargar uma crise de 2014 a 2018,
o mercado interno de cimento voltou a crescer: 11% em 2020, em plena pandemia,
com expectativa de crescer mais 6% neste ano.
As justificativas oficiais da Holcim não
são claras. O grupo fala em reduzir o endividamento e diversificar os negócios.
Mas seguirá com operações em outros países da América Latina -Argentina, México
e Equador. A intenção de deixar o Brasil havia sido externada já em abril e
agora o grupo arrumou um comprador por US$ 1,025 bilhão. A intenção era
conseguir até US$ 1,5 bilhão.
Em janeiro, outra multinacional, a Ford,
anunciou a saída do Brasil. Antes dela a também emblemática Mercedes Benz
revelou a retirada. É inegável que a cautela em relação ao mercado brasileiro
aumentou com as decepções em relação aos ajustes e reformas econômicos. Agora,
o sentimento é intensificado com a antecipação da disputa eleitoral de 2022
desencadeada pelo presidente Jair Bolsonaro. Como analisou o ex-presidente do
Banco Central (BC) Pérsio Arida, “estamos com um mundo com taxas de juros
baixíssimas, com excesso de capitais, com um volume enorme de recursos
destináveis a infraestrutura e a políticas ambientais adequadas. [Esse fluxo de
investimentos] não se materializa no Brasil porque o Brasil é visto como um
pária” (Valor, 13/9).
Os dados mais recentes do BC registram que
os investimentos estrangeiros diretos no país (IDP) somaram US$ 31,8 bilhões
até julho neste ano, dos quais US$ 27,1 bilhões são participação no capital.
Compõem o restante operações intercompanhias, que embutem na maioria das vezes
empréstimos de matriz para filiais, devolvidos depois na forma de remessas de
lucros e dividendos. Essas remessas atingiram US$ 3,1 bilhões em julho, surpreendendo
o BC. No acumulado até julho, somam US$ 12,7 bilhões, quase o dobro dos US$ 7,8
bilhões do mesmo período de 2020.
Dos US$ 27,1 bilhões em participação do
capital registrados no ano até agora, US$ 20,3 bilhões ingressaram efetivamente
no país (a conta inclui reinvestimento de resultados). Chama a atenção
detalhamento do BC mostrando que esses investimentos novos são pulverizados.
Até agora, não há ingressos acima de US$ 1 bilhão. A maior parte (30,4%) varia
de US$ 100 milhões a US$ 500 milhões; percentual expressivo de 18% envolve
operações até US$ 10 milhões; e 15% vão de US$ 20 milhões a US$ 50 milhões.
Ainda assim, o Brasil deve superar o
resultado de 2020, quando teve o pior volume de investimento estrangeiro em
duas décadas. Foram US$ 25 bilhões, de acordo com levantamento da Unctad,
compilados pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
O desempenho fraco foi principalmente atribuído à pandemia, mas o investimento
estrangeiro caiu muito mais no Brasil do que na média mundial: 62% em
comparação com 35%. Em consequência, o Brasil também recuou no ranking da
Unctad, do sexto lugar entre países mais atraentes para o capital externo para
o 11º lugar, atrás de emergentes como o México (9º) e da Índia (5º).
Se tem alguém vendendo, tem alguém
comprando, diz o consenso popular. As instalações da Mercedes Benz em
Iracemápolis (SP) foram adquiridas pela jovem montadora chinesa Great Wall,
atraída por incentivos fiscais não tão generosos quanto os oferecidos a sua
antecessora, mas ainda sedutores. A iniciativa da Great Wall pode ser
considerada uma exceção. Os investimentos chineses no Brasil mostraram recuo
desde 2020, movimento atribuído inicialmente à pandemia, mas que podem também
ter sido afetados pelas críticas do governo Bolsonaro a Pequim. Em 2020, os
investimentos no país caíram 74% em relação a 2019, somando US$ 1,9 bilhão,
menor valor desde 2014.
A cautela do investidor estrangeiro abre espaço para a expansão das empresas brasileiras. Levantamento da Dealogic mostrou recorde de US$ 59,4 bilhões em fusões e aquisições no mercado brasileiro no ano até o início de agosto, volume superior aos US$ 52,7 bilhões, de 2017. Muitas delas saíram às compras após terem fortalecido o caixa em operações de abertura de capital ou oferta de ações neste ano. Além disso, já estão acostumadas às turbulências domésticas.
Armas no STF
Folha de S. Paulo
Corte precisa derrubar normas que
contrariem o espirito do estatuto aprovado em 2003
Após um pedido de vista que durou cinco
meses, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, enfim
liberou para julgamento o conjunto de ações propostas por partidos de oposição
que questiona quatro decretos, editados em fevereiro por Jair Bolsonaro, para
facilitar o acesso da população a armas de fogo.
Está em vigor, por exemplo, a presunção de
veracidade da declaração para efetiva necessidade de posse de armas. O STF já
conta com dois votos contrários ao texto, que inverte a lógica da legislação:
hoje se toma como verdadeira a necessidade, cabendo ao Estado a tarefa de provar
o contrário.
Entre outras providências contidas nos
decretos estão a permissão para que cidadãos utilizem armamentos equivalentes
ou superiores aos de policiais, além de liberar fuzis para atiradores; o
enfraquecimento do rastreamento e da marcação de munições; o aumento do prazo
para renovação de registro dos produtos.
Tudo isso contraria os propósitos do
Estatuto do Desarmamento, uma lei aprovada em 2003. Decretos presidenciais,
como se sabe, são instrumentos normativos inferiores, que não podem conflitar
com regra aprovada pelo Legislativo —e é por isso que o Supremo precisa
examinar a questão.
Sem apoio político para fazer avançar a
quase totalidade de sua pauta ideológica, Bolsonaro conseguiu ir além da
retórica no armamentismo, em especial graças a normas que não precisam passar
pelo crivo dos parlamentares.
Levantamento do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública apontou que em dezembro de 2020 havia 1.279.491 registros de
armas no sistema da Polícia Federal, o que representa o dobro da quantidade
observada em 2017 (637.972). Os números cresceram em todos os estados, e a alta
no Distrito Federal chegou a assustadores 562%.
Além disso, segundo documento da entidade,
saltou de 200,2 mil, em 2019, para 286,9 mil o número de pessoas credenciadas
no Exército como caçadores, atiradores desportivos e colecionadores. Há mais
561,3 mil armas em poder desse grupo.
Amparada em normas de legalidade mais que
duvidosa, essa política de Bolsonaro carece também de fundamentação racional.
Especialistas em segurança pública apontam que a maior circulação de
revólveres, pistolas e outros artefatos favorece a violência e cria
oportunidades para criminosos.
“Povo armado
jamais será escravizado”, declarou recentemente o mandatário, o que
dá sinal de seu alheamento da realidade.
Resquício patriarcal
Folha de S. Paulo
Serviços de saúde não podem exigir
consentimento de maridos para implantar DIU
Certas notícias soam inacreditáveis pelo
mero fato de surgirem no século 21. Como esta: postos de saúde de São
Paulo pedem
autorização do marido para inserção de dispositivo intrauterino (DIU),
como revelou a Folha. E não só porque a prática é ilegal.
Tudo se passa como se profissionais de
saúde e suas pacientes vivessem em 1821, e não em 2021. Por incrível que
pareça, houve um tempo em que mulheres não podiam nem votar, menos ainda
decidir o que é melhor para elas e seu próprio corpo, hoje uma obviedade na
maior parte das nações.
Não em certas partes do Brasil. Pelo menos
sete unidades básicas de saúde paulistanas pedem a assinatura do parceiro nos
formulários de consentimento; em agosto, outra reportagem revelara que se exige
o mesmo de clientes de alguns seguros de saúde.
O DIU, dispositivo em formato de T
posicionado no útero, impede a fecundação ou a fixação de um óvulo fecundado,
de maneira a impedir a gestação. Tem perto de 99% de eficiência e pode ser
removido a qualquer tempo, se a mulher decidir engravidar.
Por ser reversível, o método não se
enquadra na categoria dos contraceptivos com efeitos permanentes, como vasectomia
ou ligadura tubária. Nesses dois casos, a lei 9.263/96, sobre planejamento
familiar, prevê a exigência de consentimento do cônjuge para a realização da
intervenção cirúrgica.
A provisão legal poderá funcionar como
incentivo para que casais cheguem a desejável consenso. Em havendo algum
desacordo entre mulher e marido, contudo, pode-se argumentar que a exigência,
apesar de legal, exorbita na limitação da autonomia do indivíduo sobre o
próprio corpo.
Parece provável que muito dessa inclinação
autoritária mostrada por certos provedores de serviços de saúde deriva de
concepções morais particulares, se não de fundo religioso, que funcionários e
instituições se julgam no dever de impor a usuários.
Trata-se, em verdade, de um abuso. O acesso
a contraceptivos constitui um direito que não pode e não deve ser dificultado,
seja pela exigência de consentimento de outrem, seja pela interposição
burocrática de outras barreiras, como consultas de aconselhamento psicológico
ou familiar.
Não basta o poder público reconhecer falhas e prometer suspensão da prática no caso do DIU, como fez a Prefeitura de São Paulo; é mandatório que se inicie uma campanha para esclarecer servidores e outros profissionais de saúde sobre a ilegalidade da exigência.
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